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A prazo e temporário

Afinal a senhora ministra sabe que o trabalho temporário é mesmo trabalho precário.

Estatísticas divulgadas pelo Eurostat no final da semana passada revelam que Portugal é campeão na precariedade no trabalho: com 22%, é o segundo país da zona euro e o terceiro no conjunto da União Europeia com maior percentagem de vínculos laborais mediados por contratos a prazo. Não surpreende, mas actualiza (para pior) o que já sabíamos. Os comentadores de sempre apressaram-se a justificar estes valores com o estafado argumento que invoca uma suposta “rigidez” das leis laborais – mesmo que seja evidente, pelos mesmo dados do Eurostat, que é justamente nos países com elevados níveis de desemprego que a precariedade mais se impõe (na percentagem de contratos a prazo, apenas Polónia e Espanha ultrapassam Portugal, com, respectivamente, 26,5% e 25,4%).

As recentes afirmações de Helena André vão precisamente ao encontro deste debate. Segundo a ministra, basta aos patrões “utilizarem todas as possibilidades que lhes são dadas no Código do Trabalho”. Tem razão. E, como é óbvio e está à vista, eles utilizam.

Mas vale a pena recuperar outras palavras da senhora ministra, referindo-se ao trabalho temporário, justamente uma fracção importante e particularmente escandalosa do trabalho a prazo. Além de avisar que o Estado continuará a recorrer a esta forma de contratação para suprir as suas necessidades (tantas vezes permanentes), afirmou mesmo que “não sabe” se o trabalho temporário é precário, argumentando com o facto de estar enquadrado legalmente. Acompanhando a justificada indignação expressa pelo João Alexandrino Fernandes numa crónica recente – porque, além do mais, esta “dúvida” é apenas uma forma rasteira de garantir tranquilidade ao negócio das empresas de trabalho temporário – , é preciso clarificar até onde vai a hipocrisia deste Governo.

É precisamente a mesma ministra, agora assaltada pela dúvida fatal, que implementou o programa “Emprego 2010”. Ora, esta iniciativa inclui justamente uma medida de “apoio à redução da precariedade no emprego”, que consiste, entre outras, na generosa isenção do pagamento das contribuições para a Segurança Social durante 3 anos para as empresas que convertam contratos de trabalho temporário em contratos sem termo. Afinal a senhora ministra sabe que o trabalho temporário é mesmo trabalho precário – aquilo não era uma dúvida, era uma declaração de interesses.

Para lá desta aberrante cumplicidade do Partido Socialista com as empresas de trabalho temporário – a conhecida “provedoria” de Vitalino Canas é apenas a mais descarada evidência –, há infelizmente muito mais para dizer. Há hoje em Portugal centenas de milhar de pessoas a quem é roubado, com cobertura legal, metade do salário todos os meses, além de outras arbitrariedades que consolidam um negócio que aproveita as facilidades e se alimenta do desespero – muita matéria para reflectir, denunciar e intervir e à qual se há-de voltar brevemente.

Por agora, voltando ao contexto revelado pelas estatísticas, parecem preparar-se novas encenações. A precariedade, vivida por cerca de 2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras em Portugal, é um filão para os patrões, mas também um recurso sucessivo de propaganda para o Governo. Falhadas, apesar das insistências, as investidas comunicacionais na insultuosa revisão do Código do Trabalho e no Código Contributivo, o “combate à precariedade”, na versão Sócrates e Helena André, poderá ter um remake no anunciado “Pacto para o Emprego”. Mas é pouco mais que rotina para consumo imediato e restrito: já não alimentam ilusões nem apanham ninguém desprevenido. Infelizmente, deste Governo não se pode esperar que tenha a coragem de enfrentar este problema.

Sobre o/a autor(a)

Ativista da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis
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