You are here

Mesquita em Chamas

Alguém poderia afirmar com seriedade que não deveria existir uma igreja cristã junto ao local da explosão na cidade de Oklahoma apenas por Timothy McVeigh ser cristão?

Salman Hamdani morreu a 11 de Setembro de 2001. O assistente de investigação da Universidade Rockefeller, de 23 anos, tinha uma licenciatura em bioquímica. Era também um técnico treinado em medicina de emergência e cadete no Departamento de Polícia de Nova Iorque. Mas, naquele dia, nunca chegou ao trabalho. Hamdani, um americano muçulmano, estava entre os primeiros socorristas nesse dia. Acorreu ao Ground Zero para salvar outros. Este seu acto altruísta custou-lhe a vida.

Hamdani foi mais tarde louvado pelo presidente George W. Bush como um herói e o seu nome foi referido no “USA Patriot Act”. Mas não foi assim que foi descrito no rescaldo do 11 de Setembro. Em Outubro, os seus pais foram a Meca rezar pelo filho. Enquanto estavam fora do país, o New York Post e outros meios de informação descreveram Hamdani como um possível terrorista em fuga. “DESAPARECIDO OU ESCONDIDO? MISTÉRIO DO CADETE PAQUISTANÊS DA POLÍCIA DE NOVA IORQUE”, clamava o cabeçalho do Post. O artigo sensacionalista referia que alguém que correspondia à descrição de Hamdani fora visto perto do Túnel Midtown, um mês depois do 11 de Setembro. A sua família foi interrogada. Foram investigadas as pesquisas de Hamdani na Internet e as suas orientações políticas.

Os seus pais, Talat e Saleem Hamdani, tinham procurado freneticamente nos hospitais e nas listas de mortos e feridos. “Havia doentes que tinham perdido a memória”, afirmou a sua mãe, Talat. “Tínhamos esperança de que fosse um deles e que o conseguiríamos identificar”.

As sinistras informações sobre Hamdani eram típicas da crescente e aberta hostilidade contra os americanos de origem árabe, os americanos muçulmanos e as pessoas de ascendência sul-asiática. Talat, que era professora, disse-me que as crianças da sua família tiveram de anglicizar os seus nomes para evitar a discriminação:

“Estavam no segundo ciclo... Armeen tornou-se Amy, um tornou-se Mickey, o outro Mikey e o quarto ficou Adam. E quando lhes perguntámos: “Porque alteraram os vossos nomes?”, disseram: “porque não queremos que nos chamem terroristas na escola”.

A 20 de Março de 2002, a família Hamdani recebeu a notícia de que o ADN de Salman tinha sido encontrado no Ground Zero e que portanto ele era oficialmente uma vítima dos ataques. No seu funeral, que se realizou no Centro Comunitário Islâmico, na rua 96 no leste de Manhattan, discursaram o presidente da câmara Michael Bloomberg, o comandante da polícia e o congressista Ray Kelly.

O que nos conduz à polémica em torno do centro comunitário islâmico proposto, programado para ser construído no nº 51 de Park Place, na baixa de Manhattan. Note-se que a estrutura não é uma mesquita. E não é no Ground Zero (é a dois quarteirões de distância). O grupo sem fins lucrativos que promove o projecto, Cordoba Iniciative, descreve-o como um “centro comunitário, à semelhança da YMCA (Associação de Jovens Cristãos) ou do Centro Comunitário Judeu... em que pessoas de qualquer religião podem utilizar as instalações. Além de ter um ginásio, o Cordoba House aloja uma piscina, um restaurante, um auditório para 500 pessoas, um memorial ao 11 de Setembro, uma capela multi-religiosa, espaço para escritórios e conferências e um local de oração”.

A oposição ao centro teve início em blogues marginais de direita e tem sido, desde aí, seguida pela corrente dominante. Embora o fosso no Ground Zero continue por preencher, enquanto os promotores imobiliários multimilionários discutem como o preencher, o fosso noticioso normal em Agosto tem sido facilmente preenchido com a polémica da “Mesquita do Ground Zero”.

Há um outro fosso que tem de ser preenchido, designadamente a falta de pessoas nos EUA em posições de liderança em todas as áreas e estratos sociais, de todos os quadrantes políticos, que defendam a liberdade religiosa e se manifestem contra o racismo. Como afirmou certa vez o reverendo Martin Luther King Jr.: “No final, recordaremos não as palavras dos nossos inimigos, mas o silêncio dos nossos amigos”.

Alguém poderia afirmar com seriedade que não deveria existir uma igreja cristã junto ao local da explosão na cidade de Oklahoma apenas por Timothy McVeigh ser cristão?

As pessoas que são contra o ódio não são uma minoria marginal, nem tão-pouco uma minoria silenciosa, mas antes uma maioria silenciada. São silenciadas pelas elites, que conduzem este debate nos meios de comunicação social.

O ódio gera violência. Marginalizar toda uma população, toda uma religião, não é benéfico para o nosso país. Põe em perigo os muçulmanos no seio da América e provoca animosidade contra a América em todo o mundo.

Quando perguntei a Daisy Khan, directora executiva da Sociedade Americana para o Progresso Islâmico, que é um parceiro no centro comunitário proposto, se temia pela sua vida, a dos seus filhos ou dos muçulmanos de Nova York, ela respondeu: “Temo pelo meu país”.

Denis Moynihan contribuiu com pesquisa para esta coluna.

Tradução de Paula Coelho para o Esquerda.net

Nota: O título original desta coluna, "Mosque-Issippi Burning", literalmente “Mesquita-issipi em Chamas”, é uma alusão ao filme “Mississípi em Chamas” que retrata a luta dos negros pelos direitos civis.

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
(...)