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Japão: mais de dez mil mortos e aumenta gravidade do desastre nuclear

Das poucas vítimas a que se referiam as primeiras notícias sobre o terramoto, o cenário que temos hoje é de que, possivelmente, o terramoto causou uma tragédia de grandes proporções. Em todo o mundo a imprensa afirma que este é o pior acidente nuclear desde Chernobyl.
Em Miyagi registam-se pelo menos 10 mil mortos e há cerca de 400 mil pessoas protegidas em abrigos. Foto LUSA/EPA/STR JAPAN OUT

A agência governamental de meteorologia divulgou, domingo, que foi 9 a magnitude do terramoto que arrasou parte do nordeste do Japão. Anteriormente, a mesma agência afirmava ser de magnitude 8.8. Essa nova avaliação torna o terramoto de sexta-feira equivalente ao que atingiu Sumatra anos atrás, cuja magnitude foi de 9.1.

As mortes provocadas pelo terramoto são superiores a dez mil, segundo declarações do chefe de polícia de Miyagi, uma das três províncias fortemente atingidas pelo furioso tsunami. Mas alguns detalhes demonstram que o verdadeiro número da tragédia vai levar meses, ou mesmo, nunca será conhecido, devido às particularidades do sistema de registo japonês. Algumas famílias devem ter sofrido a morte de todos os seus membros. Se os corpos não forem encontrados, nunca se saberá o número real, já que ninguém poderá registar as mortes nas respectivas prefeituras, onde todos são cadastrados. Como o tsunami pode ter levado esses corpos existe a possibilidade de que nunca sejam encontrados.

Desde ontem se veicula que, no povoado de Minami Sanriku, na província de Miyagi, não se consegue contactar cerca de 10 mil moradores, cujo paradeiro se desconhece. O povoado de Minami Sanriku esta localizado na Baía de Shitsukawa e, dado as características da baía, pode ser o local onde a tragédia foi maior.

Em entrevista à Rede NHK de televisão, o professor Furumura, pesquisador da Universidade de Tokyo, esclareceu que o poderoso tsunami provocado pelo terramoto, em alguns casos, atingiu a costa em apenas dez minutos. E, em trinta minutos, tsunami da altura de três metros atingiram as costas das províncias de Miyagi e Iwate. Furumura esclareceu também que os tsunami podem ter superado os 10 metros. E, não apenas isso, em alguns locais, essas paredes de dez metros de água se chocaram com obstáculos, como rochedos ou montanhas, forçando a volumosa água do tsunami a se levantar para o alto, provocando paredões de água, em turbulência, superior aos dez metros, o que pode ter causado uma avassaladora destruição. Até ao momento, não apareceu nenhuma imagem desse fenómeno, mas, mesmo que exista, e mesmo que alguém tenha tido tempo para se dedicar a isso nessas circunstâncias, não se pode esperar que quem o tenha filmado ainda sobreviva. Das poucas vítimas a que se referiam as primeiras notícias sobre o terramoto, o cenário que temos hoje é de que, possivelmente, o terramoto causou uma tragédia de grandes proporções. O número global, que só iremos conhecer durante as próximas semanas será sempre um número aproximado.

Um pouco depois das 11h da manhã, do domingo, uma patrulha marítima avistou na costa do povoado de Futaba, na provincial de Fukushima, um homem gesticulando sobre um tecto arrastado pela correnteza, tratava-se de Shinkawa, morador da cidade de Minami Soma, afectada pelo tsunami. Foram quase dois dias sem água, comida e sob uma temperatura que é abaixo de dez graus durante o dia. Após receber tratamento médico no hospital local foi constatado que Shinkawa se encontrava bem. As operações de resgate continuam em toda a região atingida pelo tsunami, com dificuldade, devido ao difícil acesso. O número de desabrigados na manhã de domingo era de cerca de 400 mil pessoas. Em apenas um dia, verificou-se que terramotos de magnitude superior a 5 ocorreram cerca de 150 vezes. E se alerta para a ocorrência de um novo terramoto, de magnitude superior a 7 possa acontecer, com 70% de hipóteses, nos três dias entre o grande terramoto, ou seja, até à próxima segunda-feira.

Os terramotos diminuíram em intensidade, mas continuam frequentes. Desde o terramoto de sexta-feira, cujo epicentro foi na província de Miyagi, diversos terramotos ocorreram com epicentro em outras províncias como a vizinha Fukushima; Ibaraki, que fica próxima a Tokyo; Nagano, nos Alpes japoneses; e Niigata, no Mar do Japão, na costa oeste. Não resta dúvida que essa situação acarreta stress e ansiedade para milhões de pessoas.

Desastre nuclear agrava-se

Ao pegar o jornal na minha porta, assim que despertei, fiquei chocado com as letras garrafais da manchete que o Daily Yomiuri, a edição em inglês do principal jornal japonês, divulgou o desastre nuclear. O Yomiuri é um jornal extremamente conservador e, dificilmente, pode ser acusado de sensacionalismo. Ontem, li algumas notícias desencontradas sobre o desastre nuclear e não me aventurei a dar explicações numa área que não conheço, física nuclear, e divulgar parvoíces a respeito.

Em relação à explosão de ontem, no reactor número 1, segundo o Yomiuri, uma explosão ocorreu às 15h36. Dez minutos depois, uma cortina de fumaça branca se ergueu sobre as instalações. Quatro trabalhadores foram feridos e as causas da explosão permanecem desconhecidas. A imprensa parece não ter divulgado, mas segundo o comunicado do governo japonês para a IAEA (Agencia Internacional de Energia Atómica), um dos feridos sofreu forte radiação.

Ontem, o sistema de refrigeração do reactor 1 e 2 entraram em colapso. No reactor 1, desde sexta-feira, o nível de refrigeração havia caído após o terramoto.

Interrupção! O alarme do meu telemóvel disparou. O prédio começou a chocalhar outra vez. Parei de escrever para ler a mensagem no telemóvel. Um forte terramoto ocorreu na província de Ibaraki, neste momento, e a mensagem alerta para o perigo de forte tremor. Não sei quantas vezes esse alarme soou desde sexta-feira.

Voltando à questão do reactor número 1, foi encontrado cesium, que é uma substância radioactiva, o que sugere (prova) que houve fusão nuclear. A medida que está a ser usada para evitar uma tragédia maior e bombear água no reactor e também acido bórico. Isso inviabilizará a sua utilização futura. O governo declarou hoje que uma peca do núcleo do reactor havia derretido e o mesmo pode ter ocorrido no reactor 3. Os especialistas suspeitam que devido às altas temperaturas, combustíveis nucleares começaram a fundir-se. Em relação ao reactor não há novas notícias e, agora, a atenção concentra-se no reactor 2 e 3! 

O primeiro-ministro, Naoto Kan, após o terramoto, declarou que a situação estava sob controlo. A sucessão de factos aponta para uma direcção diametralmente oposta. Enquanto o governo japonês continua minimizando o problema, em todo o mundo a imprensa afirma que este é o pior acidente nuclear desde Chernobyl. 

Havia escrito as linhas anteriores e fui verificar as novas notícias. Minutos antes, foi divulgada a notícia na qual a Tokyo Electricidade havia comunicado ao governo que os níveis de radiação na planta do reactor 1 superaram o limite estabelecido pelas leis japonesas. Essa situação, de acordo com a lei que regulamenta as actividades nucleares, força o governo a tomar medidas especiais.

Mas é evidente que o governo está a ser incapaz de tomar qualquer medida, e, como nós, também observa o desenrolar dos acontecimentos. Se você não acredita nas palavras do governo e da operadora da planta, ainda existe a possibilidade de que, no pior dos casos, ocorra uma explosão nuclear.

Também no reactor 2 os trabalhadores estão bombeando água! O governo ordenou a evacuação num perímetro de 10Km do reactor 2. Preocupante? Para o primeiro-ministro, Naoto Kan, que vive em Tokyo, talvez não, mas para a população local não se trata do melhor final de semana. O que você acharia se o governo de seu país autorizasse a construção de uma usina nuclear às suas portas e, anos depois, você é comunicado que pode escapar radioactividade, que você tem que abandonar a sua casa, um local, onde, provavelmente, moraram os seus pais e avós, para evitar o risco de contaminação nuclear? Alguém ainda se lembra de Hiroshima e Nagasaki?

Após o colapso do sistema de refrigeração dos reactores 1 e 2, agora chegou a vez do reactor 3. A Tokyo Electricidade, de acordo com a lei, comunicou ao governo que terá de soltar o vapor do reactor 3 e bombear agua! Bem, a sucessão de factos é mais do que clara. O acidente, que estava sob controlo, segundo a operadora e o governo, já tomou essas proporções.

Durante a evacuação de moradores, ontem, foi constatado que dezanove deles sofreram contaminação da poluição derivada da explosão no reactor 1. Essas vítimas foram levadas para observação e, segundo os especialistas, aparentemente não se trata de nada sério ou prejudicial à saúde. Mas e se isso não for verdade? E se depois de algum tempo aparecer alguma sequela? Qualquer pessoa que estivesse na pele dessas dezanove pessoas, nalgum momento, provavelmente, faria as mesmas perguntas, o que leva, no mínimo, a sequelas psicológicas. 

O desastre nuclear japonês foi definido como sendo de nível 4 numa escala de 7 níveis. O nível quatro significa um “Acidente com consequências locais”, Chernobyl, por exemplo, foi de nível 7.

Até ao momento, o número oficial de evacuados nas proximidades do reactor 1 e 2 e de 210 mil pessoas. Mas esse número pode ser maior se moradores, num perímetro maior que os 10 e 20Km definidos pelo governo, acharem que não estão em segurança e procurarem proteger-se. A calamidade prossegue sem que essas pessoas saibam, concretamente, quando poderão voltar para casa. 

É pouco? As notícias de hoje informam que a população japonesa deve economizar energia e que o corte nos suprimentos pode atingir todo o país, não apenas as áreas mais afectadas. Segundo a Tokyo Electricidade, duas das suas usinas termoeléctricas, na área de Kanto, onde fica Tokyo, estão com produção interrompida por causa do terramoto. No fim-de-semana as fábricas não funcionam e o consumo é menor, mas a partir de segunda-feira, faltará energia nas horas de pico, após as 5h, quando escurece. Há um certo pânico na população que tem corrido aos postos de gasolina para abastecer os seus veículos. Uma boa parte dos postos já estão sem gasolina, mesmo tendo racionado a venda. Uma parte da gasolina existente terá que ser dirigida à área do desastre, mas, além disto, o irregular funcionamento de várias linhas da malha ferroviária faz a população pensar que será necessário utilizar o seu veículo próprio para trabalhar. As linhas do shinkansen, o comboio-bala, para o nordeste estão todas paralisadas, sem previsão sobre retorno ao funcionamento.

Uma outra consequência que se fará sentir é na mesa da população, já que os peixes fazem parte da alimentação quotidiana dos japoneses. A área afectada era um dos grandes fornecedores para as grandes cidades, como Tokyo e Yokohama. Isto constituir-se-á num agravante do orçamento familiar, já que os alimentos têm sofrido aumentos no mundo inteiro. Na tragédia, os únicos beneficiados foram os peixes, lulas e mariscos, que poderão escapar de virarem sashimi ou assado. Também os amantes da cozinha chinesa terão que diminuir a voracidade em se deleitar com as barbatanas dos tubarões do Mar de Sanriku.

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