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Por detrás do Muro
O Muro de Berlim, de cujo derrube se comemoram os vinte anos, foi construído na madrugada de 13 de Agosto de 1961. Era constituído por 66,5 km de gradeamento metálico, 302 torres de observação, 127 redes metálicas electrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para ferozes cães de guarda. Este muro provocou a morte a 80 pessoas identificadas, 112 ficaram feridas e milhares aprisionadas nas diversas tentativas de o atravessar.
A mudança da moeda na zona ocidental tem sido apontada como uma das razões que levaram os soviéticos à construção do muro. Moeda diferente exigiria fronteira controlada.
Mas não será demasiado arriscado dizer, ao arrepio da versão canónica da divisão do mundo, que o Muro de Berlim representou simbolicamente a superação da guerra fria real decorrente da corrida para marcar posições no imediato pós guerra, e o início do entendimento estratégico das duas superpotências. O Muro representa, a selagem tácita desse entendimento, o inicío da caminhada para a ultrapassagem da divisão construída no campo da ideologia mas sem real significado no campo material onde disputavam os mesmos objectivos através dos mesmos meios.
Objectivamente aí nasce, por cima da concorrência dura e por vezes violenta, a cumplicidade entre as superpotências que iria manter-se até è derrocada da URSS (os interesses não perdoam, amigos amigos negócios à parte, dividimos o mundo mas quem tiver mais força fica com o maior quinhão, a guerra é por interpostas entidades, entre nós seria o holocausto nuclear, vamos comendo o que podemos, tu daqui eu dali, não abuses, eu fico-me, etc, etc.)
John F. Kennedy, presidente dos EUA, quando soube da construção do muro terá dito simpaticamente: «A solução não é muito linda, mas é mil vezes melhor do que uma guerra»
A década de cinquenta fora palco de uma hemorragia sem precedentes: 4 milhões de alemães da RDA tinham passado para a a zona ocidental através do buraco da fechadura que era Berlim , a histórica capital da Alemanha ocupada e dividida entre as potências vencedoras da guerra, umas mais que outras.
A hemorragia que esgotava a RDA corria o risco de afogar a RFA. O Muro aparece assim como a solução ideal para a criação de um clima de estabilidade quando a situação arriscava ficar fora de controlo. A construção do muro, servindo também ao ocidente, não deixou de ser um excelente pretexto para a propaganda contra a União Soviética e não sem razão. Um ano depois, o abate do U2 norte-americano sobrevoando território soviético em missão de espionagem, permitiu a Kruchev retribuir de forma tal que o incidente chegou a ser motivo de humilhação para a Administração dos EUA.
No imediato após-guerra os soviéticos tinham como objectivo uma Alemanha unificada rodeada de Estados neutrais e desmilitarizados do Báltico até ao Adriático. Temiam que de outra forma renascesse uma Alemanha agressiva.
A apreensão da URSS quanto ao ressurgimento da Alemanha talvez possa facilmente compreender-se atentando na notícia de 7 de Setembro deste ano de 2009 no «DN»: A Alemanha da senhora Merckel, 64 anos depois do fim da guerra, e após décadas de campanha liderada por Ludwig Baumann, de 87 anos, desertor da Wehrmacht, prepara-se finalmente !!! para reabilitar e ilibar os condenados pelos tribunais militares nazis por dizerem não ao Terceiro Reich!
No próximo dia 9 de Novembro passam 20 anos sobre o derrube do Muro de Berlim. A unificação da Alemanha daí decorrente teve um grande impacto no povo alemão mas, apesar dos muitos milhões dedicados a resolver os problemas decorrentes de estilos e níveis de vida muito diferentes, consolidados durante quarenta anos, a economia capitalista não conseguiu ao fim destes vinte anos derrubar o muro existente, económico e social: o capitalismo não é muito dado a extinguir diferenças mas a mantê-las e aprofundá-las, mesmo que noutros patamares.
A queda do muro tem um significado muito especial: é a vitória da lenta, persistente e tantas vezes ignorada resistência contra a opressão; é a derrota da alienação ideológica perante a materialidade irresistível dos interesses mais profundos das sociedades e dos indivíduos. É a demonstração irrevogável de que o socialismo não pode existir sem democracia e sem a maior liberdade individual. O socialismo só pode representar a conciliação necessária e suficiente entre o progresso material, as realizações e avanços sociais e o progresso moral, o total respeito pela liberdade dos pessoas enquanto cidadãos e cidadãs e pelo ininterrupto desenvolvimento da pessoa humana
O socialismo de que se reclamava a URSS e os seus satélites não respeitava as liberdades individuais e, nessa base, violava sistematicamente os direitos humanos. A luta pelos direitos humanos estava inquinada pela utilização que o imperialismo norte-americano dava a tal conceito, e a luta pela revolução era desligada da luta pelos direitos humanos sob a pressão das potências ditas socialistas a primeira das quais era a URSS. O mundo estava apoderado pelo esquema criado em função dos parâmetros que determinavam a concepção ideológica do mundo ao serviço da disputa inter-imperialista que na realidade tinha as suas próprias regras de cumplicidade escondidas por detrás do chamado equilíbrio do terror. O confronto inter-imperialista alienou em grande parte a luta dos povos e do proletariado e reduziu -a a instrumento desse mesmo confronto.
Até chegarmos à queda do muro assistimos à luta do Solidariedade a partir de 1980 até à implantação de um regime democrático em 1990, apoiada pela igreja reaccionária e de mãos dadas com o imperialismo americano – Reagan é um semi-Deus para os polacos; em 1958 a revolução Húngara fora esmagada pelos tanques soviéticos como a Primavera de Praga em 68 e a muitas outras lutas secretas. Todas elas, quando conhecidas eram classificadas não em função do que significavam para os respectivos povos na sua luta pela liberdade e o bem estar mas de acordo com o cânone ocidental ou oriental: o mundo instrumentalmente dividido entre socialismo e capitalismo as lutas seriam a favor de um e contra o outro.
Perante os EUA enquanto potência totalmente vitoriosa, sem desgaste e em plena ascensão graças ao próprio esforço de guerra, senhor da Europa a quem se impôs pelo Plano Marshall e a NATO ao mesmo tempo que conseguia a adesão massiva dos povos europeus à “american way of life”, a URSS dominada pela clique burocrática e com a revolução extinta há décadas era incapaz de estimular a luta revolucionária no mundo. Pelo contrário submetia-a onde podia aos seus interesses nacionalistas, deixando-se enlear na corrida armamentista. Já nada tinha a acrescentar ao capitalismo dominante e ao fim de quatro décadas, os próprios povos minaram o poder criando as condições para o surgimento do reformismo de Gorbacheov.
A revolução e o socialismo tinham desaparecido dos sonhos das massas que, só já queriam ser como os ocidentais, e os americanos em particular. Não tinham ânimo nem direcções políticas capazes de dar seguimento revolucionário à paralisia reaccionária que se apoderara da sociedade sob a decadência cultural, social e económica e a brutalidade da repressão. Assim, a Glasnost e a Perestroika provocaram o retorno a uma espécie de acumulação primitiva do capital assente no crime e em esquemas mafiosos sem precedentes em todo o mundo.
O Muro de Berlim foi derrubado pacificamente em 9 de Novembro de 1989 depois de uma sessão do Parlamento ter deixado escapar que as autoridades iam abrir as comportas!
Até aí mais de oito dezenas de pessoas foram mortas e dezenas de milhar presas por quererem passar o muro que, sem sentimentalismos, nos fazia lembrar o muro do gheto de Varsóvia e, simétrica e ironicamente o muro que Israel levantou para aprisionar o povo palestiniano.
O derrube do muro foi o acto inicial da desagregação e implosão do mundo soviético que, se por um lado provocou um impacto negativo em muitos sectores políticos e operários, teve como consequência a libertação de novas energias dedicadas à compreensão do fenómeno do «socialismo real» e à rotura com o aprisionamento ideológico da revolução enquanto movimento político e social transformador e libertador.
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