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O afundamento de Chimérica

Agora com a crise global instalada, Chimérica está condenada à desintegração. A população dos Estados Unidos foi atingida e não poderá continuar a ser o consumidor insaciável de que a China precisa.
Obama e Hu Jintao, Cimeira do G20, Seul 2010

Nos últimos 20 anos a economia mundial foi dominada por uma relação simbiótica entre a China e os Estados Unidos. Este consórcio baseou-se em vínculos comerciais e financeiros sui generis, por trás dos quais se escondem profundas mudanças estruturais em ambas as economias. A associação foi baptizada Chimérica, uma mistura não muito feliz de China e América (porque os norte-americanos insistem em se chamarem a si próprios como o continente).

O complexo Chiméricaassemelhava-se um casamento fracassado. O desenlace poderá, no entanto, ser um divórcio conflituoso em que “todo o bairro” vai ter de pagar os pratos quebrados.

Nesta aliança, algo involuntária, a China era a parte que poupava e produzia enquanto os Estados Unidos eram o consumidor, o gastador inveterado. A China manteve um superavitem conta-corrente durante 20 anos e chegou a acumular reservas internacionais de 2.3 biliões (milhões de milhões) de dólares. Uma boa parte destas reservas são títulos do tesouro norte-americano. Neste processo, os dólares obtidos pela China no mercado mundial eram reciclados e enviados para os Estados Unidos como empréstimo.

Depois dos atentados do 11 de Setembro e do estouro da bolha de 2001, a China mostrou-se preocupada com a queda de valor do dólar. Agora em plena desvalorização da divisa dos Estados Unidos e com as perdas significativas dos investimento chineses no sector imobiliário norte-americano, Pequim, não revela apenas inquietação, mostra também irritação.

A retórica de Geithner sobre a manipulação chinesa da paridade para obter vantagens comerciais não ajudou a acalmar os ânimos. Pequim contra-atacou acusando os Estados Unidos de serem uns “mão-rotas” irresponsáveis (algo parecido com o que faz a Alemanha quando acusa os seus parceiros comerciais da bacia do Mediterrâneo).

Nos Estados Unidos o estímulo fiscal, com a cláusula de compra nacional, veio acompanhado dos primeiros surtos proteccionistas. Em meados de 2009, a China aprovou a sua versão da mesma cláusula enquanto os Estados Unidos criaram uma tarifa de 35% a aplicar às importações de rodas provenientes daquele país. Tudo parecia indicar que se ia desencadear uma guerra proteccionista. No entanto, esse perigo foi refreado em Washington pelo lóbi que integra mais de 700 empresas norte-americanas que migraram para a China à procura de custos laborais mais baixos.

Do lado monetário, as autoridades do banco central chinês declararam que era necessário substituir o dólar por uma verdadeira moeda internacional. Pequim começou a modificar a composição das suas reservas, a acumular ouro e a tecer alianças com outros países exportadores para impulsionar reformas no sistema monetário internacional. Hoje, os seus acordos de swaps de divisas com muitos países permitem-lhe evitar usar o dólar dos Estado Unidos, nas suas transacções.

Chimérica nasceu com as contradições que enfrentou a economia norte-americana a partir dos anos 70. Um mau desempenho da taxa de rentabilidade conduziu à estagnação dos salários, à queda da taxa de poupança e a um forte endividamento das famílias para manterem o seu nível de consumo. A Reserva Federal manteve uma politica de baixas taxas de juro de longo prazo, facilitando o consumo à população. Mas nenhuma das agências reguladoras pôde avaliar os riscos das diversas bolhas nos preços dos activos que a forte alavancagem do sector privado trazia associados.

O casamento de conveniência Washington-Pequim assentou na procura de locais de mão-de-obra barata por parte das empresas dos Estados Unidos, e no desejo de resolver um colossal desemprego, por parte da China. Para Pequim, a abertura ao investimento directo estrangeiro era a chave para obter em pouco tempo uma plataforma exportadora que lhe ia permitir elevar o nível de rendimento da sua população. Esta coincidência de necessidades recíprocas foi o que tornou possível urdir as relações económicas que acabaram por integrar a Chimérica.

Agora com a crise global instalada, Chimérica está condenada à desintegração. A população dos Estados Unidos foi atingida e não poderá continuar a ser o consumidor insaciável de que a China precisa. As políticas de austeridade que Washington vai aplicar, de agora em diante apenas aprofundarão a crise, impedindo qualquer tentativa de recuperação.

Por outro lado, Pequim deveria aceitar que a valorização da sua moeda é uma necessidade à escala mundial. Em vez disso, a China parece inclinar-se para a compra de activos reais nos sectores das minas e jazidas de petróleo em diferentes regiões do globo. As suas incursões na bacia do rio Congo revelam que a sua liderança quer assegurar-se de que o acesso aos recursos naturais não será um problema para as necessidades da economia chinesa. Mas nada disto permitirá resolver o problema estrutural de uma política mercantilista como a que a China tem estado a desenvolver.

A desintegração de Chimérica é inevitável. Mas não será um processo tranquilo. Talvez mesmo nem seja pacífico.

Publicado em 22 de Dezembro de 2010 no jornal mexicano La Jornada

Tradução de Natércia Coimbra para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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