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Média ricos, democracia pobre

As [últimas] eleições legislativas foram as mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase 4 mil milhões de dólares, dos quais 3 mil milhões foram gastos em publicidade.

Com o término das eleições de metade de mandato nos Estados Unidos, o maior vencedor ainda não foi declarado, porque a vitória foi dos grandes meios de comunicação. O maior perdedor, por enquanto, tem sido a democracia. Estas eleições legislativas de metade de mandato foram as mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase 4 mil milhões de dólares, dos quais 3 mil milhões foram gastos em publicidade. Pergunto o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se ouvem debates a este respeito, e não se ouvem porque as corporações (conglomerados empresariais, em geral, transnacionais) que manejam (e manipulam e controlam) os meios de comunicação de massa obtêm imensos ganhos com os anúncios publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas hertzianas (que trafegam pelo espectro radio-eléctrico) utilizadas pelas empresas de média para emitir os seus sinais são públicas.

Isto me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: “Rich Media, Poor Democracy” (Média ricos, democracia pobre). No seu livro, McChesney escreve: “Os radio-difusores têm pouco incentivo para brindar cobertura aos candidatos já que resulta do seu interesse forçá-los a publicitar suas campanhas.”

O grupo de investigação Wesleyan Media Project (Projecto de Wesleyano de Média), da Universidade Wesleyan, faz um acompanhamento da publicidade política. Depois da recente sentença do Supremo Tribunal no caso “Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral” pelo qual se autoriza às grandes corporações (conglomerados empresariais) a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projecto de investigação sobre o comportamento dos média destaca que: “O tempo de transmissão destinado a publicidade tem-se saturado de anúncios relacionados com a Câmara de Representantes (deputados federais) e o Senado, que ocupam até 20% e 79%, respectivamente, do total de tempo que as TVs estão no ar”.

Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análise de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group (Grupo de Análise das Campanhas na Média), predisse no passado mês de Julho (de 2010), em declarações para o jornal USA Today, que: “Haverá mais dinheiro para ser investido do que espaço de transmissão para ser comprado”. Por sua vez, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam permitido a transmissão de um anúncio a favor de um candidato, seguido de outro anúncio, apoiando o candidato concorrente (obs. do tradutor: as eleições parlamentares norte-americanas são distritais). Essa constatação, não levava em conta o património acumulado dos grandes meios. Mas, nos dias de hoje, veicular anúncios políticos é como alugar um imóvel. Bem vindos ao “mundo feliz” das campanhas feitas com biliões de dólares.

No passado, já houve tentativas de regular o uso das ondas hertzianas trafegando pelo espectro radio-eléctrico para que estejam ao serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa ficou conhecida como “Reforma do financiamento das campanhas eleitorais de McCain-Feingold”. Durante o debate sobre esta histórica legislação, tanto democratas como republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O senador pelo estado de Nevada John Ensign, republicano, lamentava-se: “As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era a época do ano em que ganhavam menos dinheiro devido ao baixo valor atribuído às cotas publicitárias durante esse período. Agora, as eleições são os seus momentos preferidos já que, de facto, é uma das épocas do ano com mais ampla margem de lucros.” Finalmente, para que este projecto de lei fosse aprovado, omitiram-se as cláusulas referentes ao “tempo de veiculação de propaganda pública”.

A sentença dada no caso do grupo de pressão conservador Citizens United neutraliza eficazmente a Reforma do financiamento das campanhas proposta por McCain-Feingold. Não há como imaginar ou medir o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O senador pelo Wisconsin, Russ Feingold (co-autor do projeto), perdeu a oportunidade de ser reeleito na sua disputa contra o praticamente auto-financiado multimilionário Rum Johnson. O editorial do jornal Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal é propriedade da corporação transnacional News Corp, de Rupert Murdoch, que possui diversos veículos, incluindo ademais a cadeia de televisão Fox e que doou quase 2 milhões de dólares para a campanha dos republicanos.

“As eleições transformaram-se numa commodity, um produto fundamental para a alta lucratividade destas rádios e canais de televisão”, disse-me no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Também falou: “As ondas de rádio e TV são públicas, e como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as redes de rádio e televisão são os titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter a sua habilitação anual, não pagam nada para o FCC (Federal Communications Commission, a Comissão Federal de Comunicações, órgão regulador dos canais nos EUA). Assim, seria de grande eficácia persuasiva, se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições de preço (que os radio-difusores paguem pela permanência de suas outorgas!) para obter a licença que permite a estas redes de rádio e televisão aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas de radio-frequência, 24 horas por dia. Poderíamos dizer-lhes que, como parte do intercâmbio (do contrato social) por controlar estes bens comuns, deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito no rádio e na televisão, para os candidatos a cargos públicos através de eleições.”

Este tema deveria ser posto em debate nos grandes meios de comunicação, dado que é neles onde a maioria dos norte-americanos obtém informação. Mas as emissoras de rádio e televisão têm um profundo conflito de interesses. Na sua ordem de prioridades, os seus lucros estão acima do nosso processo democrático. Seguramente não ouviremos falar deste tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos de manhã.

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

Texto traduzido da versão em castelhano e revisto do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise.

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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