Despertar em Nagoya

04 de November 2010 - 12:36

A comunidade internacional finalmente despertou para um dos grandes desafios contemporâneos e chegou a um novo acordo para deter o desaparecimento da natureza que sustenta a vida humana. Por Stephen Leahy, IPS/Envolverde.

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O conflito central deve-se ao facto das nações do Norte serem como biopiratas desesperados, viciados em saquear os ecossistemas mais ricos do Sul em busca de alimentos, matéria-prima e mão-de-obra barata. Foto Agência de Notícias do Acre/Flickr

O novo acordo, assinado pelos mais de 190 Estados-membros do Convénio sobre a Diversidade Biológica, inclui o compromisso de reduzir pela metade a proporção de perda de espécies até 2020, bem como o histórico Protocolo de Nagoya de Acesso e Participação nos Benefícios dos Recursos Genéticos.

No entanto, este despertar só se aplica aos primeiros madrugadores. A vasta maioria continua dormindo, sem consciência de que os seres humanos dependem da variedade de formas de vida que integram o ecossistema e que nos fornecem oxigénio, água, alimentos e combustível. E também sem consciência diante do facto de que a natureza é a nossa realidade, enquanto a economia é simplesmente um jogo complicado criado por nós mesmos.

O Japão importa mais de 60% de seus alimentos e a maioria dos ecossistemas da Europa foi devastada, restando apenas 17% deles em estado razoável, segundo a primeira avaliação desse tipo. O único motivo pelo qual esses países não faliram é porque são suficientemente ricos para se ajudarem em matéria de recursos ecológicos e serviços da natureza.

“Exploramos os recursos biológicos no exterior, especialmente no Sul. Por isso nós, o povo de Aichi, Nagoya, devemos desculpar-nos pela deterioração dos ecossistemas e da biodiversidade que causamos”, afirma um documento público divulgado pela sociedade civil de Nagoya, onde, de 18 a 29 de Outubro, aconteceu a 10ª Conferência das Partes (COP 10) do Convénio sobre Diversidade Biológica. Embora o governo japonês não se tenha mostrado disposto a reconhecer publicamente, esta acção pressionou os países participantes a chegarem a um acordo, apesar da habitual divisão entre o Norte industrializado e o Sul em desenvolvimento.

O conflito central deve-se ao facto das nações do Norte serem como biopiratas desesperados, viciados em saquear os ecossistemas mais ricos do Sul em busca de alimentos, matéria-prima e mão-de-obra barata. Cada vez mais, o Sul resiste e busca compensações. E isto implica transformar a economia do crescimento para deter a perda de espécies. Estima-se que anualmente aconteçam entre cinco mil e trinta mil extinções.

“O Japão teve um papel central na economia do crescimento. Precisamos passar para uma economia de subsistência”, disse à IPS o professor Kinhide Mushakoji, da Universidade de Economia e Direito de Osaka e um dos organizadores. A petição foi assinada por 156 organizações no Japão. Porém, nas negociações formais não se falou desta alteração para uma economia de subsistência.

De um modo perverso, a actual economia do crescimento levou países como o Japão e muitos europeus a subsidiarem a destruição da pesca marinha com a pesca excessiva, disse Achim Steiner, director-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que administra o Convénio. Promover uma economia verde exigiria investir “8 mil milhões de dollares americanos dos estimados 27 mil milhões, a título de subsídios em zonas como as Áreas Marinhas Protegidas, e cotas de pesca comercial”, disse Steiner na abertura da Conferência.

Estudos do Pnuma mostram que esse enfoque representa maiores capturas no futuro, elevando a renda das populações locais e garantindo que quase mil milhões de pobres do mundo tenham acesso a mais proteínas derivadas do pescado. Acabar com esses subsídios é o terceiro dos 20 objectivos estratégicos para até 2020 do acordo, conhecidos colectivamente como Objectivos de Aichi.

“É necessário conter a perda de biodiversidade até 2020. Isso não pode ser adiado”, disse Mario Tanao, um delegado juvenil e membro da organização japonesa Biodiversity on the Brink. Mario e outros criaram uma rede chamada Global Youth Biodiversity Organisation, que foi oficialmente reconhecida pela secretaria do Convénio ao final da reunião. “Esperamos ter jovens de mais de cem países na próxima COP”, disse Christian Schwarzer, representante juvenil do Fórum Alemão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

O governo holandês divulgou na COP 10 uma análise científica que prediz que a contenção da perda de biodiversidade mundial até 2050 será extremamente difícil, quando não impossível. E até 2020, absolutamente impossível, disse o director do estudo, Maarten Hajer, da Agência Holandesa de Avaliação Ambiental.

O estudo de Maarten dá ênfase às principais causas da perda de biodiversidade: agricultura, desflorestação, pesca excessiva e mudança climática, e nas opções que podem ser usadas até 2050 num mundo que – estima-se – nesse ano terá cerca de nove mil milhões de habitantes. Apenas aumentar o tamanho das áreas protegidas para 20% de toda a área terrestre é altamente insuficiente, afirmou.

A única esperança é uma combinação de grandes áreas protegidas e uma virada para uma produção e um consumo sustentáveis. “Mesmo assim, só poderemos reduzir a proporção de perda de biodiversidade, não detê-la”, disse Maarten à IPS. Segundo Kinhide, “a economia verde é uma solução apenas para aqueles que actuam na economia monetária. Milhares de milhões de pessoas não o fazem”.

Artigo de Stephen Leahy, publicado em Envolverde/IPSnews.

 

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