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Prisões secretas da CIA

O SINISTRO DUPLO SISTEMA DE INTERROGAÇÃO
Com o 11 de Setembro e a "guerra" ao terrorismo de Bush, a tortura e as prisões secretas tornaram-se prática comum defendida pela administração americana.
Rupert Cornwell num artigo publicado no jornal britânico "The Independent" de Domingo dá novas informações e conclui: que as prisões podem ter sido desactivadas, mas estão intactas; o duplo sistema de interrogação continua; a doutrina de Bush "está viva e recomenda-se".

O Dia do Trabalhador*, que prolonga o fim-de-semana e marca o fim do Verão, é habitualmente o período mais calmo na América e nos locais do mundo onde os americanos se encontrem. Não foi assim, contudo, na última Segunda-Feira na prisão militar americana da Baía de Guantanamo em Cuba, onde estão detidos 445 suspeitos terroristas.

Durante aquela manhã um avião aterrou na base. Acorrentados e encapuçados desembarcaram 14 figuras, os últimos detidos num campo que nos últimos quatro anos tem estado no centro da controvérsia internacional. Na verdade, contudo, eles eram veteranos de um sistema prisional que causou, se é possível, ainda maior indignação: uma rede de prisões secretas geridas pela CIA fora dos EUA, onde as mais brutais práticas do interrogatório eram utilizadas em nome da obtenção de informações sobre os inimigos mais mortais da América na "guerra ao terrorismo" do presidente Bush.

No seu discurso à nação na televisão a partir da Casa Branca na última Quarta-Feira, apenas cinco dias antes do quinto aniversário dos ataques do 11 de Setembro, o presidente Bush reconheceu pela primeira vez a existência dos tais "buracos negros"habitados por prisioneiros "fantasmas" para além do alcance de qualquer autoridade, do Congresso ou da Cruz Vermelha assim como do direito norte-americano e internacional.

De acordo com fontes oficiais e reportagens nos Estados Unidos existiram 8 prisões no total. Entre as suas localizações estão o Afeganistão, o Qatar, a Tailândia, a base na ilha indiana de Diego Garcia (alugada pelos EUA à Grã-Bretanha), bem como a Polónia e a Roménia. O sistema foi montado no início de 2002. Nos últimos quatro anos e meio cerca de 100 prisioneiros passaram por esta rede.

Contudo, estes não eram prisioneiros comuns. Eram alvos de elevado valor - os trunfos do terror que a CIA acreditava possuírem informações sobre planos terroristas em curso. Para obter informações todos os meios eram considerados justificados. Alguns detidos eram mantidos nessas prisões durante um determinado período de tempo e então - quando o seu valor para os americanos se extinguia - eram enviados, sob a prática chamada de "rendição", para países amigos, entre os quais Jordânia, Paquistão e Egipto, onde sofriam igualmente um tratamento brutal, se não ainda pior. Outros, acredite-se, eram enviados para Guantanamo. Alguns, contudo, ficavam.

Os novos 14 prisioneiros de Guantanamo incluem os mais famosos capturados da Al-Qaeda: entre eles Abu Zubaydah, um coordenador chave da organização, capturado no Paquistão em Março de 2002; Ramzi Binalshibh, um colaborador nos ataques do 11 de Setembro; e o grande planeador dos ataques Khaled Sheikh Mohammed. Nos últimos dias foram disponibilizados mais detalhes sobre as "melhoradas" técnicas de interrogação a que os prisioneiros eram sujeitos.

Um memorando do Departamento de Justiça de Agosto de 2002 menciona na sua conclusão que os métodos que param imediatamente antes de causar dores comparáveis à "paragem de órgãos, perca de controlo de pontos centrais ou até morte" eram permitidos legalmente. Na prática estas técnicas incluíam técnicas práticas tais como "duches" ou simulação de afogamentos, esbofeteamentos e espancamentos, isolamento extremo, bem como privação do sono e barulho intenso ou bombardeamentos de luz.

A maioria das pessoas iria concluir que isto é tortura. Contudo o senhor Bush insistiu repetidamente que os EUA não praticavam tortura. Em vez disso ele descreveu aqueles métodos em termos orwellianos como um "conjunto alternativo de procedimentos" que deviam ser vistos como legais.

Essa determinação legal foi providenciada pelo conivente Alberto Gonzales, então conselheiro da Casa Branca e hoje Procurador-geral e pelos advogados da linha dura do Departamento de Justiça que acreditavam que o presidente, enquanto comandante em chefe, podia fazer o que quisesse em tempo de guerra, com base no antigo princípio de salus populi suprema lex - livremente traduzido como vale tudo quando a sgeurança nacional está em jogo. Há cinco anos atrás, depois de um período no qual não houve mais nenhum ataque terrorista em solo americano, esse perigo ainda assim subsiste. Por essa razão a decisão de esvaziar as prisões e enviar os prisioneiros para Guantanamo para julgamento.

Mas o mistério mantém-se. Primeiro, terá realmente encerrado os "buracos negros"? Em Dezembro passado a organização Human Right Watch publicou uma lista de 26 pessoas que se acreditava estarem nesse sistema de campos prisionais, 13 das quais estavam entre os que foram transferidos para Guantanamo. Mas das outras 13 nada se sabe.

Há ainda o caso de Ibn al-Sheikh al-Libi, um dos primeiros suspeitos de alto nível em poder da CIA e tido como a fonte das afirmações - avançadas por Colin Powell na ONU em 2003 como justificação para a invasão do Iraque - que Saddam Hussein teria ligações com a Al-Qaeda. Essa sugestão foi de novo rebatida na última Sexta-Feira num condenador relatório do Comité de Segurança do Senado, considerando que as afirmações de Al-Libi foram obtidas através de tortura por interrogadores egípcios, o que certamente aumentou as dúvidas sobre o valor das informações obtidas em tais circunstâncias.

Horas antes do senhor Bush discursar na Quarta-Feira o Pentágono emitiu uma actualização do Manual de campo do exército, proibindo uma variedade de técnicas de interrogatório incluindo não apenas os afogamentos, mas outros tais como humilhação sexual e o uso de cães para intimidação, tornados abjectos por Abu Ghraib. A impressão é que as restrições também se aplicam à CIA. Mas será assim?

As prisões podem estar vazias, mas o sistema pode ser reactivado em qualquer momento. Na semana passada o senhor Bush enviou uma lei para o Congresso estabelecendo regras para novas comissões militares para julgarem Khaled Sheikh Mohammed, Ramzi Binalshibh e os outros, depois do Supremo Tribunal em Junho passado ter rejeitado os tribunais previamente preparados pelo Pentágono.

Mas a medida também prevê um duplo sistema de detenção que permitirá à CIA uma maior latitude que as militares. Como Bush disse na semana passada "ter um programa para a CIA interrogar terroristas continuará a ser crucial para obter informações que salvem vidas". Ou, de outro ponto de vista, a doutrina a que o vice-presidente Dick Cheney chama "trabalhar o lado negro" está viva e recomenda-se.

* Nos Estados Unidos o dia do trabalhador é comemorado na primeira Segunda-Feira de Setembro.

(...)

Neste dossier:

Dossier 11 de Setembro

Após os atentados Bush lançou a sua "guerra ao terrorismo". Mentiu descaradamente para desencadear a guerra, violou o Direito Internacional e as liberdades. Cinco anos depois os atentados terroristas aumentaram, as guerras prolongam-se. Dos que internacionalmente apoiaram quase só resta o seu indefectível Blair, ameaçado de ser apeado pelos seus apoiantes. Bush fracassou e está também ele com graves e crescentes dificuldades políticas, mas o mundo ficou mais instável e inseguro.

Prisões secretas da CIA

Com o 11 de Setembro e a "guerra" ao terrorismo de Bush, a tortura e as prisões secretas tornaram-se prática comum defendida pela administração americana.
Rupert Cornwell num artigo publicado no jornal britânico "The Independent" de Domingo dá novas informações e conclui: que as prisões podem ter sido desactivadas, mas estão intactas; o duplo sistema de interrogação continua; a doutrina de Bush "está viva e recomenda-se".

Estados Unidos depois do 11/9

O golpe que o 11 de Setembro acertou nos EUA foi sem precedentes na sua escala e horror. Mas será que é essa a data que merece realmente ser lembrada? Cinco anos depois, está claro que a verdadeira viragem para o mundo se deu sete dias mais tarde.

"Guerra ao terrorismo"

O jornal britânico Independent publicou um artigo de David Randall e Emily Gosden intitulado "62 006 - o número de mortos na "guerra ao terrorismo" que extrai conclusões de estudos publicados no mesmo jornal e que traduzimos parcialmente.

11 de Setembro de 1973

Foi há 33 anos que o golpe militar de Pinochet derrubou o presidente Salvador Allende, que tinha sido democraticamente eleito em 1970 apoiado pela Unidade Popular, uma ampla frente envolvendo os diferentes partidos de esquerda. Os golpistas tiveram o apoio de toda a direita e dos Estados Unidos e instauraram uma feroz ditadura. A TVN (Televisão Nacional de Chile), nos 30 anos do golpe, realizou um vasto programa (11 de Septiembre de 1973 La Batalla de la Moneda) com o filme e testemunhos de diversos  intervenientes.