You are here

É melhor que alguém olhe por nós

Vital Moreira vem à carga. Em artigo publicado no Público explica aos ignorantes porque é que a União Europeia deve mesmo ter um visto prévio sobre os Orçamentos dos Estados.

Cuidadoso, Vital Moreira poupa-nos ao debate que agora atravessa as instituições europeias e evita dar a sua resposta: qual vai ser a sanção a quem não obedecer, ou a quem não fizer os Orçamentos de acordo com as decisões superiores da UE? Expulsão, multa, fim dos fundos, fim do direito de voto - discute-se tudo, o que é permitido pelos Tratados e o que não é permitido pelos Tratados. Porque essa é a questão decisiva: sem sanções, não há disciplina e de nada vale o visto prévio. Teremos sanções, então.

Percebe-se a pressa de Vital Moreira. Manuel Alegre rejeitou o visto prévio de Bruxelas e Luís Amado veio logo contrariá-lo; o PS ficou à defesa porque tem dificuldade em explicar a subordinação orçamental, e chegou por isso o tempo dos ideólogos virem explicar aos indígenas porque é que o que tem que ser tem muita força.

Há, no entanto, dois argumentos fundamentais para rejeitar este visto prévio. O primeiro é que esta é uma Europa sem democracia: os parlamentos são eleitos para votarem os Orçamentos e decidirem de impostos, e ninguém na União Europeia foi eleito com esse poder ou com esse mandato. Se forem os poderes não eleitos a triunfar sobre os poderes eleitos, os parlamentos nacionais deixam de ter significado. E a democracia é substituída por uma tecnocracia autoritária que evita a todos o custo a responsabilidade perante os cidadãos. O visto prévio resulta da ideia de que a Europa não pode confiar nos Estados, que estes não são responsáveis nem responsabilizáveis, e que por isso deve dispensar a democracia.

Mas há uma segunda razão para recusar o visto prévio. É que os censores dos Orçamentos demonstraram não ter capacidade nem qualidade para regular os mercados financeiros contra a especulação criminosa (o BCE) ou para agir na resposta a uma crise (a Comissão). Porque é que havemos de confiar ao senhor Trichet ou ao senhor Barroso o controlo das contas de cada país e as suas decisões sobre impostos, se eles revelaram não saber controlar as suas próprias contas? Porque é que a estabilidade e disciplina orçamental há-de depender de gente tão escandalosamente incompetente? Porque é que alguns dos criadores da crise internacional hão-de ser agora os garantes do reajustamernto depois da crise? Porque é que havemos de pagar mais impostos porque eles mandam?

Vital Moreira garantiu, na campanha eleitoral, que não votaria em Barroso para presidente da Comissão. Como se sabe, meteu depressa a viola no saco e o grupo socialista, sem protesto de indignação do "professor de Coimbra, valha-me Deus", votou em peso em Barroso. Mas porque é que propõe agora que seja este homem, que considerava inadequado politicamente para dirigir a Comissão, que controle o nosso Orçamento, não tendo os votos de quem vai pagar os impostos, não respondendo por quem paga os impostos e não prestando contas perante quem paga impostos?

Talvez seja melhor que alguém olhe por nós. Mas, se pudermos evitar que sejam José Manuel Barroso e Vital Moreira, talvez fiquemos melhor com a simples mas exigente obrigação parlamentar sem outra tutela superior  que não seja a da responsabilidade democrática.

Texto publicado no facebook a 14 de Setembro de 2010

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
(...)