Na madrugada de domingo, 28 de Junho, o exército hondurenho invadiu o Palácio Presidencial e, depois de uma troca de tiros com a guarda presidencial, prendeu o presidente Manuel Zelaya. Levado ao aeroporto, foi deportado para a vizinha Costa Rica. Os golpistas fizeram uma falsa carta de renúncia do presidente Zelaya e, usando esta falsificação, o Congresso nomeou Roberto Micheletti, também membro do Partido Liberal e presidente do Congresso, para ocupar o seu lugar. Micheletti teve a bênção da hierarquia católica hondurenha.
O Congresso Nacional declarou o toque de recolher das 22h às 5h (em 5 de Julho este toque de recolher foi avançado para as 6h30) em todo o país e suspendeu as garantias constitucionais aos cidadãos, o que equivale ao estabelecimento do estado de emergência. Andrés Pavon, presidente do Conselho Cívico das Organizações Populares e Povos Indígenas das Honduras (CCOPIH) explica as razões que levaram os golpistas a fazer isto: "Um militar de alta patente disse-me que o general Romeo Vásquez [o chefe do Estado-Maior] disse que Micheletti não tinha os 'mecanismos legais' para enfrentar as manifestações contra ele, e foi essa a razão para este decreto."
Foram presos activistas de esquerda e membros de organizações de operários e camponeses. O Congresso ordenou a detenção de muitos líderes de organizações sociais e populares, incluindo Juan Baraona e Carlos H. Reyes (Bloco Popular ), Andrés Padrón (Movimento de Direitos Humanos), o líder sindicalista Luther Castillos, Rafael Alegrón (Via Campesina), assim como activistas do CCOPIH: Caesar Han, Andrés Pavón. Marvin Ponce, Salvador Zúñiga e Berta Cáceres.
Uma frente de resistência popular, reunindo sindicatos, organizações não-governamentais e políticas de esquerda, imediatamente começou a mobilizar a população contra o golpe, dezenas de milhares de pessoas invadiram as ruas da capital Tegucigalpa e de todo o país; foram brutalmente esmagados pela polícia e pelo exército. A 2 de Julho, os sindicatos convocaram uma greve geral. A 5 de Julho, com o apoio diplomático das Nações Unidas e da OEA, que suspendeu as Honduras depois do golpe, o presidente Manuel Zelaya tentou regressar a Tegucigalpa; o exército invadiu o aeroporto, ocupou a pista e impediu o avião de aterrar, abrindo fogo depois sobre os milhares de manifestantes desarmados, reunidos para receber o presidente legal, provocando mortos e feridos.
O governo Zelaya
Magnata da indústria madeireira e candidato do Partido Liberal (centro-direita), Manuel Zelaya venceu as eleições presidenciais em 2005 à frente do candidato do Partido Nacional (direita conservadora). À frente de um dos mais pobres países da América Latina (50% da população vive abaixo da linha de pobreza e a iliteracia é de 20%), desde há muito uma das "repúblicas das bananas", dominada pela United Fruit Company, confrontado com a política de restrição de ajuda e de créditos externos, Zelaya tentou reduzir a polarização social através de uma política mais atenta socialmente. Com isso, ele rapidamente perdeu o apoio da sua própria formação política e da oligarquia local, o que fez com que ele se virasse para as forças progressistas.
Entrevistado pouco antes do golpe pelo diário espanhol El País, apresentou assim a sua evolução: "o meu governo é de centro-esquerda, porque eu ponho em prática ideias liberais, mas com uma tendência socialista, social, querendo garantir os direitos dos cidadãos. Venho de fileiras bastante conservadoras, pensei que podia fazer mudanças no enquadramento neoliberal. Mas os ricos não dão um cêntimo. Os ricos não dão o seu dinheiro. Ficam com tudo para eles. Assim, logicamente, para fazer mudanças, é preciso integrar o povo. Chávez ajudou-me na crise. Procurei o seu apoio, não foi ele que me procurou. Inicialmente, havia países que se opunham, não sei porquê, Chávez é um democrata. Tem eleições todos os dias. Agora, a minha aproximação com Fidel Castro, com Hugo Chávez é aceita."1 A uma pergunta do jornalista sobre o seu isolamento dentro do aparelho de Estado, Zelaya respondeu: "É por isso que falamos de Estado burguês. E são as elites económicas que fazem o Estado burguês. São os líderes do exército, dos partidos, os tribunais, e este Estado burguês sente-se vulnerável quando se propõe que o povo tenha voz e voto. (...) Se eu sair reforçado este domingo [na consulta] [28 de Junho]... Talvez eu ganhe força em relação a estes grupos de poder e os convença. Digo-lhes que isto não é contra eles, que é um processo histórico, eles precisam cooperar... Têm de compreender que a pobreza só vai terminar quando forem os pobres que fizerem as leis."2
O governo Zelaya iniciou uma campanha de alfabetização inspirada pelos exemplos cubano e venezuelano, tentou melhorar o acesso dos pobres ao serviço de saúde, importando medicamentos genéricos e concedendo bolsas para estudar medicina em Cuba, reduziu as taxas de juros aos empréstimos dos pequenos agricultores e aumentou o salário mínimo em 60%. Graças ao acordo com a Petrocaribe, da Venezuela, conseguiu importar petróleo abaixo do preço mundial. Estas medidas minaram o monopólio das multinacionais do petróleo e da indústria farmacêutica. Denunciando o monopólio da oligarquia sobre os média, o presidente Zelaya suprimiu os subsídios de Estado aos grupos de média, provocando o seu ódio.
Na área diplomática, as Honduras entraram na Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), com Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua e Dominica ( a que se juntaram desde então São Vincente e Grenadinas, Antígua e Barbuda e Equador).
Se todas estas medidas aumentaram a sua popularidade entre as camadas pobres da população, impulsionaram também a hostilidade da oligarquia local e do aparelho de Estado, que começo a paralisar a política do governo. Esta polarização levou Zelaya a virar-se crescentemente para as massas. Tomou a iniciativa de um referendo, que deveria realizar-se em 28 de Junho de 2009, sobre a convocatória, em Novembro, nas eleições gerais, de uma Assembleia Constituinte, seguindo os exemplos da Venezuela, Bolívia e Equador. O Congresso e o Supremo Tribunal disseram que a consulta popular, que tinha apenas um carácter indicativo, era ilegal. O alto-comando do exército recusou-se a dar apoio logístico à organização desta consulta e o golpe evitou-a.
Isolamento internacional
Ao contrário das expectativas, os golpistas ficaram rapidamente isolados internacionalmente. A Assembleia Geral da ONU condenou o golpe, a OEA suspendeu as Honduras (o que nunca aconteceu a uma ditadura militar!), a maioria dos poderes imperialistas chamou os seus embaixadores. Washington, com uma grande base militar nas Honduras, suspendeu as suas relações militares com o regime Micheletti, a Venezuela suspendeu os fornecimentos de petróleo, o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento congelou os empréstimos às Honduras, o Banco Mundial suspendeu um empréstimo de 270 milhões de dólares.
Estas reacções indicam que, atolada na crise e procurando legitimidade, a burguesia mundial está preocupada acima de tudo com a polarização e a radicalização da resistência. A oligarquia hondurenha, que desencadeou o golpe, é, deste ponto de vista, apenas um cliente de segunda linha e arrisca-se a abrir uma caixa de Pandora. Se ela não pode tolerar sequer modestas reformas progressistas, o grande capital globalizado não está disposto a protegê-la a todo o custo. É tempo mais uma vez de "estabilidade", e a iniciativa dos militares hondurenhos foi condenada. A "comunidade internacional" repudia os golpistas e deixa-os encontrar uma saída.
Prefere Zelaya, que pediu que os manifestantes anti-golpe o recebessem "desarmados", frente a... forças armadas. Claro, quando o avião foi impedido de aterrar e dirigiu-se a El Salvador, ele chamou também os militares a "baixarem as armas", mas isso não evitou as primeiras mortes à bala. Porque se os soldados são para ser conquistados aos seus oficiais, para que "mudem de lado" numa situação de confronto, é preciso que haja outro lado, pronto a lutar no terreno escolhido pelo oponente. Os manifestantes contra o regime militar, apesar de numerosos, ainda não deram este passo. Os golpistas estão isolados internacionalmente, mas mantêm terreno através do poder das baionetas.
Jan Malewski é membro do Novo Partido Anticapitalista (NPA) de França, editor da Inprecor e membro do bureau executivo da Quarta Internacional.
1El Pais, 28 de Junho de 2009
2 Ibid.
O golpe de uma oligarquia dominante
13 de August 2009 - 23:00
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