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Política dos contrários

A STCP, empresa detida a 100% pelo Estado português, tem assumido a postura de uma empresa rentista e organizada para o lucro e não para a função social e para a prestação do serviço público a que está obrigada.

José Sócrates diz que a Europa é neoliberal mas ele representa a aplicação de todo o liberalismo em Portugal; a Europa quer ultrapassar a crise mas impõe a austeridade e as medidas recessivas aos povos; o Governo tenta mostrar como sua prioridade o Estado Social, mas todos percebemos que a qualidade na Saúde e na Educação não ficaram a ganhar com este mesmo Governo, ao contrário de grupos como o Mello Saúde...

Parece que cada vez mais a política destes agentes de poder tem como desígnio necessário o do absurdo da dissonância cognitiva. Isto é válido tanto a nível nacional e internacional, como a nível local ou regional.

A Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) define para si mesma uma missão: “Prestar um serviço de transporte público urbano de passageiros na Área Metropolitana do Porto (AMP), em articulação concertada com os demais operadores rodoviários, ferroviário e de metro ligeiro, contribuindo para a efectiva mobilidade das pessoas, disponibilizando uma alternativa competitiva ao transporte individual privado e gerando, pela sua actividade, benefícios sociais e ambientais num quadro de racionalidade económica e na busca da melhoria contínua do seu desempenho”. No entanto,manifesta agora a sua intenção de despedir 150 trabalhadores, qualquer coisa como 10% de toda a sua força de trabalho.

Onde fica a missão assumida para si mesma? É fácil perceber que o despedimento de 10% dos trabalhadores apenas significará uma coisa: perda de qualidade do serviço; perda de mobilidade das pessoas; perda de competitividade e alternativa para com os transpotes individuais, com todas as consequências económicas, sociais e ambientais que daqui se depreendem.

A STCP, empresa detida a 100% pelo Estado português tem assumido a postura de uma empresa rentista e organizada para o lucro e não para a função social e para a prestação do serviço público a que está obrigada.

A intenção de despedir 150 trabalhadores insere-se numa lógica de redução de trabalhadores levada a cabo há anos. Em 2006, por exemplo, a sociedade empregava 1700 trabalhadores, em 2009 eram 1500, em 2010 quer-se reduzir para os 1350. Resultado? Nestes últimos anos tem-se perdido linhas e qualidade no transporte. A área abrangida pela STCP não tem sido expandida e tem sido incapaz de formar articulação com o Metro.

Assim, a sociedade detida pelo Estado, obrigada a serviço público, tem submetido a sua política de gestão à lógica de um qualquer privado; tem decepado prioridades que deveriam traduzir-se em função social e concretizar a missão social que a própria STCP define para si. Dissonância cognitiva. O mesmo é dizer “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”.

Continuemos na terra da dissonância da STCP:

As interacções casa/trabalho na Área Metropolitana do Porto têm aumentado ao longo dos anos. Existem várias razões para que tal tenha acontecido (habitação mais barata em concelhos vizinhos do Porto; o desemprego em vários concelhos, que obrigou as pessoas a procurar emprego noutros locais que não os de habitação, etc) que não vale a pena dissecar aqui. O fenómeno objectivo é que, hoje em dia, os movimentos pendulares inter-concelhios assumiram proporções nunca antes atingidas, colocando os transportes colectivos numa posição de maior importância.

Perante isso, a STCP tem sido incapaz de alargar as suas linhas e a sua área geográfica, desfazando-se do crescimento da própria AMP. Tem, inclusivamente, reduzido os seus trabalhadores e a aposta nos serviços fornecidos por esta sociedade de transportes colectivos públicos. Não tem desenvolvido um esforço de integração inter-modal com o metro do Porto, que necessariamente tem que crescer e multiplicar linhas e paragens, o que obrigaria também a um alargamento e reforço dos transportes da STCP.

Sem esse reforço, a alternativa é o transporte próprio, que reduz a qualidade de vida, aumenta a pressão sobre o ambiente, congestiona cidades e aumenta (por via de engarrafamentos) o tempo na deslocação casa-trabalho, assim como o preço a pagar para se trabalhar. Tudo ao contrário daquilo a que a STCP se propõe em teoria. É uma política absurda de dissonância, em que a antítese se torna tese.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do trabalho através das plataformas digitais. Dirigente do Bloco de Esquerda
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