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Sócrates e a maçã envenenada da escola pública

Veja-se o que o OE muda na escola pública: redução dos orçamentos das escolas, redução das contratações, aumento da carga horária dos professores…

José Sócrates esteve na divulgação do manifesto “Defesa da Escola Pública”, no Centro de Congressos de Lisboa. Todas as iniciativas em defesa da escola pública e da igualdade de oportunidades contam, nos tempos que correm. O que não conta é um Primeiro-Ministro encavalitado na defesa da escola pública no dia em que o país conheceu o Orçamento de Estado para 2011.

Desde Agosto que José Sócrates se olha ao espelho e clama: espelho, espelho meu, o estado social sou eu!... Psicodrama da polarização ideológica entre PSD e PS, em torno da revisão constitucional, e que vale o que vale, quando o OE de 2011 passar com PS e PSD.

Pois é exactamente de estado social e de uma escola pública com igualdade de oportunidades que urge falar, no ano e no dia mundial de combate à pobreza e à exclusão social.

O Programa de Estabilidade e Crescimento desta Primavera ditava já a cegueira do corte: as transferências do OE para a Segurança Social, com vista ao financiamento das prestações sociais não contributivas, orçamentadas para 2010 em 7498 milhões de euros, não passariam o tecto de 7100 milhões de euros em 2011. Mas o OE de 2011 foi mais longe: 6742 milhões de euros, com um impacte de 0,6% no PIB, através da redução do subsídio social de desemprego, do RSI, do abono de família, da acção social escolar, do congelamento das pensões.

Cortes nas prestações sociais, na saúde, na educação, eis as escolhas do Governo PS. Mais, se os cortes na saúde terão um impacto de 0,4% do PIB, tal como os da educação, os cortes na defesa terão um impacto de 0,1% do PIB, tal como os da administração interna. São as escolhas.

Vejamos então o que faz este Governo a um país em que 23% das crianças (dados de 2007) estão em risco de pobreza, e em que 40% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção têm menos de 18 anos, quando sabe que a situação de emprego dos pais e a eficácia da intervenção governamental através de suporte financeiro e de serviços são, segundo o Eurostat, os principais factores que contribuem para a pobreza da população infantil.

O que faz o Governo? Aumenta manhosamente o rendimento das famílias para reduzir as prestações, com uma fórmula que estipula que em cada família há pessoas que são pessoas, outras que são dois terços de pessoa e outras meia pessoa (dois adultos e duas crianças correspondem a 2,7 pessoas para o governo). Reduz brutalmente a Acção Social Escolar: uma família com dois filhos em idade escolar e rendimento mensal de 600 euros perde direito ao escalão A e, para ter direito a metade dos apoios sociais, uma família com um filho pouco poderá ultrapassar os 800 euros mensais. Reduz brutalmente o Abono de Família: os primeiros escalões perdem a bonificação de 25%, os escalões 4.º e 5.º são eliminados, e pouco mais de 600 euros de rendimento mensal por família é o tecto para acesso a esta prestação, quando a larga maioria das famílias perderá mais de 540 euros de abono por ano.

Ponham-lhes o IVA em cima do cabaz de compras, a redução dos salários, o aumento dos preços dos medicamentos, a redução das bolsas de estudo, a redução nos passes sociais 4-18 e sub 23, sabendo que a fome das crianças em idade escolar desaguará na escola. E veja-se o que o OE de 2011 muda na escola pública: redução dos orçamentos de funcionamento das escolas, redução das contratações, aumento da carga horária dos professores, redução do crédito horário das escolas…

Professoras e professores sabem o que terão pela frente: alunos e alunas que não comem e não têm manuais escolares. Os e as que já no passado se quotizaram para pagar passes e refeições conhecem o flagelo. Os, agora, Assistentes Operacionais sabem bem o que é ver meninos e meninas, encostados aos pavilhões à hora de almoço, meninos e meninas que não almoçam, porque não podem, não têm dinheiro.

A fome desagua nas escolas, mas as escolas não terão resposta. E não venham falar de sucesso escolar a crianças e jovens de barriga vazia nem aos profissionais que com eles vivem e trabalham. Qual igualdade de oportunidades, Senhor Primeiro Ministro?!

Por tudo isto, a voz das ruas, a mobilização social que se impõe, a greve geral de dia 24, têm de fazer parte deste compromisso social de urgência: as crianças e os jovens deste país não fizeram a crise, não podem ser as suas vítimas.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professora.
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