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A visão da direita: Deixem o Diabo assumir amanhã

Moshe Arens, antigo político do Likud, foi ministro da Defesa por três vezes e embaixador de Israel nos EUA entre 1981 e 1983. Em 1999, enfrentou o seu protegido Benjamin Netanyahu na disputa pela liderança do Likud, mas obteve apenas 18% dos votos. Netanyahu trouxe-o de volta para o Ministério da Defesa, que abandonou, assim como a actividade partidária, no final desse ano, quando o Likud perdeu as eleições.Neste artigo, publicado no Haaretz no dia 13, ele acusa a actual liderança israelita de ter desperdiçado a posição de força de Israel em função de raciocínios de curto prazo, e pede a sunstituição de todos eles.

Deixem o diabo assumir amanhã

Haaretz, 13/08/2006

Por Moshe Arens

Conduzir uma nação em guerra até à vitória era demais para eles. Um fardo muito pesado para os seus estreitos ombros. Aquele trio - Ehud Olmert, Amir Peretz e Tzipi Livni - pediu e recebeu um mandato para conduzir o povo de Israel, prometendo tomar a nossa fé nas suas mãos e unilateralmente estabelecer as fronteiras de Israel, evacuando os israelitas que vivem na Judeia e na Samaria, e tornar Israel num país "no qual será um prazer viver". Não sabemos e provavelmente nunca saberemos se eles estariam à altura da tarefa, mas sabemos agora que eles não tinham estatura para governar Israel nestes tempos difíceis.

Tiveram alguns dias de glória quando ainda acreditavam que os bombardeamentos da força aérea no Líbano dariam um castigo severo ao Hezbollah e trar-nos-iam a vitória sem dor. Mas à medida que a guerra que eles tão mal conduziram avançava, enquanto o Norte recebia a sua dose diária de 150-200 rockets, a Galileia era destruída e incendiada, mais de um milhão de israelitas empurrados para abrigos ou abandonados nas suas casas e as baixas civis e militares cresciam - gradualmente foram perdendo fôlego. Aqui e ali, ainda deixavam algumas declarações belicosas, mas começaram a procurar uma saída - como se livrarem destes acontecimentos que eram obviamente incapazes de gerir. Procuraram uma corda de salvação, e quem melhor lhes poderia dar senão o Conselho de Segurança da ONU. Acabava a necessidade de marcar uma vitória militar sobre o Hezbollah. Deixem a ONU declarar um cessar-fogo, e Olmert, Peretz e Livni podem simplesmente declarar vitória, acreditem ou não.

Um quase audível suspiro de alívio pôde-se ouvir do gabinete do primeiro-ministro quando começaram na ONU as negociações que iriam chegar ao cessar-fogo. A retórica apropriada já está no ar. Mas e se o mundo inteiro vir este arranjo diplomático - com o qual Israel concordou enquanto estava ainda a receber uma dose diária de rockets do Hezbollah - como uma derrota sofrida às mãos de uns poucos milhares de combatentes do Hezbollah? E se ninguém acreditar que uma "reforçada" força da UNIFIL irá desarmar o Hezbollah, e que o Hezbollah, com milhares de rockets ainda no seu arsenal e verdadeiramente reforçado pelo sucesso deste mês contra o poderoso exército israelita, se irá tornar num parceiro para a paz? Será que um cessar-fogo que vai evitar mais baixas entre os soldados israelitas não vai aumentar mais estes perigos nos acontecimentos futuros?

Muitos políticos notabilizam-se por preferir considerações de curto-prazo sobre uma visão a longo termo. Abundam os exemplos dos perigos destas políticas míopes. De Munique, na Europa de 1938, que abriu o caminho para a II Guerra Mundial, até Oslo de 1993, que trouxe Arafat e a sua corte de Tunis para aqui, até à retirada de Gush Katif no ano passado que trouxe o Hamas ao poder, e a retirada apressada de Barak do Líbano de 2000, que espalhou as sementes da última intifada e é a raiz da guerra actual - os frutos podres da retirada que temos vindo a colher neste último mês.

As implicações de longo prazo de um acordo de Israel com um cessar-fogo intermediado pela ONU são óbvias. Os inimigos de Israel, e eles são muitos, vão concluir que Israel não tem a energia para um amplo combate ao terrorismo. Não são precisos tanques e aviões para derrotar Israel - bastam uns poucos milhares de rockets. Katyushas hoje e Qassams amanhã. Não deixem que Olmertz, Peretz e Lvni vos enganem: estes rockets vão continuar a cair depois de Israel passar a ser visto não só como punido mas como derrotado nesta longa guerra de um mês.

"Ontem morreu e amanhã não está à vista", costumava cantar Dean Martin. Olmert pode estar a cantarolar esta música enquanto concorda com a resolução de cessar-fogo, e Peretz e Livni podem cantar o refrão "deixem o diabo assumir amanhã". Mas amanhã vai chegar mais cedo do que eles esperam. E vai encontrar Israel sem mais nenhuma das suas capacidades de intimidação, as que costumavam manter os inimigos ao largo. A guerra, que de acordo com os nossos líderes, deveria restaurar a posição de força de Israel, terá conseguido num mês destrui-la. O Hamas, a Síria e o Irão não vão perder a mensagem, e possivelmente nem alguns dos nossos vizinhos árabes, que por muitos anos abjuraram da beligerância contra Israel.

A tarefa que Israel enfrenta agora é restaurar a sua posição de força e preparar-se para os ataques que certamente virão. Mas não com esta liderança. Eles esgotaram qualquer pequeno crédito que ainda tivessem quando foram eleitos para o governo.

(...)

Neste dossier:

Dossier: Israel depois da Guerra

A derrota na segunda maior guerra jamais travada pelo Estado de Israel provocou uma polémica violentíssima em todo o país, com sérios indícios de crise. De repente, Israel descobre que o famoso serviço de informações não sabia nada do Hezbollah, que o exército afinal não é imbatível, que o chefe do Estado-Maior não é um herói, mas um aproveitador.

A Guerra dos 33 dias: Da mania à depressão

Este artigo de Uri Avnery faz um balanço desassombrado da segunda guerra do Líbano e alerta para o perigo da nova retórica da direita israelita: a teoria de que a vitória militar foi impedida pelos políticos quando estava à beira de ser conquistada.

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Vinte perguntas: O que correu mal

Esta lista de 20 perguntas, escrita pelo editor de assuntos diplomáticos do diário israelita Haaretz, reflecte bem a perplexidade diante da derrota na segunda guerra mais longa jamais travada por Israel. Levanta questões sobre a ausência de opções diplomáticas, erros militares evidentes, falhanços completos do tão famoso sistema de informações, e divisões óbvias durante a própria condução da guerra. O gigante militar afinal também tem pés de barro.

Quem ganhou?: Viagem à Guerra sem nome

Dois artigos do jornalista brasileiro Bernardo Kucinski, enviado especial da Agência Carta Maior a Israel.