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A Punição dos Vencidos

Uma vitória eleitoral pode ser vivida com grandeza ou sem ela.

A sensação de quem ouviu Cavaco Silva, na noite das eleições, após o momento em que já se podia considerar eleito, é de um arrepio na espinha. Como era visível, e a muitos não passou, de forma alguma, despercebido, perante nós estava alguém interiormente ferido, marcado, cheio de ressentimentos, e não um Presidente da República eleito.

Uma vitória eleitoral pode ser vivida com grandeza ou sem ela. Vive-se com grandeza quando, uma vez conseguida, a animosidade se extingue, e o vencedor aceita que os adversários disseram o que disseram porque assim lhes pareceu certo, que perguntaram o que perguntaram, porque na sua perspectiva, na forma como vêem os problemas, essas perguntas eram importantes. Note-se que ninguém exigiu a Cavaco Silva, ou fosse a quem fosse, que, no momento da luta eleitoral, quando a discussão estava acesa, escolhesse sempre as melhores respostas. E já aí Cavaco Silva não escolheu as melhores, mas então ainda se podia aceitar. Era uma luta, não seremos nós quem, por causa disso, lhe vai atirar a primeira pedra. Agora, no momento da vitória, quando já não se tratava do político no combate pelo Poder, mas sim do Presidente eleito, é diferente. Poderia ter-se comportado com grandeza, era o vencedor.

Mas Cavaco Silva não quis. Preferiu atacar os vencidos, os “políticos e seus agentes”, que tinham usado da “mentira”, das “calúnias”, da “infâmia”, da “vil baixeza”, os derrotados na luta em que a “honra venceu a infâmia”, os que tinham tido que se curvar à “vitória da dignidade.” Frisou bem que há vencedores e vencidos, numa atitude que lembra o dito do gaulês Brennus, “vae victis”, ai dos vencidos, enfim, julgou-se o senhor da espada da justiça, entregue ensanguentada na suas mãos pelo exército fiel dos seus eleitores. Podendo ter querido ser grande, recusou-o; podendo ter querido ser o Presidente eleito, escolheu antes lavar em público a honra que considerava ofendida, afogando a ofensa na punição dos vencidos. É triste e é ao mesmo tempo assustador, porque nesse momento já não foi o candidato Cavaco Silva, foi o Poder quem falou.

É precisamente quando vemos pessoas com estas atitudes ocuparem o Poder que nos sentimos agradecidos à Revolução que entre nós ocorreu há quase 37 anos. Porque essa Revolução é a maior garantia, senão mesmo a única, de que todos os “políticos e seus agentes”, “vis”, “baixos”, “infames”, “caluniadores”, “mentirosos“, “indignos” e “desonrados”, que são, enfim, segundo sabemos agora, aqueles que ousam duvidar das intenções dos homens no Poder, não vão acordar amanhã com a PIDE a bater-lhes à porta. Como a tantos outros, “políticos e seus agentes”, que nesse tempo também eram “vis”, “baixos”, “infames”, “caluniadores”, “mentirosos“, “indignos” e “desonrados” aconteceu.

Cavaco Silva será esquecido, da mesma forma que tantos outros, que não fazem parte do grupo daqueles “que por obras valorosas se vão da lei da Morte libertando,” como Camões definia. Mas o 25 de Abril não será esquecido. Esse é o nosso verdadeiro património, e não as figuras fugazes, que se vão sentando nas cadeiras do Poder.

João Alexandrino Fernandes

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário em Tübingen, Alemanha
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