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BP está a restringir acesso ao estudo do poço de petroléo

Numa entrevista a Amy Goodman para “Democracy Now”, o cientista Ira Leifer, que trabalha para o Governo dos EUA, afirma que a BP está a restringir o acesso ao estudo sobre o poço de petroléo.
Uma garça-real coberta de petróleo tenta voar, mas não consegue, em Grand Isle, Luisiana, 14 de Julho de 2010. - Foto de Heisenfelt/Epa/Lusa

Quando o derramamento de petróleo pela BP entra no seu 77º dia, nós falámos com um cientista que lidera a equipa de investigadores que tentam aceder ao poço para estudar melhor o que se está a passar no local.

Ira Leifer é cientista do Flow Rate Technical Group (Grupo Técnico da Taxa de Fluxo) nomeado pelo governo dos Estados Unidos e investigador do Instituto de Ciência Marinha da Universidade da Califórnia, Santa Barbara.

Amy Goodman: Este é o 77º dia após o derramamento de petróleo pela BP e não existe ainda um fim à vista para o pior desastre ambiental da História dos EUA. Mais de 492.000.000 litros de petróleo têm sido derramados para o Golfo do México juntamente com dezenas de milhares de barris que continuam a derramar petróleo através da Deepwater Horizon diariamente. Na segunda-feira, foram encontradas, numa praia no Texas, bolas de alcatrão, a primeira prova de que o derramamento tem chegado aos estados do Golfo, atravessando 500 milhas de lista costeira passando pelo Louisiana, Mississippi, Alabama e Florida Panhandle.

Entretanto, os esforços para a limpeza estão bastante atrasados face ao que era esperado. Nos dois meses e meio desde o desastre, a BP tem retirado da superfície ou queimado apenas sessenta por cento da quantidade de petróleo que prometeu aos reguladores que conseguia remover num único dia. É mesmo verdade, o Washington Post relata que em Março, apenas algumas semanas antes do desastre, a BP entregou um relatório afirmando que tinha a capacidade de remover, da superfície, mais 490.000 barris de petróleo diariamente, na eventualidade de um grande derramamento. O relatório não foi questionado pelas autoridades federais. À semelhança de segunda-feira, as operações de remoção têm contabilizado em média menos de 900 barris por dia e à medida que o desastre se vai agravando, novas restrições têm sido impostas à imprensa.

A Guarda Costeira tem anunciado novas regras para impedir o público, incluindo fotógrafos e jornalistas que se encontram a realizar reportagens sobre o derramamento, de se aproximarem a cerca de 20 metros de distância de qualquer embarcação ou botalós que se encontrem na água ou nas praias. Os prevaricadores podem enfrentar uma multa superior a 40.000 dólares e uma acusação criminal. De modo a chegar perto desses 20 metros, a imprensa deve solicitar uma permissão directamente ao Capitão da Guarda Costeira do porto de New Orleans. Junta-se a nós, neste momento, um cientista que lidera a equipa de investigadores que tentam obter acesso ao poço para estudar melhor o que está a decorrer no local.

O congressista Ed Markey escreveu uma carta à BP, o mês passado, solicitando que a empresa concedesse um acesso em segurança para o local do poço e apoio financeiro total, no entanto, não obteve qualquer resposta por parte da BP. O Dr. Ira Leifer é o cientista que lidera a missão de investigação proposta designada de "Profundo Derramamento 2". Ele pertence também ao Grupo Técnico da Taxa de Fluxo nomeado pelo Governo. É um investigador no Instituto de Ciência Marinha da Universidade da Califórnia, Santa Barbara, que se junta agora a nós pelo telefone, Dr. Leifer, bem-vindo ao Democracy Now!. Explique-nos o que está a pedir e o que ainda não obteve.

Dr. Ira Leifer: Bom, Amy, há 10 anos atrás, decorria uma experiência nas águas gélidas norueguesas do Árctico com o objectivo de saber para onde se deslocava o petróleo e devido ao seu pequeno alcance, não foi efectiva. Não aprendemos a partir dessa fonte o que precisávamos de saber neste momento para tentar perceber para onde o petróleo se está a deslocar desde o derramamento de Macondo. Nós não sabemos, estamos a procurar no escuro. O Profundo Derramamento 2, esta experiência que eu propus e criei e para a qual juntei a equipa de cientistas para investigar, está a tentar compreender as hipóteses dadas pela ciência sobre para onde o petróleo se desloca na coluna de água de forma a podermos efectivamente partir e dar resposta a isso. E em parte, por agora, devemos perceber qual o seu efeito no ecossistema, mas em grande medida quais os efeitos para o futuro e para a próxima geração, de modo a que num futuro derramamento de petróleo não estejamos a investigar no escuro para onde se desloca o petróleo mas que tenhamos sim uma ideia concreta e possamos dar respostas apropriadas.

Amy Goodman: Qual tem sido a resposta da BP?

Dr. Ira Leifer: Tem sido o silêncio. Levámos a cabo esta experimentação, temos literalmente séculos de experiência no terreno por parte de investigadores reputados em todo o mundo como Miriam Kastner e Rick Koff e Vern Asper, e não obtivemos qualquer resposta por parte da BP, tal como aconteceu com outros investigadores que conheço que estão a tentar fazer investigação, e que se sentem eles próprios impedidos de aprender o que precisamos de saber para solucionarmos este derramamento de forma segura.

Amy Goodman: Na sua opinião qual a quantidade de petróleo que está a ser derramada deste poço?

Dr. Ira Leifer: A equipa da taxa de fluxo irá divulgar os seus números, julgo eu, no final desta semana e não serão exagerados. No entanto, o grande problema não se trata da quantidade de petróleo que está a ser derramada, mas sim para onde se desloca, que partes do ecossistema está a atacar. É como um cancro que está a espalhar-se pelo corpo do paciente. O ecossistema pode não estar morto ainda, mas corre um sério risco e por vezes os pacientes morrem de uma simples pneumonia. Neste caso, pode surgir uma grande tempestade e a minha maior preocupação é com o facto de não sabermos para onde se desloca o petróleo e onde irá permanecer. Nessa altura, esta rede complexa e o tecido que é a vida no Golfo do México poderá ser destruído. Por exemplo, se o peixe que as águias consomem, mas as quais nunca foram tocadas pelo petróleo, desaparecer, elas morrerão também. Necessitamos de saber realmente o que se está a passar e a ciência não está a contribuir, pois na minha opinião e na de muitos colegas meus, a BP está a bloqueá-la.

Amy Goodman: Porque necessitam de solicitar a permissão da BP? Quem é que é o responsável aqui? Vocês trabalham para o Governo. Estão a trabalhar com eles.

Dr. Ira Leifer: No meu ponto de vista, a BP ainda é responsável pelo acesso ao local do poço, tal como é tudo pouco claro no que diz respeito ao financiamento e apoio à ciência para tentar perceber o que está a acontecer. A BP causou este acidente e por isso existe uma opinião de que eles devem fornecer e apoiar de facto os meios efectivos para tentar perceber este acidente e minimizar os seus estragos. E em vez disso, eles parecem mais preocupados com os lucros a longo prazo do que com a saúde ambiental a longo prazo.

Amy Goodman: Não estão a conseguir obter a permissão para realizar este estudo mas isto, parece-me, é uma crítica não apenas à BP, mas também ao Governo dos EUA que permite que esta situação continue. Mas também os repórteres, jornalistas, fotógrafos que estão a tentar documentar esta situação podem ser agora acusados criminalmente caso ultrapassem os 20 metros de qualquer local, ainda que seja apenas para fotografar uma ave coberta de petróleo?

Dr. Ira Leifer: De facto, não consigo perceber isso, não faz qualquer sentido para mim. Onde existem questões evidentes de segurança, efectivamente existe algum problema. Mas aqui em Santa Barbara, temos petróleo, e as pessoas trabalham à volta dele e fotografam-no, e por aí em diante. Enquanto cientista, a minha preocupação é trabalharmos com a ciência e todos têm a ganhar, caso contrário, estamos a causar prejuízos à humanidade. Isso é simplesmente indesculpável, pois se não aplicarmos a ciência e se ninguém aprender com esta horrível catástrofe para nos prepararmos para uma catástrofe futura – para mim isso é indesculpável – desta forma, eu e os meus colegas, estamos a tentar fazer tudo o que podemos para assegurar que podemos aprender bastante sobre isto. E eu incluiria uma corrente livre e justa de informação, já que pelo facto dos repórteres terem acesso é parte do processo de aprendizagem da sociedade, de modo a que, em caso de acidentes futuros, nós possamos efectivamente dar resposta de forma inteligente e não com várias suposições desconhecidas e apenas esbracejando e tentando esperar que as coisas se resolvam.

Amy Goodman: Portanto a BP não quer que os estudem, mas o que conseguiram até então com o Governo dos EUA – uma vez que trabalham com o Governo dos EUA – de modo a obter acessos?

Dr. Ira Leifer: Da minha parte, organizei esta experiência e tenho partilhado isso com os membros do Grupo Técnico da Taxa de Fluxo e com outras pessoas do Governo, esperando obter o aval para levar a cabo esta experiência. Enquanto cientista, posso fazer apenas propostas sobre o que fazer e tentar partilhar quais podem ser os nossos esforços com o público através de iniciativas como a do "Democracy Now!"

Amy Goodman: Dr. Leifer, pensa que a perfuração de petróleo na linha costeira deveria acabar?

Dr. Ira Leifer: Num mundo ideal, eu defenderia essa opção, mas a minha preocupação está relacionada com a nossa importação de petróleo e se deixarmos de produzi-lo dentro dos EUA, virão maiores quantidades da Nigéria, onde ninguém resolve qualquer questão ou acidente e os activistas escasseiam. Por isso, o que não apoio é transmitir a nossa incapacidade de regulamentar com segurança a exploração em alto mar ao mundo em desenvolvimento, o qual não tem os recursos e a estrutura legal para lidar com essa questão. Penso que devemos olhar para países como a Noruega, na Europa do Norte, onde têm levado a cabo com sucesso tentativas de controlar e assegurar que a indústria explore o petróleo em segurança, e devemos olhar nessa direcção. Na minha opinião, o mais importante é sabermos que usamos o petróleo e devemos assegurar que produzimos todo o nosso petróleo em segurança e não transferir essa responsabilidade ao mundo em desenvolvimento.

Amy Goodman: Queria ainda colocar-lhe uma questão acerca deste relatório que foi recentemente divulgado, os esforços de limpeza estão muito atrasados relativamente ao que era esperado. A BP tem retirado da superfície ou queimado apenas sessenta por cento da quantidade de petróleo que prometeu aos reguladores que conseguia remover num único dia. O Washington Post relata, novamente, que em Março, apenas algumas semanas antes do desastre, a BP entregou um relatório afirmando que tinha a capacidade para remover da superfície mais 490.000 barris de petróleo diariamente na eventualidade de um grande derramamento. O relatório não foi questionado pelas autoridades federais. À semelhança de segunda-feira, as operações de remoção têm contabilizado em media menos de 900 barris por dia.

Dr. Ira Leifer: Na minha opinião estamos perante o facto de que o investimento na segurança não tem sido feito ao longo da última década. As embarcações de remoção não estão disponíveis, são insuficientes. Não tem existido um desenvolvimento das capacidades de recuperação do petróleo e, desta forma, o relatório sublinha as nossas esperanças, em vez das estratégias de investimento a longo prazo. Colaborei também com cientistas da Noruega, onde existe muito mais apoio estatal para este tipo de investigação e existe um programa contínuo para assegurar que as companhias petrolíferas têm à sua disposição a tecnologia mais avançada, sistemas efectivos de contenção que possam ser distribuídos, e por aí em diante, de forma a dar respostas a um derramamento de petróleo. E em vez disso, parece que isso tem sido deixado a cargo da indústria ao longo das últimas décadas e a indústria tem maximizado os seus lucros e não tem acompanhado o investimento em caso de acidentes.

Amy Goodman: O Presidente Clinton entre outros têm defendido que se deveria bombear o poço de petróleo. Qual a sua opinião, Dr. Leifer?

Dr. Ira Leifer: Na minha opinião em certas circunstâncias, em determinados casos, esta pode ser uma boa ideia, mas neste caso em particular não sabemos. A ciência não tem sido aplicada e estou bastante preocupado e quase assustado, pode dizer-se, que esse plano, de bombear o poço de petróleo, possa fracturar o fundo do mar e permitir que aquilo que é um problema de engenharia, se converta num sistema natural onde o petróleo surja a partir de milhares de milhões de caminhos desde o fundo do mar até ao oceano. Nesse caso, os mil milhões de barris existentes neste reservatório seriam expelidos e nada os poderia parar, até ao oceano. Poderia expelir como está a expelir há décadas e em vez de praias teríamos pavimentações. E penso que o risco é extremamente grande e a única forma de sabermos se tem algum sentido é aplicar efectivamente a ciência, de forma a compreender o que está a passar e a ciência não tem claramente sido aplicada. E dessa forma, não poderia recomendar, de consciência tranquila, que essa pudesse ser uma boa solução.

Amy Goodman: Quero agradecer a sua presença, Dr. Ira Leifer, cientista do Grupo Técnico da Taxa de Fluxo, nomeado pelo Governo e investigador do Instituto de Ciência Marinha da Universidade da Califórnia, Santa Barbara. Iremos associar-nos à sua carta que solicita à BP que possam estudar o local do poço.

Publicado em democracynow.org

Tradução de Sara Vicente para esquerda.net

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