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Números que causam indisposição

Sócrates já disse não perceber “como é que algum líder fica mal disposto quando os números são bons”. Mas serão de facto bons?

Foram ontem divulgados os dados da execução orçamental do Estado, que apontam para uma redução do défice de 58% face ao mesmo período do ano passado. José Sócrates, em declarações posteriores, já disse não perceber “como é que algum líder fica mal disposto quando os números são bons”. Mas serão de facto bons?

Uma leitura mais atenta do Relatório de Execução Orçamental mostra-nos a decomposição desta tão acentuada redução do défice: a receita aumentou 4,6% e a despesa apenas 1,6%. Os aumentos da receita devem-se, sobretudo, ao aumento dos impostos indirectos, em especial do IVA, e à integração do fundo de pensões da PT. Do lado da despesa é preciso dizer em primeiro lugar que para estes 1,6% não entram os submarinos (1001 milhões de euros), e que o restante se deve ao efeito dos cortes salariais (uma redução de 2,6%) e ao crescimento cada vez menor dos gastos com prestações sociais.

Sabemos agora a origem dos números. Mais impostos indirectos que, por incidirem sobre o consumo, afectam mais os mais pobres, menos salários e redução das prestações sociais, que parece ser motivo de orgulho para o Ministério: “De salientar (…) a desaceleração da despesa com prestações sociais observada desde Maio”.

Mas que esta absurda obsessão pelo défice não nos desvie a atenção de outros números que foram sendo divulgados ao longo dos últimos dias. O Banco de Portugal, no Boletim Estatístico de Fevereiro, apontava para uma taxa de desemprego na ordem dos 11,1%, mas sabemos que os números reais são superiores - calcula-se sejam 770 mil pessoas sem trabalho (13,8%). Destas, 470 mil não têm acesso a subsídio de desemprego e 416 mil integram agregados familiares onde todos os membros estão na mesma situação.

Se olharmos para os últimos números relativos ao abono de família, a situação não é mais animadora. Aos 385 mil que perderam o abono em Novembro, juntam-se agora mais 75 mil que desistiram de entregar a prova de rendimentos. São meio milhão de pessoas se abono de família para poupar 250 milhões de euros, ou seja, uma média de 40 euros por mês por pessoa.

É óbvio que o ajustamento orçamental se está a fazer totalmente à custa de um perigoso processo de deflação salarial, não apenas directamente, com a redução dos salários, mas também indirectamente, através do aumento dos impostos e da redução de prestações e serviços públicos. Vale a pena relembrar que o “contributo excepcional” a ser pago pela banca, aprovado em Orçamento do Estado, está ainda por regulamentar e implementar, sem que alguém saiba quem, quanto e como.

Em contrapartida, e porque ao reduzir o rendimento real das pessoas e os seus próprios gastos, o Estado está a ajudar à espiral negativa da economia, o Banco de Portugal já veio anunciar que podemos esperar futuras contracções no PIB. Além de agravar a situação social, a austeridade prejudica a economia e as suas hipóteses futuras de recuperação.

Os processos de ajustamento austeritários impostos nos países periféricos não estão a resolver os problemas da economia ou do endividamento. Pelo contrário, servem apenas para garantir o pagamento dos juros da dívida, que no caso português continuam a bater recordes, alheios aos números do défice que põem Sócrates de tão bom humor.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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