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Honduras: O golpe e a base aérea dos EUA

Antes do golpe de estado, as autoridades hondurenhas tinham discutido por vários anos a possibilidade da conversão de Palmerola numa estrutura civil. Os responsáveis queixavam-se de que Toncontín, o aeroporto internacional de Tegucigalpa, era demasiado pequeno e incapaz de suportar as necessidades dos grandes aviões comerciais. Sendo uma estrutura envelhecida, criada em 1948, Toncontín tem uma pista curta e equipamento de navegação primitivo. É rodeado por colinas que fazem com que seja um dos mais perigosos aeroportos internacionais do mundo.

Palmerola, pelo contrário, tem a melhor pista do país, com 2700 metros de comprimento e 50 metros de largura. Construído mais recentemente, a meio dos anos 80, custou cerca de 30 milhões de dólares, e foi utilizado pelos EUA para reabastecer os "contra" durante a guerra silenciosa contra os sandinistas na Nicarágua e para conduzir operações contra os rebeldes em São Salvador. No auge da guerra dos "contra", os EUA tinham mais de 5000 soldados estacionados em Palmerola. Conhecida como o "porta aviões inafundável" dos "contra", a base albergou boinas verdes e conselheiros da CIA que trabalhavam com os rebeldes da Nicarágua.

Mais recentemente, havia cerca de 500 a 600 tropas dos EUA em prontidão nas instalações, que serviam também de base aérea hondurenha e de escola de aviação. Com a saída dos EUA das bases do Panamá em 1999, Palmerola tornou-se um dos poucos aeroportos disponíveis para os EUA no solo da América Latina. A base situa-se a aproximadamente 30 km a norte da capital Tegucigalpa.

Em 2006 parecia que Zelaya e a administração Bush estavam próximos de chegar a um acordo quanto ao futuro estatuto de Palmerola. Em Junho desse ano, Zelaya voou para Washington, para se encontrar com o presidente Bush, e a proposta hondurenha era que Palmerola fosse convertida num aeroporto civil. Consta que Bush tenha dito que a ideia era "de todo razoável", e Zelaya declarou que uma auto-estrada de 4 faixas seria construída de Tegucigalpa a Palmerola, com fundos americanos.

Em troca do apoio da Casa Branca na questão de Palmerola, Zelaya ofereceu aos EUA de serem criadas novas instalações militares na área de Mosquitia, no litoral hondurenho próximo da fronteira com a Nicarágua. Mosquitia é apontada como um corredor para o tráfico de droga que passa de sul para norte. Os cartéis da droga atravessam Mosquitia com os seus carregamentos vindos da Colômbia, Peru e Bolívia.

Sendo uma área remota, apenas acessível por ar, por mar e pelos rios, Mosquitia tem principalmente pântanos e selva. A região seria ideal para os EUA, dado que um número elevado de efectivos militares poderia aí ser destacado, em relativo anonimato. A localização costeira era ideal para a cobertura naval e aérea necessárias á estratégia dos EUA de combate ao crime organizado, ao tráfico de droga e ao terrorismo. Romeo Vásquez, Chefe do Estado Maior das Honduras, declarou que as forças armadas tinham de assegurar uma maior presença militar em Mosquitia, porque a área estava cheia de "conflitos e problemas".

Mas que tipo de acesso teriam os EUA em Mosquitia? O ministro da Defesa das Honduras, Aristides Mejía, disse que Mosquitia não seria necessariamente "uma base clássica, com instalações permanentes, mas que apenas seria utilizada quando necessário. Havia a intenção, se o presidente Zelaya aprovasse, de expandir as operações conjuntas [com os Estados Unidos]". Esta declaração, contudo, não foi aparentemente do agrado do eventual líder do golpe de estado (e diplomado pela U.S. School of the Americas) Vásquez, que já se tinha deslocado a Washington para discutir os futuros planos para Mosquitia. Contradizendo o seu próprio colega, Vásquez disse que a ideia era "estabelecer na zona uma base militar permanente nossa" capaz de albergar aviões e sistemas de fornecimento de combustível. Os Estados Unidos, acrescentou Vásquez, iriam ajudar a construir pistas de aviação no local.

No entanto, os acontecimentos no terreno iriam obrigar os hondurenhos a tomar uma posição mais firme no tocante à segurança aérea. Em Maio de 2008 ocorreu um terrível acidente no aeroporto de Toncontín, quando um Airbus A320 da TACA saiu fora da pista na sua segunda tentativa de aterragem. Depois de derrubar árvores e esmagar uma cerca metálica, a fuselagem do avião partiu-se em 3 partes, junto à pista. Morreram 3 pessoas e ficaram feridas 65 no desastre.

No rescaldo da tragédia, as autoridades hondurenhas foram por fim obrigadas a impedir aviões de aterrar na notoriamente perigosa pista de Toncontín. Todos os grandes jactos, disseram as autoridades, seriam temporariamente transferidos para Palmerola. Visitando pessoalmente a base aérea dos EUA, Zelaya declarou que as autoridades iriam criar novas instalações civis em Palmerola no prazo de 60 dias. Bush já tinha concordado em permitir às Honduras construir um aeroporto civil em Palmerola, disse Zelaya. "Há testemunhas", acrescentou o presidente.

Mas construir um novo aeroporto tornou-se politicamente mais complicado. As relações entre as Honduras e os EUA deterioraram-se consideravelmente desde o encontro de Zelaya e Bush em 2006, e Zelaya começou a reforçar laços com a Venezuela, enquanto simultaneamente criticava a guerra contra a droga empreendida pelos EUA.

O próprio embaixador dos EUA de Bush, Charles Ford, disse que embora o tráfego aéreo em Palmerola fosse bem vindo, os acordos anteriores tinham de ser respeitados. A base era principalmente usada para vigiar os aviões da droga, e Ford fez notar que "o presidente pode ordenar o uso de Palmerola quando quiser, mas têm de respeitar-se certos acordos e protocolos". "É importante chamar a atenção que Toncontín está certificado pela International Civil Aviation Organization", acrescentou Ford, na esperança de minimizar as preocupações de longo prazo quanto à segurança do aeroporto. Mais ainda, declarou o diplomata, existem algumas companhias aéreas que não encarariam Palmerola como um destino de aterragem "atraente". Ford não desenvolveu nem explicou o que queria dizer com os seus comentários.

Deitando gasolina no fogo, o secretário de Estado assistente, John Negroponte, antes embaixador nas Honduras, disse que as Honduras não podiam transformar Palmerola num aeroporto civil "de um dia para o outro". Em Tegucigalpa, Negroponte encontrou-se com Zelaya para discutir Palmerola. Falando mais tarde na rádio hondurenha, o diplomata dos EUA disse que antes de Zelaya poder prosseguir com os seus planos para Palmerola, o aeroporto teria de ser certificado internacionalmente para os novos voos a chegar. De acordo com a agência de notícias espanhola EFE, Negroponte aproveitou também a sua viagem a Tegucigalpa para se encontrar e sentar à mesa com o presidente do Parlamento das Honduras, e futuro líder do golpe de estado, Roberto Micheletti [não indicando as notícias, no entanto, o que foi discutido].

É desnecessário acrescentar que a visita de Negroponte às Honduras foi veementemente repudiada por progressistas e activistas dos direitos humanos, que chamaram a Negroponte "um assassino" e o acusaram de ser responsável por desaparições de pessoas durante o seu mandato como embaixador (1981-1985). Mais ainda, a atitude condescendente de Ford and Negroponte irritou organizações do trabalho, grupos indígenas e camponeses, que exigiram que as Honduras reclamassem a sua soberania territorial sobre Palmerola. "É necessário recuperar Palmerola, porque é inaceitável que o melhor aeroporto da América Central continue nas mãos dos militares dos EUA", disse Carlos Reyes, líder do Bloco Popular, que inclui várias organizações políticas progressistas. "A Guerra Fria terminou e não há razões para continuar a presença militar na região", acrescentou. O mesmo activista declarou também que o governo não deveria propor a troca de Palmerola por Mosquitia, porque isso seria uma afronta ao orgulho das Honduras.

Durante o ano seguinte, Zelaya tentou converter Palmerola num aeroporto civil, mas os planos arrastaram-se, dada a incapacidade de atrair investidores internacionais. Finalmente, em 2009, Zelaya anunciou que as forças armadas hondurenhas iriam iniciar a construção. Para pagar o novo projecto, o presidente iria apoiar-se em fundos da ALBA [Alternativa Bolivariana para as Américas] e da Petrocaribe, dois acordos recíprocos de comércio apoiados pelo líder venezuelano Hugo Chávez. Como era de prever, a direita hondurenha insurgiu-se contra o uso de fundos venezuelanos por Zelaya. Amílcar Bulnes, presidente da Associação de Empresários Hondurenha [conhecida pelo acrónimo espanhol COHEP] disse que os fundos da Petrocaribe não deviam ser usados no aeroporto, mas sim noutros destinos não especificados.

Algumas semanas depois do anúncio de Zelaya de que as forças armadas iriam encetar a construção em Palmerola os militares revoltaram-se. Conduzido por Romeo Vásquez, o exército derrubou Zelaya e expulsou-o do país. No rescaldo do golpe de estado, activistas da paz americanos visitaram Palmerola e surpreenderam-se por verificar que a base estava activa, e que havia helicópteros a voar por todo o lado. Quando os activistas perguntaram aos responsáveis americanos se algo havia mudado nas relações entre as Honduras e os EUA, a resposta foi "não, nada".

A elite hondurenha e os elementos da direita linha dura na política externa dos EUA têm muitas razões para desconfiar de Manuel Zelaya, como discuti em artigos anteriores. A controvérsia sobre a base aérea de Palmerola certamente lhes deu mais algumas.

22 de Julho de 2009

Nikolas Kozloff é o autor de "Revolution! South America and the Rise of the New Left" (Palgrave-Macmillan, 2008)

Tradução de José Pedro Fernandes

http://www.counterpunch.org/kozloff07222009.html

(...)

Neste dossier:

Golpe de Estado nas Honduras

No dia 28 de Junho de 2009, o presidente legítimo das Honduras, Manuel Zelaya, foi expulso do seu país ainda com o pijama no corpo. Todas as forças conservadoras das Honduras - principais políticos, militares, cléricos e grandes empresários - apoiaram o golpe, que serve bem a manutenção do status quo. Mas não contavam com os protestos populares massivos e com a condenação de quase toda a comunidade internacional. 
Para compreender melhor o que são as Honduras e a sua história começamos pelo artigo "Honduras: República das Bananas e das Maquilas". De seguida, num extenso e esclarecedor artigo, Leticia Salomon, especialista hondurenha, explica todos os pormenores do golpe de Estado. Jan Malewski, em artigo publicado na International View Point, cita algumas declarações de Zelaya para enquadrar as motivações dos golpistas. Em "Quem são os golpistas" e "Frente Nacional Contra o Golpe de Estado" pode compreender os dois lados do conflito. Peter Marchetti analisa os movimentos sociais e as possibilidades de emancipação do povo das Honduras.

Honduras: República das bananas e das “maquilas”

As reformas que Manuel Zelaya iniciou nas Honduras apontavam para acabar com este tipo de desenvolvimento espúrio, que primeiro foi "bananeiro" e depois "maquilero" mas que sempre se apoiou na existência de amplos contingentes da população em estado de pobreza extrema.
Artigo publicado no blogue Honduras en lucha!  

O golpe nas Honduras: obra de políticos, empresários e militares

Todos têm direito de apoiar ou recusar sistemas ideológicos; o que não têm direito é de impedir que um presidente termine o seu mandato constitucional porque não têm por ele a simpatia pessoal que têm com outros presidentes, de impedir que a cidadania seja consultada sobre qualquer tema, diz a socióloga e economista Leticia Salomón, investigadora do Dep. de Ciências Sociais da Universidade Nacional Autónoma das Honduras, num dos mais completos artigos sobre o golpe.

O golpe de uma oligarquia dominante

"Venho de fileiras bastante conservadoras, pensei que podia fazer mudanças no enquadramento neoliberal. Mas os ricos não dão um cêntimo. Os ricos não dão o seu dinheiro. Ficam com tudo para eles. Assim, logicamente, para fazer mudanças, é preciso integrar o povo", disse Zelaya, numa entrevista ao El País, nas vésperas do golpe.
Por Jan Malewski, International Viewpoint

Quem são os golpistas?

Empresários, políticos, donos de órgãos de comunicação social, generais e cardeais. Neste artigo o Esquerda.net junta muita informação sobre quem está por trás do golpe e inclusivamente a forma como exercem pressão junto do senado e do departamento de Estado dos EUA. Toda a informação encontra-se sustentada por cópias de documentos oficiais.  

Letícia Salomon, autora de um extenso artigo explicativo do golpe de Estado que pode ser lido aqui, explicou numa mesa redonda, com todo o detalhe, quem está por trás do golpe de Estado:

Frente Nacional Contra o Golpe de Estado nas Honduras

O golpe de Estado acabou por juntar organizações que estiveram quase sempre de costas voltadas e que agora se unem para combater o "governo interino", com a designação "Frente Nacional Contra o Golpe de Estado nas Honduras". Além de sindicatos , movimentos sociais, e pequenos partidos de esquerda, esta Frente inclui sectores do Partido Liberal que apoiam Zelaya, e o Partido Unificación Democrática - único partido da esquerda hondurenha com presença no parlamento (cinco lugares). A Frente Nacional tem promovido as principais mobilizações contra o golpe, destacando-se a greve geral e as marchas que levaram milhares de pessoas às duas principais cidades do país.  

Comunicado da Frente Nacional Contra o Golpe de Estado nas Honduras

Todos a organizar o boicote contra a ditadura militar-empresarial de Roberto Micheletti

Por uma Constituinte e o fim das Forças Armadas

Nesta entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos , Peter Marchetti - jesuíta, teólogo e economista dos EUA, que viveu durante algum tempo nas Honduras - fala-nos do sistema político hondurenho, do que representam Zelaya e Micheletti, e da possibilidades de um novo movimento popular que corte com o bipartidarismo e junte forças pela democracia participativa nas Honduras, abolindo as Forças Armadas e o status quo. 

Golpe de Estado

Estará Washington a fazer jogo duplo? Estarão em causa divergências entre a Casa Branca e o binómio formado pelo Departamento de Estado e o Pentágono? Se o direito não for restabelecido e/ou se as Honduras soçobrarem na violência, o crédito de Obama ficará seriamente abalado na América Latina, que acolheu a sua presidência com esperança e simpatia.
Artigo de Maurice Lemoine, traduzido pela Edição portuguesa do Le Monde Diplomatique

A direita contra-ataca

A Presidência de George W. Bush foi o momento da maior maré eleitoral dos partidos políticos de centro-esquerda na América Latina nos últimos dois séculos. A Presidência de Barack Obama arrisca-se a ser o momento da desforra da direita na América Latina.

Um golpe à medida dos lobistas da Casa Branca

O presidente hondurenho Manuel Zelaya, expulso do país no meio da noite há mais de um mês, goza de apoio global para o seu regresso, com a excepção da Casa Branca de Obama. Apesar de Barack Obama ter num primeiro momento chamado de golpe o afastamento de Zelaya pelos militares, a sua administração recuou. A secretária de Estado Hillary Clinton chamou as tentativas de Zelaya de atravessar a fronteira entre a Nicarágua e as Honduras de "impulsivas". Será que lobistas bem colocados em Washington estão a moldar a política externa dos EUA?

As lições das Honduras

Conta-se uma reveladora brincadeira entre os presidentes latino-americanos:

- Sabe por que não existem golpes de Estado nos Estados Unidos?
- Não!
- Porque nos Estados Unidos não existe embaixada dos Estados Unidos.
Texto de Theotonio dos Santos

Além do mais, sabemos que os golpes nos Estados Unidos se dão através do assassinato, puro e simples, dos seus presidentes (como no caso de John Kennedy) ou com a ajuda do Supremo Tribunal para impedir a recontagem dos votos (como no caso Bush).

Honduras: os interesses económicos que sustentam o golpe

Quando há  um ano se descobriu que as Honduras são ricas em petróleo, o presidente Zelaya rescindiu com as empresas dos EUA que vendiam o petróleo caro ao seu país e juntou-se ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela. O projecto de Zelaya para a nova Constituição previa que os recursos naturais das Honduras não poderiam ser entregues a outros países.
Artigo de Frida Modak, publicado por Carta Maior, com tradução de Katarina Peixoto.  

Informação que escapa ao cerco mediático

Os principais meios de comunicação social nas Honduras são detidos por golpistas e filtram toda a informação sobre os protestos populares. O termo golpe de Estado é substituído por "reposição da ordem constitucional" e abundam notícias a favor do governo interino de Micheletti e contra "a horla satânica de Chavez". Ainda assim, o Esquerda.net encontrou vários blogues e sites que escapam ao cerco mediático, muito úteis para uma informação mais fiável e completa. 

Arte contra o golpe

As reacção do povo das Honduras ao golpe de Estado não se limitou às manifestações e às greves. Como em qualquer momento de efervescência social e política abundam os desenhos que denunciam os golpistas, os vídeos que ridicularizam os pró-golpistas que vestem camisas brancas, os murais e dizeres nas paredes, e as caricaturas e cartoons. 

Honduras: O golpe e a base aérea dos EUA

Os principais meios de comunicação deixaram de focar um aspecto chave dos actuais acontecimentos nas Honduras: a base aérea dos EUA em Soto Cano, também conhecida por Palmerola. Antes do recente golpe de estado militar, o presidente Manuel Zelaya declarou que iria transformar a base num aeroporto civil, um desígnio a que o anterior embaixador do EUA se opunha. Mais ainda, Zelaya tencionava levar a cabo o seu intento recorrendo a financiamentos venezuelanos.
Por Nikolas Kozloff, Counterpunch

AR condena golpe nas Honduras

A Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto proposto pelo Bloco de Esquerda de condenação do golpe de estado nas Honduras e que se associa à exigência da OEA para o regresso imediato do presidente às funções para as quais foi democraticamente eleito. A AR decidiu também apoiar "os esforços para garantir a reposição da legalidade democrática nas Honduras. "