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Porque é que a recuperação em Espanha e na UE é mais lenta que nos EUA?

Existe um consenso quase total entre os estudiosos da Grande Recessão que está a afectar o mundo de que os EUA estão a sair dela mais rapidamente que a União Europeia e que é mais que provável que isso continue nos próximos anos. Os economistas neoliberais (que gozam de grandes caixas de ressonância nos maiores meios de informação e persuasão em Espanha) atribuem este facto à maior desregulação dos mercados de trabalho estadunidenses, o que explica a grande ênfase que colocam na necessidade de desregular os mercados de trabalho na União Europeia. Esta proposta de saída da crise atingiu a categoria de dogma no nosso país, onde se considera indispensável que se desregulem mais os mercados de trabalho a fim de diminuir o elevado desemprego e, com isso, sair da crise1.
Este dogma é reproduzido apesar da abundante evidência que o questiona. Na realidade, o desemprego foi historicamente mais baixo na maioria dos países da Europa que nos EUA. Durante o período 1950-1980, o desemprego da maioria de países do que mais tarde passaria a ser a União Europeia dos Quinze (UE-15) foi menor que o existente nos EUA. É só desde o estabelecimento da UE (com um Pacto de Estabilidade que limita os défices do Estado a uma percentagem do PIB menor que 3% e com juros bancários ditados pelo Banco Central Europeu, mais elevados que nos EUA) que o desemprego é maior na UE que nos EUA. Não é o grau de regulação dos mercados de trabalho que determina o nível de desemprego de um país, mas a sua taxa de crescimento económico, a qual se viu dificultada na UE pela arquitectura institucional da UE, que deu prioridade a políticas monetárias sobre políticas keynesianas de estímulo económico. E isso é consequência do enorme poder que o capital financeiro tem sobre o desenho de tal arquitectura neoliberal da UE e, muito em particular, sobre o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu2.
A resposta à profunda crise que estamos a sofrer mostra a certeza deste diagnóstico. Num artigo recente3, dois académicos, um do Chile e outro dos EUA, Esteban Pérez Caldentey e Matías Vernengo, mostram como a maioria dos países da UE-15 dedicaram muitos mais fundos a “salvar” a banca que a estimular a economia (ao contrário dos EUA, onde os fundos públicos para estimular a economia foram maiores que os dedicados a salvar os bancos). Assim, a Grã-Bretanha gastou o equivalente a 29% do seu PIB, a Alemanha 20%, a França 18%, a Espanha 14% e Portugal 6% do seu PIB a “salvar” os bancos, todas elas percentagens maiores que nos EUA (5%).
Ao contrário, a Grã-Bretanha gastou apenas 1,8% do PIB em estimular a economia, a Alemanha 3%, a França 2%, a Espanha 1,2% e Portugal 1,8%. Os EUA, no entanto, gastaram 6% do seu PIB em estimular a economia. Mas não é apenas na quantidade, mas no tipo de estímulo, onde também existem diferenças substanciais. Enquanto o estímulo económico nos EUA se acentuou muito no investimento criador de emprego (em novas energias e infra-estruturas e em serviços públicos), nos países da UE tentou-se conseguir o estímulo económico com base na redução dos impostos (cujo impacto na criação de emprego é muito menor). É esta a razão para os EUA recuperarem mais rapidamente que a UE e não a situação dos seus mercados laborais.
A nível mundial, a maior recuperação da economia está a ocorrer na China, onde o estímulo económico atinge o equivalente a 8% do seu PIB com o adicional de 80% de tal gasto ser em infra-estruturas físicas e sociais (incluindo o estabelecimento de um novo serviço sanitário nacional). O impacto multiplicador deste investimento na criação de emprego é muito elevado, como o é o estímulo estadunidense, enquanto é muito baixo no caso dos países europeus citados anteriormente.
A evidência, pois, é bastante clara e convincente de que para sair da crise a União Europeia deveria seguir políticas expansionistas, com considerável aumento da despesa pública, com o objectivo de criar emprego e estabelecer as bases de um novo tipo de crescimento económico. Este crescimento deve ir mais orientado a servir as necessidades da infra-estrutura social e económica do país, estimulando o desenvolvimento do estado de bem-estar e da economia produtiva à custa de diminuir o espaço e, sobretudo, a influência do capital financeiro, cujo poder sobre as instituições europeias é a raiz do problema no qual a UE se encontra. Tal influência explica que hoje se esteja a dar grande importância à redução do défice e da dívida pública em lugar de dar prioridade à redução do desemprego, com base na estimulação do crescimento económico.
Todos os dados apresentados neste artigo procedem da Organização Internacional do Trabalho, que enfatizou o estudo do impacto das políticas de estímulo económico na criação de emprego no seu relatório The Financial and Economic Crisis: A recent work response, publicado em Março de 2009. Existem outros relatórios, como o produzido pela organização internacional de sensibilidade neoliberal, a OCDE, que utiliza outros critérios e apresenta outros números no seu relatório Fiscal Package Accross OECD countries: Overview and Country Details, também publicado em Março de 2009. Todos estes relatórios, procedentes de sensibilidades diferentes, chegam, no entanto, à mesma conclusão: o estímulo económico foi maior nos EUA que na União Europeia. E por estímulo económico entende-se o novo investimento público gasto em estimular a economia. Vejo-me na necessidade de aclarar este ponto, pois muitos autores, ao observarem que a despesa pública é, em geral, maior nos países da União Europeia que nos EUA, concluem erroneamente que Europa provê maior estímulo económico. Estamos a falar de novos gastos e investimentos públicos. Num momento em que o sector privado está estagnado, sem produzir emprego (na realidade está a destruí-lo), é urgente e importante que seja o sector público a criar emprego com base no incremento da sua despesa pública em áreas de criação de emprego. Daí que as propostas de reduzir a despesa e o emprego públicos sejam contraproducentes. E disso deriva o atraso na recuperação económica na UE.
Artigo publicado em vnavarro.org, traduzido por Informação Alternativa
1 Um exemplo desta ortodoxia neoliberal é o artigo “Demanda, Competitividad y Ajuste Fiscal”, publicado em La Vanguardia, 06/06/2010, e escrito por David Taguas, que foi subdirector do Serviço de Estudos do BBVA e director do Gabinete Económico do primeiro-ministro Zapatero.
2 Vicenç Navarro, Não são os mercados, mas os bancos que dominam a UE.
3“How Stimulative Has Fiscal Policy Been Around the World”, Challenge, Maio/Junho 2010.
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