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Sebastianismo invertido

Quem se arroga ao título de elite económica, tem deveres. O primeiro talvez fosse falar com algum respeito intelectual pelo público.

Em Portugal temos tudo às avessas. Pelo menos assim o diz Passos Coelho, que ultimamente já nem tenta ter credibilidade. Privou negociações e conversas com o primeiro-ministro das quais se arrependeu, ou foi atraiçoado, ninguém sabe muito bem. Agora não há orçamento para ninguém a menos que. É isto. O orçamento não está por um fio por divergências políticas legítimas, mas apenas porque qualquer coisa. É esta a posição de Passos Coelho que não só se deixou enrolar por Sócrates de forma previsível como ainda vai cavando o seu próprio buraco com mais força.

As suas manobras abriram tanto espaço à especulação que chegámos a um ponto em que a própria comunicação social tenta encontrar explicações mais honradas sobre a realidade política. Ficções portanto. E a última história é que aparentemente tudo isto foi feito para deixar Cavaco Silva brilhar (expressão do Diário de Notícias) como a fonte de mediação e salvação nacional para o orçamento de estado. Mas que grande tanga. A discussão pública sobre o orçamento foi empobrecida de tal maneira que agora só nos resta sonhar por um acordo com base na influência de um senhor que nunca a tentou exercer para o que quer que fosse que marcasse a agenda política.

Ainda bem que alguém tem o bom senso de organizar um debate sobre o orçamento sem estes políticos de pacotilha.

Fátima Campos decidiu ontem discutir crise orçamental no Prós e Contras. E decidiu convidar empresários para falar sobre o assunto. Verdadeiros estetas. De lugar comum em lugar comum todos exigiram muito, cortaram a direito, sem fazer política que isso não serve para nada, apenas soluções concretas, para problemas concretos, com rectidão, com responsabilidade, muita muita, sem perder tempo, sempre em frente. Um sebastianismo invertido.

Afinal tudo isto da crise é simples. O primeiro-ministro é um CEO, que tem de apresentar o verdadeiro estado das coisas à assembleia e aos partidos e, sem fazer um pingo de política, dizer o é preciso fazer e fazer, de forma clara.

Sobre fazer o quê ou como ou quando ou porquê, nada, zero. Não interessa. Parece que vieram todos de um acampamento de motivação e liderança onde fizeram muitos jogos de badminton de onde retiraram muitas lições directamente para a liderança do BPI, da CIP, da Associação Comercial de Lisboa... mas será que são tontos? Ou acham que nós somos tontos? É assim que gerem as suas empresas? É esta gente que anda a gerir as nossas empresas? Qualquer pessoa sensata fica aflita.

É verdade que esteve lá Carvalho da Silva e, completamente sozinho, esteve bem. Foi o único a exigir estratégia económica, responsabilidade, políticas de emprego. Tudo coisas aparentemente incómodas pois o desrespeito com que foi tratado só revelou mediocridade alheia.

Quem se arroga ao título de elite económica, tem deveres. O primeiro talvez fosse falar com algum respeito intelectual pelo público, pois eu como público quero saber o que eles pensam e quero saber que planos têm. É apenas natural. Está ali o presidente do BPI. Está em posição de mudar, realmente mudar, tem influência para isso. Pois a única posição que tomou é que até o final de 2012 o BPI vai apertar ainda mais a sua concessão de crédito às empresas, com excepção das grandes empresas e do sector público, naturalmente. Mais do que isto nada se disse. Não há nada. A tanga em que Barroso nos deixou parece que nos tomou reféns do insulto permanente de quem pode e não quer fazer nada excepto dizer que não merecemos mais do que aquilo que temos. Lamento mas isto não chega.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
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