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Impedir o triunfo dos porcos

É gente desta que Lisboa vai receber neste próximo fim de semana. Gente desqualificada perante qualquer auditório decente, gente que indignifica o nosso país e que devia suscitar o repúdio de um povo que fez, viveu e tem saudades do 25 de Abril.
Bandeiras da UE e da Nato. Foto de Pawel Kabanski

Quando Aminetu Haidar, no recente encontro com amigos do povo sahauri, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, descreveu o massacre e destruição do acampamento nos arredores de El Aiun pelas tropas marroquinas, concluiu com ar triste, mas marcado pela determinação que fez dela um símbolo da longa luta dos sahauris pela autodeterminação e independência: “acho que já não tenho coragem para continuar”; a luta? Não! Os apelos à resistência pacífica!

E lamentou o total alheamento da União Europeia.

De facto, a UE não tem tempo nem disponibilidade. Na sua versão NATO (Tratado de Lisboa), está a participar na ocupação e no terrorismo “anti-terrorista” contra o povo afegão. E desde há muito que coopera ostensivamente com a política colonial de Israel e com o paulatino e lento genocídio dos palestinianos.

Entretanto, Aminatu Haidar não foi recebida pelo governo português, porque este anda a negociar com os torcionários de Marrocos.

A democracia do mercado livre é imposta pela NATO que está já a construir uma base militar em TanTan, a 300 quilómetros da fronteira de Marrocos com a República Árabe Sahauri.Democrática

Piores tempos se avizinham para o povo sahaurí. Ficará cercado pelas mafias poderosamente armadas que reforçam o assalto a uma África com fraca capacidade institucional, económica e social de resistência.

O controlo unilateral da multilateralidade

Aqui, ou por outro lado qualquer, entra a NATO.

A NATO é hoje o braço armado da democracia do mercado livre. Como todos sabemos o mercado livre desenvolve-se com os monopólios e oligopólios, com as transnacionais, nas bolsas, financiando os buracos especulativos e à bomba.

Com um poderio militar arrasador, contando, embora não formalmente, com uma presença em todo o mundo através das mais de setecentas bases dos EUA, a NATO reflecte a hegemonia norte-americana no mundo e age em função dos seus interesses estratégicos. Por mais que os governos integrantes se esforcem por dizer o contrário. A multi-polaridade que todos hoje descobrem é tão somente a possibilidade de ajudarem a financiar as aventuras do complexo industrial militar dos EUA, que integra toda a rede das grandes petrolíferas, entretecida cada vez mais com a especulação predadora da finança.

Os neocons (saídos da seita de Harvard, “Skulls and Bones”) infiltrados há décadas na administração, ganhando paulatinamente supremacia até a equipa criminosa e torcionária de Bush, Cheney, Rumsfeld, Rice e Wolfowitz se apossar do poder, levaram quase até ao extremo a democracia de guerra.

Mas, com as aldrabices criminosas evidentes e a derrota no Iraque, perderam fôlego e credibilidade. Obama herda pedras fundamentais dessa equipa, embora as menos comprometidas com o estado de excepção vigente. Bolton fora, Gates dentro, por exemplo. É tempo de asfaltar melhor o caminho.

Agora trata-se de alargar a capacidade de manobra com o “soft power” obâmico, “smiling bombs” “green capital” e “ecological CO2”, mais coisa menos coisa.

A hegemonia norte-americana não é posta em causa, a multilateralidade controlada unilateralmente pelo comando militar e político da NATO, simetricamente com a geometria variável dos G2, G8, G20. Os EUA estão em todas e os outros são convocados conforme a agenda definida.

E a decadência dos EUA? Isolados em Seul na reunião do G20 por exemplo. Mais uma razão para a geometria variável. Não nos esqueçamos que num G2 ad hoc, na cimeira do clima em Copenhaga, EUA e China impuseram o CO2 ecológico.

A decadência dos EUA, em minha opinião, está para dar e durar, ou seja, não passa da consolidação de forma mais evidente do estado de parasitagem que lhe permite ser o “motor da economia mundial” e o garante da sua segurança.

Assim como um destino manifesto

A NATO tem um nascimento épico e envolto numa aura de generosidade e estremecimento. Ela surge em 1949, quatro anos depois do fim da II Guerra Mundial que deixou a Europa arrasada, sem infra-estruturas, sem economia, sem indústria.

Os EUA foram a única potência que saiu reforçada dessa hecatombe. Com o território incólume, com uma economia de guerra florescente e dinamizadora do conjunto da economia, ocupando o Japão e, em parceria, a Alemanha, puderam juntar o útil ao agradável: propor aos países europeus destroçados uma ajuda estrutural e sustentada que transformasse e erguesse de novo a Europa e, ao mesmo tempo, uma aliança militar para defesa comum: o “comunismo”, depois de aliado na guerra, passava a ser visto, de facto ou como mito, um inimigo da democracia capitalista em pleno florescimento na Europa com o triunfo político da social-democracia. Essa foi aliás a forma mais avisada de travar a ascendente maré social saída da derrota do fascismo em toda a Europa e que ameaçava os governos burgueses.

O Plano Marshall, lançado em 1947, foi de facto a estratégia adequada contra o “comunismo” que não era uma ameaça vinda de fora mas de dentro, pela convicção das massas populares de que tinham oportunidade de tomar nas suas mãos o seu próprio governo. A NATO surge então em 1949, dois anos depois do Plano Marshall, auto-definindo-se como uma organização de defesa das democracias ocidentais – como o Portugal fascista de Salazar, membro fundador – no caso de um dos seus membros ser ameaçado.

O Plano Marshall e a NATO são a tenaz com que os EUA se apoderam económica e militarmente da Europa. Hoje, a NATO é, curiosamente, o mais forte aglutinador político da Europa. A dinâmica das armas e da guerra supera as hesitações políticas. O “destino manifesto” da doutrina Monroe do século XIX escapou-se até à Europa.

O bloco sob influência soviética, o chamado “bloco socialista”, sentiu-se pressionado e, passados seis anos, surgiu o Pacto de Varsóvia.

Depois a guerra fria, uma espécie de mercado comum polarizado entre a URSS e os EUA, uma com a ajuda socialista, os outros com a defesa dos direitos humanos (que só a corruptela de ambos poderia colocar em antagonismo), assegurou o “equilíbrio do terror” como agente estrutural da dupla supremacia e neutralisador, nem sempre eficaz, da luta dos povos e da revolução em tempos propícios mas que já lá vão.

A supremacia dos EUA permitiu-lhes irem instalando e controlando todos os nós da rede que serve de matriz à globalização actual. E a implosão da URSS deu-lhes uma liberdade sem limites que só agora está a ser refreada numa nova estratégia de domínio, aparentemente repartido mas realmente efectivo.

A estranha incapacidade de reacção e defesa do colosso

Curiosamente, a guerra fria, ainda recentemente, serviu para Rice e Rumsfeld explicarem numa entrevista à BBC e que passou na RTP2 em 11/9 deste ano, o facto de a maior potência do mundo e auto-proclamada tutora da segurança do dito não ter conseguido qualquer controlo sobre o seu espaço aéreo durante cerca de três horas, o que, se não fosse dito por eles, seria inacreditável (e, mesmo assim, o é!).

Passou-se que “quando os F16 levantaram para interceptar os aviões terroristas” – que haveriam de destruir as Twinn Towers por volta das 10 horas, furar o Pentágono uma hora depois e provocar o desabamento visivelmente controlado da Torre Sete, a 100 metros, às cinco horas da tarde (feito invulgar mas não tanto como o aparecimento do passaporte chamuscado do terrorista egípcio chefe da missão, no meio dos escombros reduzidos a pó, tanto que iam sufocando Nova York) – fizeram-no ainda em “obediência aos planos da guerra fria” que acabara há dez anos! Ou seja, lançaram-se impetuosamente para o Atlântico de onde viria a frota invasora, pachorrentamente, roncando a bom roncar como num filme de Ed Wood, mas realizado por Condoleeza Rice que julga que a Terra é um planisfério. A defesa dos EUA reage quase automática e instantaneamente para interceptar os mísseis que, naquela altura da guerra fria demoravam 20 minutos desde o lançamento na URSS e que vinham pelo pólo e não pelo Atlântico para não esbarrarem com os aviões da TAP a caminho de Boston.

Mas a entrevista é ainda reveladora da intimorata capacidade de decisão dos dois maiores responsáveis pela defesa dos EUA. Condoleeza metida na sua sala à prova de míssil estava muito sensibilizada com os mortos das Twinn Towers e do Pentágono e não tinha ideia do que se passava nem do que havia a fazer. Rumsfeld, numa atitude a todos os títulos heróica, decidira ir ajudar os bombeiros a transportar os feridos do Pentágono. E, de facto, o documentário lá mostra, à distância, uma maca e dois maqueiros: Rumsfeld na glória do seu humanismo aplicado.

Temos assim os EUA debaixo de ataque, Dick Cheney levado pelos seguranças para as catacumbas do Pentágono, Bush alapardado metido no Air Force One à deriva nos céus da pátria e perto de Deus, Rice a rezar pelos mortos e Rumsfeld de maqueiro. Por que razão estas inexplicáveis entrevistas não constituem corpo de delito para estes criminosos de guerra serem julgados, antes ainda, por cobardia e não cumprimento do dever na defesa da pátria? E que razão profunda estará por detrás desta absurda, caricata e ignominiosa confissão dos mais altos responsáveis do Estado norte-americano que só não é motivo de galhofa universal porque estão todos acobardados pela evidência: é que Obama estava ele próprio obrigado a levar perante a justiça Bush e os seus sequazes pelo maior – e mais que provado – crime que o presidente dos EUA pode cometer: mentir ao seu próprio povo para o levar para uma guerra, a do Iraque, em Março de 2003.

Diga-se de passagem que, a ser verdadeira a versão oficial da administração Bush, todos os generais com funções na defesa, todos os pilotos de todos os caças interceptores, todos os controladores aéreos que poucos segundos depois de notarem um desvio de rota dão o alerta, todos eles estavam de ressaca nessa trágica manhã de 11/9/01. E a defesa imediata electrónica do Pentágono – o local mais sofisticadamente defendido do Cosmos – estava avariada.

Um novo Pearl Harbour

Com o ataque terrorista estava criado o novo Pearl Harbour, como disse ufano Rumsfeld, e aberto a caminho para o mundo (Le Monde disse a 12 de Setembro de 2001: “somos todos americanos”) e a opinião pública ianque aderirem ao ataque contra o Afeganistão para apanharem o Bin Laden que ninguém tinha provado estar por detrás dos atentados, conforme refere Noam Chomsky em entrevista no princípio deste ano.*1

O plano de ataque ao Afeganistão estava traçado desde a primavera de 2001. Só faltava o novo Pearl Harbour ou uma espécie de incêndio do Reichstag, ou seja, o álibi, para criar as condições favoráveis interna e externamente. O ataque à revelia da débil ONU, que foi obrigada a ir atrás, e o comprometimento da NATO, o medo do povo norte-americanos levado quase até à paranóia – o terrorismo como inimigo, o que é um imbecilidade assumida e cínica, já que o terrorismo nunca será um objectivo mas uma táctica, como aliás sublinha Malalai Joya, a deputada afegã sob ameaça permanente de morte por parte dos senhores da guerra. Uma táctica usada, aliás, em primeiro lugar e confessadamente pelos próprios EUA e seus aliados da NATO.

O Afeganistão é, assim, desde 2001 o símbolo da NATO como instrumento de guerra, inepto mas mortal, contra os povos, impondo a vontade dos donos do mundo.

Estamos muito perto, tão perto quanto quisermos, de nos apercebermos da táctica de provocação, falsificação e intoxicação da opinião pública articulada entre os EUA, agora com Obama “soft power”, a NATO e seus governos e os media mainstream que fazem a propaganda da guerra e exercem o controlo “democrático” dos dissidentes. Não apenas quanto ao assalto ao Iraque, esse monstruoso crime de guerra, de que já ninguém, nem sequer mestre Pacheco Pereira, consegue ignorar a montagem primária, a trapaça ignóbil, mas apenas justificá-la e “desculpá-la” em nome defesa da civilização! Mas também quanto ao Afeganistão!

Mas porquê o Afeganistão?

Se perguntarmos aos russos eles sabem. Sabem a importância do controlo daquilo a que poderemos chamar a “rota da seda” dos tempos modernos, mas de oeste para leste: a passagem dos gasodutos e oleodutos da bacia do Cáspio para o Paquistão, a Índia e a China. O controlo do Afeganistão é assim absolutamente necessário para o domínio da eurásia, na opinião entendida do ex-conselheiro do ex-presidente Carter, Zbigniew Brzezinski, que assumidamente promoveu uma política de apoio, armamento, instrução e comando dos mujahideen contra a invasão soviética. A acção norte-americana teve, ainda, o objectivo explícito de promover o islamismo radical e anti-comunista.

Para a NATO a necessidade do controlo do Afeganistão é ainda mais evidente, agora que o eixo da economia mundial passou para o Pacífico entre os EUA e a China. O G2 funciona com aparente e necessária cordialidade, mas os EUA (NATO) não deixarão de tomar todas as posições geoestratégicas que lhes permitam condicionar e pressionar a grande potência emergente. Tanto mais que tem de se haver com um forte bloco constituído pela Shangai Cooperation Organization que integra a Federação Russa, a China e as quatro repúblicas da Ásia Central, Cazaquistão, Uzebequistão, Quirguízia e Tajiquistão, tendo como observadores o Paquistão, a Mongólia, a Índia e o Irão.

Parece que o embaixador russo junto da NATO acha que a NATO está a cometer os mesmos erros que eles cometeram no Afeganistão. Não diz quais são. Porque há um único erro a ter em conta: a invasão do Afeganistão. A NATO leva a cabo uma guerra colonial que não poderá ganhar. Perante a situação cada vez mais grave, Obama e os seus generais que saltam de guerra em guerra,em cada uma somando derrotas para irem finalmente resolver a guerra seguinte, procuram uma solução que não seja a dar “às de vila diogo”. Acumulam-se derrotas tácticas, a estratégia operacional anda à deriva sem clareza de objectivos a não ser a própria guerra. Ganhar “os corações e as mentes”, a famosa APSIC, não passa de um truque de propaganda em que significativamente todos alinham com objectivos diferentes: o ocupante para dizer ao mundo que está lá porque o povo o quer lá. O povo porque por detrás do sorriso humilde de agradecimento pelo penso rápido que vai atrás das bombas, sabe que a próxima bomba a rebentar será sua. O exemplo extremo desta realidade é a luta do povo de Timor e o seu epílogo: na véspera do referendo, todas as aldeias estavam engalanadas com a bandeira indonésia. No dia seguinte, 90% dos timorenses votaram pela independência.

O professor John Kozi, num interessante artigo, sublinha a dificuldade em alterar pela força as atitudes quando uma sociedade inculca crenças e valores durante um longo período de tempo. Dá como exemplo os próprios EUA e a divisão persistente desde a guerra civil. Os chamados estados vermelhos hoje, foram democratas porque os republicanos foram os responsáveis pela guerra. Mas chamavam-se a si próprios Dixiecrats, formam ainda a América Moral, a reaccionária. Quando os democratas levaram por diante a imposição dos direitos civis, os Dixiecrats voltaram ao seio do reaccionarismo republicano.

A guerra do Afeganistão não será vencida, por mais crimes que a NATO cometa nem por mais benesses que tente levar aos afegãos. Começa logo que, por cada milhão que chega às populações, entram biliões no circuito da corrupção. E cada pacote de açúcar tem por detrás uma espingarda sorridente.

As mentes e corações dos povos agredidos são inconquistáveis, a APSIC revela sempre a face desumana das bombas.

De facto, ninguém ganhou ainda uma guerra deste tipo, uma guerra colonial que só difere das guerras coloniais dos anos cinquenta e sessenta do século passado porque agora a administração não é do colonizador mas dos vendidos locais disponíveis : neste caso, Karzai e o seu bando.

A afeganização da guerra limita-se a dar mais armas aos senhores da guerra tão criminosos, fundamentalistas e violadores como os talibans mais radicais.

Portanto, a única saída que se lhes depara, e não há outra, é a de tentarem criar um governo juntando o mal e a caramunha. Conseguirem que Karzai – que não abdicará da sua actual posição privilegiada de controlo da vasta corrupção institucional e dos negócios das armas e do ópio – e os senhores da guerra aceitem unir-se aos chamados talibans moderados. A hipótese é voluntarista porque os talibans moderados não existem: apenas pode haver aqueles que estão dispostos a governar com o inimigo; mas sabendo que irão ter que defrontar-se com o movimento taliban que se bate contra a presença dos norte-americanos e da NATO. E mais à frente com o movimento democrático laico que, subterraneamente, vai fazendo o seu caminho.

O Afeganistão é a pedra basilar da política norte-americana na Ásia e tal acordo, a dar-se, terá de assegurar a presença da NATO ou dos EUA.

A política como continuação da guerra por outros meios

Mas o problema tornou-se, aliás previsivelmente, mais vasto: a guerra alastrou para o Paquistão onde a influência dos talibans cresceu assinalavelmente desde que foram amados e apoiados pelos EUA na luta contra a invasão soviética. Desde aí, a sua relação com os serviços secretos e o exército paquistaneses estreitou-se aumentando a sua influência nesses corpos.

O ataque em força e com resultados feéricos das linha de reabastecimento da NATO no Paquistão, mostram o seu crescente poderio e influência junto da população pashtun na fronteira, ameaçando o já de si instável e fragilizado governo paquistanês. E não é de admirar, quando a resposta efectiva no apoio às populações vítimas das trágicas inundações está a ser assegurado pelos talibans.

A desestabilização do Paquistão, provocada pela actividade militar da NATO no Afeganistão, reforça os argumentos – nomeadamente de controlo das armas nucleares – para uma eventual intervenção de grande envergadura dos EUA (NATO). Será, naturalmente, a pedido e com o objectivo de reposição da estabilidade. Assim seria alargado o teatro de operações na guerra em curso, com incidências estratégicas poderosas: reforço do controlo das “rotas da seda”, aumento da influência directa na Índia e em Caxemira, maior pressão sobre a China e, naturalmente, um reforço para o apoderamento do Afeganistão.

Parece-me, pois, que a continuação da guerra infinita, onde se inscreve a aberrante “guerra contra o terrorismo”, tem poucas probabilidades de ter como alvo o Irão.

O Irão é um país bem comportado que está vinculado ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e apenas quer ter um papel de potência regional respeitado por todos. Ao contrário de Israel, que possui várias centenas de armas nucleares e se recusou a assinar o tratado. Aliás como a Índia.

Os EUA, depois de terem liquidado o governo nacionalista e progressista de Mossadegh, de terem fomentado a guerra esgotante de Saddam contra o Irão, e depois do assalto ao Iraque, para impor a democracia à bomba, sabiam bem que quem ia ganhar as eleições era o Irão, através dos xiitas, o maior grupo islâmico do Iraque. Sabiam portanto quem ia mandar na região. Isso, por um lado leva-os a ter muito respeitinho pelos Ayatollahs e, por outro lado, a continuarem a apoiar o seu próprio rotweiller, Israel, que troça de todos porque tem as costas quentes. E continua a erguer colonatos apesar da pusilânime preocupação de Obama. Como dizia há tempos o representante de Israel na Comissão de Direitos Humanos da ONU em Genebra: “Vocês produzem resoluções e nós construímos colonatos”.

O Irão não quer a bomba, quer desenvolver legitima e legalmente a sua energia nuclear. E todos sabem disso. Apenas todos sabem também que o medo é a forma mais eficaz de domínio e, portanto, de controlo das consciências e das opiniões.

Ou seja, a fita a que vamos assistindo não terminará com o assalto da NATO ao Irão. Porque, e isso também todos sabem, nenhum país lançará uma nuc. Porque isso significaria o seu desaparecimento do mapa, sem apelo nem agravo.

A guerra infinita

A (nova) estratégia da NATO e a agressão norte-americana com ou sem NATO constituem a teoria e a prática da guerra infinita.

Para os EUA, a guerra deve prosseguir onde quer que haja oportunidade e qualquer que seja a dimensão dos meios a disponibilizar. Os limites naturais são a opinião pública interna, e também a dos seus aliados, que hoje têm papel importante, como já vimos, na comparticipação das despesas e na compra do armamento padrão. Por outro lado, eles necessitam permanentemente refazer o equilíbrio social: a ameaça externa e o medo constituem a forma mais eficaz de unir um país essencialmente dividido; um escape para a violência endémica e para a pobreza através da mobilização para as guerras; e um factor de minimização do desemprego e de saúde do nuclear complexo industrial militar.

Como dizia já há setenta anos o general Simodley Butler (com 30 anos de serviço nos marines): “Eu fui um pistoleiro do capitalismo. Podia dar lições ao Capone. Nós actuávamos em três continentes e ele em apenas três distritos de Chicago”.

Obama, ao tomar posse, se quisesse virar a política externa dos EUA, teria de questionar a raiz, os fundamentos e os processos da administração Bush, nomeadamente o Patriotic Act, o abuso do poder, a violação das regras de funcionamento da Justiça, o uso da mentira para levar o país para a guerra em violação do direito internacional. Mas Obama não o fez. Em nome do Estado, ficou comprometido a seguir a mesma via. Só tendo coragem para denunciar publicamente e perseguir judicialmente, apoiando-se na democracia e cidadania americanas, os criminosos de guerra Bush, Cheney, Rice e Rumsfeld, poderia dar início a uma verdadeira viragem na política externa e, naturalmente, interna. Mas Obama não foi eleito para isso. Obama foi eleito apoiado pelos grandes interesses da finança, da energia, do nuclear e da guerra. A função que lhe foi atribuída limitou-se a apresentar a nova versão do domínio, o “soft power”.

Bush pode ainda confessar publicamente, e na maior impunidade, tudo o que já se sabia, mas enfim, que autorizou e incentivou a prática sistemática de tortura, o que o exclui da humanidade civilizada e defensora dos direitos humanos.

Estamos, pois, perante uma clique de poderosíssimos falsificadores, mentirosos, criminosos de guerra e torcionários com as mãos não sujas mas enfeitadas com o sangue de milhões de inocentes. Que provocaram dezenas de catástrofes humanitárias com consequências inauditas, ao nível de qualquer massacre do Ruanda de Utus contra Tutsis ou vice-versa. Daí a impavidez com que a ONU e a zelosa NATO assistiram sem mexer uma palha.

Lisboa transformada numa pocilga

É gente desta, os donos do mundo, que Lisboa vai receber neste próximo fim de semana.

Gente desqualificada perante qualquer auditório decente, gente que indignifica o nosso país e que devia suscitar o repúdio agoniado de um povo que fez, viveu e tem saudades do 25 de Abril.

Do 25 de Abril que produziu a Constituição da República que obriga os poderes instituídos a: “preconizar a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio, exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos polítco-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.” e “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como à insurreição contra todas as formas de opressão.” (nºs 2 e 3 do artº 7º da CRP).

A capitulação política perante a NATO leva os nossos mais qualificados quadros a dizerem baboseiras como a de que o Bloco de Esquerda, em questões de segurança, está no século passado, como fez Miranda Calha, Presidente da Comissão de Segurança e Defesa da NATO, quando é ele que, ao mesmo tempo, se refere à parceria entre “os dois blocos” (NATO e Rússia).

O novo conceito da NATO não passa de mais uma artimanha para justificar a permanente preparação para a guerra, as despesas militares, e justificar o desvio das dotações orçamentais para sustentar o aparelho de guerra norte-americano e as suas cerca de oitocentas bases em todo o mundo, que começam, aliás, a ser focos de conflito contra as populações indignadas, como já acontece nos países da Ásia central com apoio dos respectivos governos, em Rota, Espanha e também no nosso aeroporto das Lajes, com protesto significativos.

Mas trinta anos de abulia e de intoxicação por parte dos governos e opinion makers luxuosamente assalariados, reduziram muito a percepção popular quanto à NATO.

A única cláusula nova que interessa reter é que vão redobrar os esforços de manipulação (eles falam em esclarecimento) da opinião pública, para que ela se aperceba da necessidade da segurança colectiva que seria garantida pela NATO.

As novas ameaças e preocupações – terrorismo, defesa do ambiente, crime cibernético –, a serem encaradas seriamente, aconselhariam a sua extinção. De facto, o terrorismo tem sido estimulado, fomentado e disseminado pela acção dos EUA no Médio Oriente e da NATO no Afeganistão, quer pela acção militar quer pela falta de apoio sério ao desenvolvimento económico, social e progresso político na região. A hostilidade fomentada deriva da hostilidade manifestada. Por outro lado, as únicas vitórias sobre grupos terroristas foram obtidas pela articulação eficaz dos serviços de informações e das polícias.

Um aparelho mortal que consome triliões de dólares por ano em armamento e munições, assim como em operações laterais que sustentam a máquina colossal, que pode fazer para garantir a segurança contra o crime cibernético, o crime ambiental? Foguetões contra os hackers e nanonucs contra as grandes empresas poluentes?

Só aceita o cinismo e engole as trapaças mortais quem quiser. Refiro-me aos jovens intelectuais, estudantes, cientistas e artistas. A informação abunda. A mole cidadã precisa deles para transformar o sinistro comando da opinião manipulada num grito de raiva, protesto, e conhecimento real, capaz de impor a vontade de um povo esclarecido. As vozes sofisticadas da intelectualidade desistente e comprometida com a democracia apodrecida mas vistosa precisam de ser animadas pela alegria do protesto. Como seria bom termos um Lobo Antunes (António) dos velhos tempos. Meditar sobre a vida enquanto o trágico caminhar para a morte e sobre a morte como o mistério sorumbático da total incompreensão da vida, pode ser bonito mas não chega.

Precisamos de encher os escaparates, os teatros, as óperas, as salas de concerto, os cinemas e as ruas de ousadia e criatividade, de mobilização emocional e intelectual capaz de mostrar aos nossos jovens, aos cidadãos e cidadãs a chavasquice desumana que se esconde dentro da FIL hoje, conspurcando o Parque das Nações, e que amanhã estará à distância do comando de um drone a provocar mortos, feridos, refugiados. Drama e tragédia. Ao menos os cidadãos da Grécia clássica foram obrigados a vibrar com a tragédia humana pelos seus maiores pensadores.

A civilização está a ficar de plástico, silicone, pulsões e fibra óptica.

É tempo de ajudar a luta contra o capital global com a compreensão da sua dimensão assassina e do risco do triunfo dos porcos.

1 Le Fígaro publicou duas notícias separadas por uma semana, em Julho de 2001, sobre as visitas da CIA a Ben Laden num hospital do Dubai onde fazia hemodialise. Tentei, a propósito deste artigo, reencontrar o link que há alguns anos me colocou defronte desta informação. Ao fim de uma hora desisti. O link foi retirado, presumo. Afinal fui encontrar a notícia neste:

http://www.guardian.co.uk/world/2001/nov/01/afghanistan.terrorism

e neste

http://www.globalresearch.ca/articles/RIC111B.html

e neste

http://www.mindfully.org/Reform/Bin-Laden-Met-CIA.htm

e neste

http://s3.amazonaws.com/911timeline/2001/rfi110101.html

etc.

Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)

Neste dossier:

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Realiza-se em Lisboa nestas sexta e sábado a cimeira da Nato, que vai reunir quase 60 chefes de Estado e de governo do mundo. Ao mesmo tempo vai ocorrer ainda uma cimeira Europa/América e um encontro entre a NATO e a Rússia.

NATO, para que te quero?

A NATO tem sido o exército cuja divisa é o dólar, o braço armado do capitalismo “ocidental”, hoje capitalismo global.

A Estratégia Global dos EUA: Derrotar Potenciais Desafiadores na Eurásia

O ano de 2010 assinala o regresso de Washington à Ásia e, particularmente, a acções concertadas e engendradas para desafiar o seu maior rival económico do mundo: a China. Por Rick Rozoff

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Em todas as suas dimensões, a guerra é a política do Império para fora das suas fronteiras. Mas a guerra do Império não seria completa sem um braço militar – a NATO.

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No século XXI, as forças armadas da Europa existem não para a defesa territorial, mas para missões da NATO e da UE no exterior. As bases militares são para alojar tropas estrangeiras, aeronaves e equipamento de outros Estados, particularmente dos EUA. Por Rick Rozoff

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Os Predadores e Ceifeiros estão a ser enviados pela CIA de Barack Obama, com o apoio de outros governos ocidentais, e apenas em 2009 mataram mais de 700 civis. Por Johann Hari, The Independent

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As denúncias do Paquistão pelo Presidente Obama e pelo Primeiro-ministro britânico, David Cameron, por “promoverem o terror” fazem perder a noção de que não haverá paz no Afeganistão sem o envolvimento paquistanês. Por Patrick Cockburn