O muro dos Estados Unidos

01 de October 2006 - 17:42
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"O NEOLIBERALISMO DEIXOU OS CAMPONESES À DERIVA"

O escritor mexicano Guillermo Arriaga é um dos guionistas de cinema mais premiados do mundo, autor de filmes como "21 Gramas", "Amores Perros" e "Três Enterros". Os dois últimos têm a realidade mexicana como tema, as tensões na gigantesca Cidade do México e os dramas da vida na fronteira entre seu país e os EUA. Todos os anos há centenas de milhar de mexicanos e outros sul americanos que tentam cruzar uma fronteira militarizada, com centenas de quilómetros de muros e arame farpado, para entrar nos Estados Unidos da América.

 - A nova lei imigratória dos EUA e a construção do muro vão dificultar a imigração?

 - Já dificultaram. Um coiote  (quem ajuda a fazer a travessia) cobrava US$ 1.000, agora cobra US$ 3.000. Como a maioria dos camponeses não tem esse dinheiro, eles já chegam endividados por um bom tempo para pagar seus primeiros salários às máfias instaladas do lado de lá. Se a polícia apanha-os, perdem tudo.



- A imigração vai ser detida?

- Não. A maior tragédia mexicana é a pobreza. Continuaremos a expulsar nossos pobres. Só aumentamos o risco de morte dessas pessoas. Ficou mais arriscado e caro. É uma relação hipócrita porque eles precisam desses trabalhadores, que revitalizam o país deles. Só que nós temos a culpa. Não deve ser fácil para os norte-americanos. Nenhum país reagiria bem com a invasão de milhões de pessoas que não falam a sua língua. O neoliberalismo no México deixou os camponeses à deriva.



- Ou seja, o maior problema está dentro de casa.

- Com certeza. O terceiro homem mais rico do mundo é mexicano. Temos vários na lista de bilionários. Houve uma enorme concentração de renda nos últimos anos. Uma história que os brasileiros conhecem bem.



 - Era melhor nos tempos do PRI (Partido Revolucionário Internacional)?

- Havia muita corrupção, mas os mais pobres contavam com uma rede de protecção, de mercados que vendiam alimentos mais baratos a clínicas populares. A Revolução Mexicana teve um grande componente de justiça social. Isso acabou.



- O Sr. tem uma visão negativa do Nafta (Criação de uma zona de mercado livre no continente Americano)?

- Há sectores que melhoraram, muitas mulheres conseguiram empregos nas maquiladoras (operárias da industria têxtil), a indústria manufactureira cresceu muito. Houve batota dos americanos na agricultura. Mas o pior foi o fim das políticas sociais, decidido aqui, não pelo Nafta. Competitividade para os "Chicago boys" quer dizer tirar direitos e reduzir salários dos trabalhadores. Não conheço políticos ou economistas que tenham a solução para isso. A desigualdade cresce em todo o mundo, da China ao Brasil, dos EUA à Europa.



- Fez pesquisas para escrever "Três Enterros"?

- Não precisei. Desde os 12 anos, vou ao norte. Amo o deserto, tenho vários amigos camponeses. O verdadeiro Melquiades teve de imigrar, abandonar seu clima de 30C para ordenhar vacas no gelado Wisconsin. Não sabe falar inglês, mas pôde ficar conversando com outros agricultores americanos por horas.



- Há vários mexicanos hoje em Hollywood, actores, cineastas e guionistas. A imagem dos mexicanos pode melhorar nos filmes americanos?

- Continuará péssima. Os norte americanos não tem ferramentas para entender mexicanos. Eu escolhi o elenco mexicano do "Melquiades" ["Três Enterros"]. Há muitos preconceitos. Em "Traffic", os mexicanos são os grandes traficantes. Só que eles deixam as drogas em Laredo. Quem as leva para Nova York ou Chicago, quando o preço cresce sete vezes? Assim como cabe a nós resolver nossa pobreza para evitar a imigração, eles deveriam lutar contra o consumo. Os Melquiades Estradas preferiam viver no México, com suas famílias.



Entrevista feita Raul Juste Lores para a  Folha de São Paulo

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