Portugal Dakar Challenge: que solidariedade?

11 de December 2010 - 12:39

Bloco de Esquerda questiona apoio do governo português a corrida que atravessa território saharui e presta “solidariedade” ao reino de Marrocos, doando-lhe jipes.

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No próximo dia 26 de Dezembro começará o Portugal-Dakar Challenge, do qual faz parte a iniciativa “Corrida Solidária mais louca do Mundo”, que reverterá a favor da AMI, parceira institucional do evento, e do reino de Marrocos. Este evento conta com o apoio de várias empresas públicas e com capitais públicos, como a GALP, a RTP, a Antena 3 ou o Turismo do Algarve.

A corrida vai de Lisboa até Dakar, no Senegal, passando pelos territórios disputados entre Marrocos e a Republica Árabe Saharaui Democrática e, nomeadamente, pela cidade de Smara onde, no passado dia 29, se verificaram violentos confrontos entre estudantes saharauis e a polícia marroquina que se saldaram em 20 jovens feridos.

Estes confrontos foram apenas mais um episódio das tensões que, desde o início do mês de Novembro, se têm verificado nesta região entre a população saharaui e a polícia marroquina que tem respondido violentamente aos protestos e às reivindicações por melhores condições de vida nos campos de refugiados no deserto.

Ora o evento ignora por completo estes acontecimentos e dirige exclusivamente a sua solidariedade ao reino de Marrocos, que recebe os jipes usados na competição “através de entidades previamente identificadas e com o apoio e monitorização da Comissão Organizadora, contando com o apoio de entidades locais”. A Comissão Organizadora do Dakar Challenge afirma mesmo “que a iniciativa tem os seus propósitos humanitários bem definidos e procura não se envolver em questões de ordem política ou tomar qualquer partido sobre temas e matérias que não conhece”.

Mas Portugal conhece bem os problemas do povo saharui: no passado dia 26 de Novembro, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto que exige o respeito pelos direitos humanos no território do Sahara Ocidental, o fornecimento de assistência humanitária às respectivas populações, a melhoria das condições de vida nos acampamentos; que lamenta a recusa de acesso de alguns órgãos de comunicação social à zona dos conflitos e que propõe uma investigação, sob a égide das Nações Unidas, dos acontecimentos relacionados com a destruição do acampamento saharaui e que claramente afirma que Portugal apoia a autodeterminação do povo saharaui, no quadro de uma solução negociada nas Nações Unidas.

São estes os motivos que levaram o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda a indignar-se pelo facto de o governo português, através de empresas públicas ou de sociedades de capitais públicos ou com participação pública, apoiar este evento.

Em pergunta dirigida ao governo, os deputados José Manuel Pureza, Catarina Martins e José Soeiro observam que a questão do povo saharui tem semelhanças evidentes com a questão de Timor-Leste e “queremos acreditar que o Governo português ou a RTP não teriam apoiado uma corrida Portugal - Díli em tempos da ocupação indonésia.”

Querem por isso saber que indicações entende o governo dar a este respeito às empresas públicas ou em cujo capital o Estado tem participação, para que ajam em conformidade com as obrigações internacionais de Portugal relativamente ao povo do Sahara Ocidental e ao processo de negociação em curso sob a égide das Nações Unidas.