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Vitalino Canas, o Provedor-maravilha do Trabalho Temporário

A flexibilidade demonstrada por Vitalino-deputado e Vitalino-provedor é, politicamente, muito discutível. Na prática o que os associados da APESPE, os patrões das ETT’s, conseguiram foi nomear um deputado, já eleito, para representar os seus interesses no parlamento.
Vitalino Canas, o deputado do PS, o Provedor do Trabalho Temporário, o advogado, o professor, o empresário.

Em 2007, o então deputado e porta-voz do PS, Vitalino Canas, foi nomeado pela APESPE, isto é, a associação das empresas de trabalho temporário (ETT), Provedor da Ética Empresarial e do Trabalhador Temporário - ver site do Provedor. Vitalino Canas foi assim contratado pelos patrões das ETT’s com o objectivo de “melhorar a imagem do sector” e, claro, receber queixas dos trabalhadores temporários.

Desde logo insurge-se a contradição do facto do Provedor do Trabalho Temporário ser um assalariado dos patrões das ETT’s, contudo a verdadeira valência de Vitalino nunca foi encoberta, mesmo que mascarada com supostos fins de protecção dos direitos dos trabalhadores. Mas verdade seja dita, Vitalino Canas embora seja um vendido é, de facto, um bom empregado, reconhecerá a APESPE. Logo em 2007, Vitalino esforçou-se por defender os privilégios de quem o contratou, assumindo-se no parlamento contra a proposta de limitar os contratos de trabalho temporário a um máximo de dois anos. Na altura discutia-se a reforma do Código do Trabalho que incluía uma revista Lei do Trabalho Temporário.

Satirizando esta situação e a figura do Provedor do Trabalho Temporário, o Bloco organizou em 2008 uma procissão de explorados em honra de São Vitalino, o santo dos precários, no âmbito da Marcha contra a Precariedade. 

A contradição das funções

Em 2008 escrevia Jorge Costa num artigo, “O empregado do mês”: De facto, Vitalino é um encartado representante deste lobby. Há um ano, na votação parlamentar da lei do trabalho temporário, apresentou uma indignada declaração de voto contra a falta de liberalismo do diploma: "é com inquietação que constato que, em aparente contraciclo, o novo regime de trabalho temporário é mais restritivo do que aquele que o PS apresentou inicialmente. (...) É o caso da responsabilidade do utilizador por dinheiros devidos ao trabalhador quando a ETT não lhe paga. Que utilizador quer correr esse risco?". Vitalino denunciava também a limitação dos contratos de trabalho temporário a um máximo de dois anos (e de um ano se a justificação do contrato for acréscimo excepcional da actividade), quando no projecto inicial do PS o prazo era de três anos. E concluía: "Não é de esperar que, perante estes obstáculos, as empresas optem por soluções ‘habilidosas', menos transparentes, de trabalho ilegal sem grandes hipóteses de fiscalização?" O porta-voz nacional do PS conhece de perto a delinquência patronal..."

Vitalino Canas é, na verdade, um homem com vários ofícios e muito flexível. Para além de ser pago pelos patrões do trabalho temporário (o mandato foi anunciado como sendo de três anos, mas Vitalino é ainda hoje o Provedor do Trabalho Temporário), é deputado na Assembleia da República eleito pelo Partido Socialista, advogado (Stanley Ho, Fundação Oriente...), professor do ISCA e administrador da Sagres Seguros.

Vitalino Canas poderá ser considerado o Provedor-maravilha – ver vídeo – mas a sua flexibilidade é, politicamente, muito discutível. Na prática o que os associados da APESPE conseguiram foi nomear um deputado, já eleito, para representar os seus interesses no parlamento. 

Como disse o jornalista João Paulo Guerra, do Diário Económico, referindo-se à nomeação de Vitalino Canas: "o rótulo ‘socialista' em Portugal engloba as concepções de vida e de sociedade mais distantes dos ideais de solidariedade que inspiraram as doutrinas sociais. Um socialista português de hoje pode achar curto em matéria de despedimentos o pacote laboral de Bagão Félix. Como pode não ver qualquer conflito de interesses entre representar o povo e trabalhar para o patronato do trabalho temporário..."

Do ponto de vista da estrutura democrática do Estado não é aceitável que um deputado que tem por objectivo a defesa dos interesses públicos, a partir de um programa político que foi sufragado, e sendo até deputado do partido que está no Governo, possa também representar as empresas privadas em negociações com organismos públicos como o IEFP ou a Secretaria de Estado das Comunidades.

Na altura, PS, PSD e CDS aprovaram no parlamento um relatório da autoria de João Serrano, também deputado do Partido Socialista, relatório que concluiu a não existência de incompatibilidade entre as funções de deputado e de Provedor. O Bloco e o PCP chumbaram o relatório reafirmando a incompatibilidade dos dois cargos de Vitalino.

A contradição do discurso

Embora, na realidade, Vitalino Canas seja sempre mais fiel ao seu cargo de Provedor nomeado pelos patrões das ETT’s, os seus discursos enquanto Provedor e deputado denunciam a ambiguidade da sobreposição das duas funções, nomeadamente as suas palavras em prol do fim dos recibos verdes e contra os despedimentos por justa causa. À partida, ninguém poderá criticar fortemente a precariedade e defender com unhas e dentes o desenvolvimento do sector do Trabalho Temporário. 

Eis como Vitalino Canas critica os recibos verdes , com uma eloquência que devia fazer corar governo e bancada socialistas, diga-se: "Os recibos verdes são terra sem lei, terra onde não há limites (ou há poucos) para a vontade do todo-poderoso empregador, terra da dependência do trabalhador em relação à arbitrariedade do patrão. Aqueles que por vezes parecem querer importar para Portugal modelos mais liberais, menos protectores, como o americano (ou já agora, para se ver que isto supera as energias, o chinês) já têm um bom exemplo do que seria a sua aplicação em Portugal: basta olharem para as centenas de milhares (estima-se) de trabalhadores por conta de outrem, em regime de subordinação, que estão contratados ao abrigo dos recibos verdes. Aí está um bom exemplo."

Estas palavras foram proferidas numa conferência no ISCAD e contrastam, por exemplo, com a votação no parlamento, de Vitalino-deputado, contra os projectos de resolução do Bloco e do PCP que acompanhavam as exigências das mais de 12 mil pessoas que assinaram a petição “Recibos Verdes: antes da dívida temos direitos”.

É que quem falou daquele modo foi Vitalino-provedor que sabe bem que o discurso contra os recibos verdes é um modo de combater a concorrência que esta forma de trabalho precário protagoniza em relação ao trabalho temporário.

Já sobre os despedimentos sem justa causa Vitalino-deputado diz o seguinte: ‘’Há uma coisa de que não podemos abrir mão, em meu entender: não podemos permitir, ou admitir, a possibilidade de despedimentos sem justa causa. É uma questão civilizacional: admitir despedimentos sem justa causa é admitir despedimentos arbitrários, só porque o empregador quer.’’ Mas não é por esta experiência que passa qualquer trabalhador temporário? Isto é, poder ser despedido a qualquer hora porque se tem um contrato de trabalho a termo incerto ou porque o contrato mensal simplesmente poderá não ser renovado outra vez?

Quem se insurge tão fortemente contra o despedimento arbitrário não deveria defender a proliferação do trabalho a prazo e temporário que se estabelece na base da insegurança e da chantagem do desemprego. Mas artifícios para mascarar a demagogia não faltam e, portanto, quando é Vitalino-provedor a falar sobre despedimentos, o assunto passa ser o das virtudes da flexibilização do trabalho.

Quantas queixas recebe o Provedor?

O relatório sobre o Trabalho Temporário em 2010 já foi apresentado aos patrões da APESPE por Vitalino Canas mas no site do Provedor apenas consta essa referência e o referido relatório ainda não está disponível. Relativamente ao ano de 2009 sabe-se que os pedidos de ajuda e contacto com o Provedor do Trabalho Temporário triplicaram quando comparados com 2008. Os dados surgem no relatório divulgado em Abril de 2010 e, segundo declarações de Vitalino Canas na altura, justificam-se por um lado com um crescimento da notoriedade da figura do Provedor mas também com o facto deste ser um sector bastante afectado pela crise.

As questões relacionadas com a cessação de contratos por iniciativa do empregador e os direitos a pagamento de férias e subsídios estiveram na base da maioria destes contactos. Segundo o relatório do Provedor, registaram-se, em 2009, 152 pedidos de ajuda (entre Julho de 2007 e finais de 2008 foram apenas 49).

O baixo número de queixas pode também advir do facto do estatuto do Provedor obrigar a que as queixas contenham o nome e a morada do trabalhador queixoso, ou seja, o trabalhador é obrigado a abdicar da confidencialidade e a queixa é comunicada à ETT em questão… Uma vez que as ETT's podem despedir facilmente, uma queixa apresentada ao Provedor não terá o desfecho mais favorável para o trabalhador.

Não restam dúvidas que Vitalino Canas está ao serviço de quem lhe paga os honorários enquanto Provedor do Trabalho Temporário. Supostamente Vitalino deverá ser também o Provedor da Ética Empresarial. Bom, é sempre comovente ver um deputado socialista promover os valores éticos do patronato mais explorador em Portugal.
 

(...)

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