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ESQUERDA.NET | Entrevista | Sunita Narain

Sunita Narain: "A cimeira de Cancun é um desastre"

Sunita Narain, Activista na área das alterações climáticas e recursos naturais e directora do "Centre for Science and Environment", falou ao Esquerda.net durante a sua participação na conferência "A água e o futuro da Humanidade" realizada na Fundação Calouste Gulbenkian.

Vivemos com um modelo de crescimento com consequências sérias ao nível social e ambiental. Quais serão as mais preocupantes?

Temos de perceber que esta crise financeira veio mostrar-nos de forma mais evidente do que até aqui que este modelo de crescimento está a custar-nos a Terra e está sobretudo a custar-nos o nosso meio ambiente.

Visto da Índia, fica muito claro que o modelo ocidental de crescimento que foi seguido é um modelo de capital intensivo, que custa muito dinheiro e consome muitos recursos, e produz muito desperdício. Mas existe a capacidade de pelo menos mitigar - não direi resolver - mas pelo menos reduzir os efeitos nefastos do vosso crescimento.

Por isso podem continuar a investir na construção de novas estações de tratamento de esgotos, novas formas de controlo da poluição que permitam enfrentar os danos para a saúde.

O nosso problema é que querendo seguir esse caminho, não temos dinheiro suficiente para investir na limpeza do lixo. Por isso temos de reinventar o crescimento. Temos de encontrar um novo modelo que nos permita crescer - porque nós precisamos mesmo de crescimento já que somos um povo pobre. Mas um crescimento sem poluição, um crescimento sem a destruição da Terra que leva a grandes catástrofes como as alterações climáticas. E então sim, encontrar algum bem-estar.

Feito o balanço deste modelo de crescimento, porque acha que ele se mantém vigente?

Acho que é muito evidente: o dinheiro, o poder, os ricos que querem continuar a ser ricos, todos acreditam que este é o único modelo que funciona. Em muitos aspectos não os condeno, porque a queda do império soviético significou que sobrou apenas um modelo económico de crescimento no mundo. Creio seriamente que quando a crise financeira aconteceu, houve pela primeira vez um reconhecimento de que este modelo não funciona.  

Mais importante, sabemos que as alterações climáticas existem, que são urgentes e uma consequência directa do actual modelo de crescimento.

Mas mesmo assim não há suficiente vontade nesses países para adoptarem respostas novas. Acho que em parte isso acontece porque os mais pobres, as vítimas das alterações climáticas, os povos mais vulneráveis à forma como o modelo funciona, não têm voz.

Se tivessem voz, exigiriam algo melhor, exigiriam aos governos não a escolha entre o socialismo e o capitalismo, mas encontrar uma forma caminho para todos. Isto pode ser feito. Podemos reinventar o modelo de crescimento, podemos reinventar o crescimento económico, mas isso requer muita coragem e inovação. E acredito que o poder só chegará quando dermos voz a quem não tem voz.

Qual a sua opinião sobre o que se está agora a passar na cimeira de Cancun?

É um desastre! Estive no ano passado em Copenhaga e devo dizer que fiquei muito desiludida ao ver os governos de todo o mundo a juntarem-se para negociar e assinar um acordo que acabou por ser um não-acordo. Temos de ser muito claros: o Acordo de Copenhaga é iníquo e ineficaz. Ele ilibou o maior poluidor em toda a História do mundo, os Estados Unidos. Não é um acordo que algum de nós possa acreditar que vá resolver o problema das alterações climáticas.

No entanto, as informações ontem divulgadas pela Wikileaks mostram claramente que os Estados Unidos subornaram países como as Maldivas para entrarem no Acordo e assim quebrarem a unidade dos países em desenvolvimento. Mas também coagiram países como a Etiópia, por exemplo, para assinarem, caso contrário nunca mais seriam nada.  

Aqui temos o maior intimidador do mundo: um país que é completamente imoral na forma como sobreutiliza uma fatia dos recursos mundiais, além de ser o maior contribuinte para as alterações climáticas. E temos uma sociedade civil que está disposta a ouvir e a dizer aos Estados Unidos que pela mera possibilidade de convencer, está disposta a rastejar, a dobrar-se e a fazer tudo.

Acho que é isso que se está a passar agora em Cancun. Espero que a má estratégia norte-americana para enfrentar as alterações climáticas, de que os negócios do costume são para continuar, e que a poluição é para continuar, não tenha êxito. E espero que os governos, a começar pelo meu, que é hoje um dos líderes desta coligação de vontades que os Estados Unidos estão a preparar, percebam que somos vítimas das alterações climáticas.

Que precisamos de acções eficazes, de acções fortes  por parte de todos os países em especial os países ocidentais, para reduzir as emissões de carbono. E queremos que países como a India e a China evitem o crescimento dessas emissões. Isto só pode acontecer num quadro que nos permita dar um salto em frente. Que nos transporte em direcção à era solar, sem passar pelo caminho dos combustíveis fósseis.

Isto é possível. Mas como disse, será necessário uma enorme coragem para fazer frente ao maior provocador do mundo no que respeita às alterações climáticas: os Estados Unidos.