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A excepção e a regra

Cavaco não está preocupado com a excepção dos dividendos. O que o preocupa é que possa passar pela cabeça de alguém que a resposta à crise possa passar por outras soluções.

Na última Segunda-Feira, o Fórum TSF teve um tema muito interessante: os sacrifícios são para todos? O debate foi animado a partir de duas situações: a recusa da Assembleia Regional dos Açores em aplicar os cortes salariais e a não-tributação dos dividendos de grandes empresas. Sobre estas situações se têm construído várias narrativas e desenhado gritantes contradições.

Em primeiro lugar, é grotesco comparar a situação de accionistas que antecipam dividendos milionários para se furtarem a uma das suas parcas obrigações fiscais com a situação de funcionários públicos que já eram mal pagos e passariam a ser ainda mais mal pagos. A comparação visa virar a indignação contra a injustiça dos cortes e da austeridade assimétrica contra todos aqueles que, sendo atacados por essa mesma política, consigam defender-se e infligir-lhe alguma derrota, ainda que parcial. Visa, portanto, pôr as vítimas da austeridade a vigiar-se mutuamente e a participar na sua própria repressão colectiva. O mecanismo é bem conhecido. Mas a comparação é absurda por uma outra razão, uma razão lógica.

No caso dos dividendos, a sua isenção é a excepção à regra constitucionalmente consagrada da tributação dos rendimentos do capital. Mas já no que diz respeito aos salários da função pública, o Estado de excepção são os cortes. E a regra (também constitucionalmente consagrada, de várias formas) é o respeito pelos direitos desses trabalhadores e pelas relações contratuais existentes.

E o Ministro das Finanças já foi claro como água, quando disse com as letrinhas todas, em resposta ao Bloco, que esses cortes são “para sempre”. Ou seja, como de costume, a excepção tornar-se-á regra. Claro que este Estado de Excepção não conta para submarinos ou parcerias, em que qualquer ideia de revisão é massacrada com discursos pomposos sobre o Estado de Direito, mesmo quando as partes privadas estão em incumprimento.

É por isso que os termos do debate que o Presidente da República quer impor, mais uma vez em socorro do Governo e do Bloco Central, é uma ratoeira. Note-se que Cavaco não está preocupado com a excepção dos dividendos. O que o preocupa é que possa passar pela cabeça de alguém que a resposta à crise possa passar por outras soluções. Isso é que não pode ser e é aí que o debate da TSF tem um potencial interessante.

O que o debate do Fórum TSF sugere a quem quiser pensar no que devem ser as regras de funcionamento da economia numa sociedade democrática, é que se não tivéssemos a excepção à tributação dos dividendos, a excepção dos cortes salariais não seria necessária. Que este Governo viola a lei perante os trabalhadores para não ter de a fazer cumprir aos grandes accionistas das maiores e mais lucrativas empresas deste país. E isto são escolhas.

Não temos de e não podemos ficar encurralados no debate sobre excepções de justiça a um Estado de excepção injusto. O que interessa é discutir e fazer cumprir as regras de uma economia solidária e responsável e eliminar as muitas excepções que efectivamente existem. O escândalo da PT está aí para nos lembrar que uma política de igualdade pode evitar o actual Estado de excepção, decretado sobre alguns dos direitos mais elementares de quem trabalha ou trabalhou. Por isso, a quem nos diz que não pode haver cortes salariais no continente e estabilidade nos Açores, devemos responder: É verdade. Não pode haver cortes salariais em Portugal.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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