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Visto do Brasil: Onze razões para não confiar em Bush

"O que Bush vem fazer no Brasil?", pergunta o jornalista e professor universitário Bernardo Kucinski, para logo responder: "Coisa boa não deve ser". Kucinski observa que "sem o cancelamento da sobretaxa americana de US$ 0,14 por litro de álcool brasileiro, a proposta de uma parceria de estímulo à produção de etanol é enganação. Só no ano passado, o governo americano embolsou US$ 220 milhões de sobretaxa ao etanol importado do Brasil. Dinheiro que poderia e deveria ser nosso." O jornalista alinha 11 razões para não confiar em Bush. Da Carta Maior

O que Bush vem fazer no Brasil?

Onze razões para não confiar no dirigente americano

Coisa boa não deve ser. Até a grande imprensa desconfia. O Estadão [Estado de S. Paulo] ridiculariza em editorial sua tentativa de competir com Chávez na oferta de médicos aos "pobrecitos" do Sul do Rio Grande. Sem o cancelamento da sobretaxa americana de US$ 0,14 por litro de álcool brasileiro, a proposta de uma parceria de estímulo à produção de etanol é enganação. Só no ano passado, o governo americano embolsou US$ 220 milhões de sobretaxa ao etanol importado do Brasil. Dinheiro que poderia e deveria ser nosso. Além desse motivo, há "n" outros para se desconfiar dessa visita. Destaco onze deles:

Primeira razão: os governos americanos não são confiáveis para nenhuma parceria porque descumprem sistematicamente suas promessas depois de obter o que querem. Nos anos 50, levaram nosso urânio e nosso tório com a promessa de "compensações especificas" em tecnologia nuclear, que nunca vieram; prometeram à Coreia do Norte petróleo em troca do desmonte de seu programa nuclear, mas o petróleo não foi entregue; até hoje não cumpriram a determinação da OMC de desmontar os seus subsídios ao algodão. Os Estados Unidos dependem agora de forma determinante de energia importada sendo limitadas sua capacidade de expandir a produção de energia alternativa a custos competitivos. Querem o nosso etanol, mas sem anular as sobretaxas que viabilizam a produção do etanol também nos Estados Unidos.

Segunda razão: A visita faz parte de um projecto estratégico para derrubar Chávez, daí o roteiro escolhido, tentando criar um circulo de isolamento da Venezuela na América Latina e as repetidas falas contra Chávez às vésperas da visita. Embora oriundos da primeira revolução democrática do mundo, os governos americanos nunca aceitaram os processos democráticos na América Latina, preferindo para essa região, o critério da subserviência aos interesses americanos. Se o dirigente não for subserviente, articulam para derrubá-lo. Assim fizeram com Jacob o Arbenz na Guatemala em 1954, com Jango no Brasil em 1964, Allende no Chile em 1973, e Chávez na Venezuela. Essa visita é um primeiro passo de uma nova estratégia, talvez ainda não totalmente formulada, de anular o processo de aprofundamento democrático que hoje envolve praticamente todo o subcontinente e que em alguns países tem dimensões revolucionárias, como é a chegada ao poder das comunidades indígenas no Equador e Bolívia, pela primeira vez na história dos povos andinos.

Terceira razão: O departamento de Estado considera as elites dirigentes latino-americanas como facilmente "cooptáveis ou corruptíveis" e está sempre "procurando identificar as pessoas e formas mais adequadas para obter a cooptação".

Quarta Razão: A postura padrão da política americana para a América Latina é de natureza predatória; o que querem são os nossos recursos naturais, sem dar nada em troca. Os americanos delapidaram em apenas quatro séculos reservas minerais, de petróleo e outros recursos naturais que a Europa levou dois milênios para esgotar e o Brasil ainda está longe de ter esgotado. Somos hoje os maiores exportadores mundiais de soja, suco de laranja, açúcar, etanol, tabaco, e ainda temos muita terra e muita energia para usar.

Quinta razão: desde a Doutrina Monroe de 1823, formulada para justificar a luta contra a dominação espanhola na América Central, os americanos vêem toda a região ao Sul do Rio Grande como "o seu quintal dos fundos" (backyard) , no qual podem fazer o que bem entender, sem dar satisfações para o resto do mundo. Hoje, os capitais ibéricos estão recolonizando a América Latina e em especial o Brasil dando nova motivação à doutrina de que "A América deve ser dos americanos".

Sexta razão: Bush anda não se conformou com a derrota da proposta de criação da ALCA, a zona de livre comércio englobando todas as Américas, debaixo da hegemonia norte-americana. Sua proposta de criação de uma espécie de grande mercado comum energético, ainda que no primeiro momento limitada a um tipo de mercadoria, retoma o mesmo princípio, de usar os recursos da região para alimentar a economia americana.

Sétima razão: os americanos não cumprem nem mesmo os tratados internacionais, quando acham que já não lhes interessa. Denunciaram unilateralmente até mesmo o tratado de Bretton Woods que instituiu a ordem monetária internacional do pós-guerra.

Oitava razão: embora vítimas de organizações terroristas, os americanos nunca hesitaram um recorrer ao terrorismo na defesa dos seus interesses nacionais. Arquitectaram mais de 40 atentados contra Fidel e já se noticia, embora sem provas, que arquitectaram atentados contra Chávez.

Nona razão: os americanos tem actuado nas três ultimas décadas como potência prepotente, e desprezam o interesse geral da humanidade. Torpedearam os trabalhos de convenção de banimento das armas químicas, porque achavam que isso iria prejudicar sua indústria; não aderiram ao protocolo de Kyoto e não aceitam o Tribunal Penal Internacional, duas grandes conquistas no nosso processo civilizatório.

Décima razão: Os americanos nunca aceitaram os processos de integração a América Latina, hoje ponto central da nossa política externa. Está em marcha, ainda que devagar, a constituição de uma grande rede de interligação energética entre os países latino-americanos. Itaipu binacional e o o gasoduto Brasil -Bolívia foram apenas o começo dessa integração física que agora pode dar novo salto qualitativo.

Décima-primeira razão: Bush está desesperado pela perspectiva cada vez mais provável de ter que abandonar o Iraque e com isso perder o controle sobre reservas importantes de petróleo. Daí sua nova investida na América latina. Nunca é aconselhável negociar com desesperados.

Dadas essas razões, é possível confiar num governante dos Estados Unidos nos dias de hoje? É possível negociar alguma cosia séria com Bush? Duvido. Corremos o risco de sermos enganados mais uma vez por um reles, embora poderoso, trapaceiro.

Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é editor-associado da Carta Maior. É autor, entre outros, de "A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro" (1996) e "As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998" (2000).

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Neste dossier:

Dossier: Bush na América Latina

As manifestações de protesto em todos os países que Bush está a visitar na sua viagem pela América Latina mostram o desgaste que a administração dos EUA vive frente ao povo do continente. Consciente da sua perda de influência, Bush apresenta uma retórica amena, que o levou mesmo a apresentar-se como "filho de Bolívar". Mas os EUA vão gastar mais no Iraque só nesta semana do que com todos os programas anunciados para um ano na América Latina.

Esquerda.Rádio entrevista historiador brasileiro sobre viagem

O tema do magazine desta semana incide sobre as viagens que George W.Bush e Hugo Chávez estão a fazer por vários países da América Latina.

Hugo Chávez: Bush quer impedir que nasça o novo Mercosul

Nas entrevistas que deu durante a viagem à Argentina, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, denunciou as tentativas de Washington para interpor uma cunha entre os países do Mercosul, e sobretudo impedir que nasça o novo Mercosul, "que é o que nós propomos com a entrada da Venezuela." Chávez faz também a comparação entre George Washington e Simón Bolívar, que considera um percursor do socialismo.

Ao chegar à Argentina, Chávez ataca projectos de Bush

Veja o vídeo da chegada do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a Buenos Aires.

Visto do Brasil: Onze razões para não confiar em Bush

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Uruguai-EUA: Bush, a visita incómoda

A chegada de Georges W. Bush ao Uruguai, nesta 6ª feira, levantou grande protesto na coligação de esquerda que governa pela primeira vez este país. Os sectores mais radicais protestaram, mas o presidente Tabaré Vásquez actua com pragmatismo, ainda que se reafirme anti-imperialista.
A Frente Ampla (FA), composta por partidos historicamente opostos à hegemonia e ao militarismo de Washington, ao neoliberalismo económico e às directivas impostas pelos organismos de crédito multilaterais, envolveu-se num duro debate interno sobre a atitude a seguir face à presença do presidente norte-americano, que devolve a visita que Vásquez fez em Maio de 2006.

Banco do Sul causa nervosismo ao FMI

Em fins de Fevereiro, os presidentes da Argentina, Nestor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, decidiram criar o Banco do Sul, que deverá ter o seu plano de acção pronto em 120 dias. Outros países, como a Bolívia e o Equador, já mostraram interesse em juntar-se ao processo, que causou grande nervosismo na sede do FMI. Esta instituição está a enfrentar dificuldades financeiras a curto prazo, com um défice de 105 milhões de dólares acima do previsto neste ano fiscal, uma coisa que não acontecia desde 1985.

A visita de Bush: mudança de retórica para disputar com Chávez

A preocupação de Bush de se apresentar com uma retórica amena aos povos da América Latina foi tal, que chegou ao ponto de se apresentar como "filho de Bolívar". Bush agora fala de "justiça social", de uma "mensagem de esperança", de "mudança para os pobres". Mas os EUA vão gastar mais no Iraque só nesta semana do que com todos os programas anunciados para um ano na América Latina.

Biocombustíveis: Entidades brasileiras rejeitam modelo de produção com base no agronegócio

Diante da visita do presidente dos EUA, George W. Bush, ao Brasil para tratar do etanol, movimentos sociais defendem a produção de agrocombustíveis, desde que beneficie agricultores familiares e não seja com base no modelo agroexportador.