You are here

Marisa Matias: "Ser realista é, neste cenário, ser exigente"

Qual será o papel do Parlamento Europeu nas negociações a acontecer na Cimeira de Copenhaga?

O Parlamento Europeu, a par das restantes instituições europeias, terá um papel muito importante na Cimeira de Copenhaga. A União Europeia chega a Copenhaga com uma proposta que, até ao momento, é a mais ambiciosa de todas. Apesar das várias limitações, nomeadamente pela a sua excessiva vinculação aos mecanismos de mercado, de que é exemplo o sistema de compra e de venda de emissões de carbono, representa o compromisso mais exigente entre todas as posições que têm vindo a público. A procura de um acordo jurídico vinculativo, a luta pela redução de emissões em 30% até 2020 (embora devessemos ter ido até aos 40% de redução), uma estratégia para a adopção de medidas de adaptação e mitigação não só nos países industrializados mas também nas economias emergentes e no resto do mundo são, desde logo, apostas fundamentais. Falta, contudo, ainda uma grande parte do essencial: a definição clara e rigorosa dos mecanismos de financiamento das medidas de combate às alterações climáticas, sobretudo no que diz respeito à adaptação dos países em desenvolvimento e o modelo de governação adequado. Dito isto, há um elemento importante que quero deixar claro. O facto de a Europa chegar a Copenhaga com uma das propostas mais ambiciosas não pode dispensar que o acordo a que se chegue resulte de uma participação efectiva de todas as partes envolvidas. Não podemos aceitar uma solução que resulte de um processo de discussão em que uma parte do mundo diz ao resto do mundo como e quando é que se faz. Sem um envolvimento concreto de todos os países nesta negociação, sem transparência e um processo democrático forte qualquer solução encontrada será sempre fraca. Um acordo que se quer global, não pode assentar na existência de líderes 'naturais'. O importante é salvaguardar que este problema não fica, mais uma vez, adiado e assumir uma posição forte e exigente.

Considera que será possível alcançar um compromisso internacional nesta matéria? O acordo alcançado será já o sucessor do Protocolo de Quioto ou terá de ser acordada nova data para a conclusão das negociações?

Mesmo antes de chegarmos a Copenhaga já se fala na necessidade de 'várias fases' de acordo, com adiamentos para a reunião de Bona, em Junho de 2010, ou para a Conferência do México. Há evidentemente áreas que não podem ficar resolvidas em Copenhaga e que terão de ser tratadas posteriormente, isso faz parte do processo. Contudo, nenhuma dessas questões deve impedir ou servir de desculpa para que não se chegue a um acordo global. O Protocolo de Quioto entrou em vigor muito tardiamente e com muitas excepções, entre elas a ausência de ratificação da maior potência mundial, os Estados Unidos. Nesta matéria, não podemos andar sempre a fingir que partimos da 'hora zero' da história. Não há tempo nem justificação que sustentem os sucessivos adiamentos. Copenhaga será um enorme falhanço se não se conseguir, pelo menos, um acordo vinculativo e global nesta matéria. Os impactos das alterações climáticas estão à vista de todos e os custos da não acção são francamente superiores à opção por avançar de uma vez por todas com esse acordo. Levanta-se sistematicamente o problema do financiamento, mas esse financiamento, por muito avultado que possa parecer, em nada é comparável aos montantes que foram disponibilizados em tempo record para salvar bancos à beira da falência e responder à crise do sistema financeiro. Mais uma vez, o que está aqui verdadeiramente em jogo é uma questão de vontade política e nada mais.

A Europa propõe que desta cimeira saia um compromisso para a redução de 30% das emissões com efeito estufa até 2020. É um objectivo realista, tendo em conta tantos interesses divergentes nesta matéria, tanto dos EUA - cuja proposta sugere um corte de apenas 17% - como da China e da Índia?

Quando o Protocolo de Quioto foi definido o mundo era muito diferente do que é agora. Se na altura não se colocava o problema da China e da Índia como hoje se coloca é porque na altura (1997) nem a Índia nem a China representavam o que representam hoje na economia mundial. Esta questão coloca-se agora e deve ser tida em conta seriamente. Quando nos reportamos a uma redução de 30%, os valores de base são relativos a 1990. Já o caso dos Estados Unidos é completamente diferente. Hoje estamos nesta situação que nos obriga a uma resposta urgente e é importante ter sempre em mente quem nos trouxe até ela. As responsabilidades neste domínio são muito diferenciadas. Os países industrializados têm que saber assumir a factura que lhes deve ser atribuída nesta matéria. O ideal seria que os países industrializados se comprometessem com uma redução de 40% das emissões com efeito de estufa. Hoje é claro que as economias emergentes precisam igualmente de ter uma acção forte para combater as alterações climáticas. Num cenário como este que enfrentamos, os países industrializados precisam de providenciar não apenas o necessário apoio financeiro como o apoio técnico. Mas, como referi antes, nada disto pode ser feito se se partir de uma base em que não há lugar a uma negociação democrática. Se é um objectivo realista? Sem dúvida nenhuma que o é. Pode e deve ser claro. É realista na medida em que estamos a lidar com a sobrevivência do planeta e na medida em que os montantes envolvidos, como também já referi, são pequenos quando comparados com os que têm servido para responder a outras 'urgências' de natureza económica. Ser realista passa ainda pela diversificação das fontes de produção e distribuição energética, pela adopção de modelos que não dependam exclusivamente das opções disponíveis numa lógica de mercado, pela preservação dos ecossistemas e pelo reconhecimento que não podemos traçar outro caminho senão o da justiça climática, que é no fundo um dos caminhos da justiça social. Não podemos aceitar um modelo em que uns pagam sempre mais do que outros. Ser realista é, neste cenário, ser exigente. Manter o patamar no mínimo denominador comum é ser não só irrealista como irresponsável. Assim haja vontade política e não haverá nenhum impedimento para que não se chegue a um acordo em Copenhaga.

(...)

Neste dossier:

Cimeira de Copenhaga

De 7 a 18 de Dezembro, os olhos do planeta viram-se para Copenhaga. Neste dossier, destacamos as actividades dos movimentos sociais à margem da cimeira e revelamos as consequências do mercado de emissões de carbono e da irresponsabilidade do governo português. Leia também as opiniões de Naomi Klein, Marisa Matias e Boaventura de Sousa Santos, a declaração do Partido da Esquerda Europeia e a resposta de George Monbiot aos teóricos da conspiração "anti-aquecimentista". Para além da selecção de videoclips de combate às alterações climáticas, publicamos os fundamentos da alternativa ecosocialista, entre outros conteúdos. Acompanhe também o Diário de Copenhaga e as notícias da cimeira.

Marisa Matias: "Ser realista é, neste cenário, ser exigente"

A eurodeputada bloquista Marisa Matias vai a Copenhaga integrada na delegação oficial do Parlamento Europeu e é uma das convidadas para o Klimaforum, a cimeira paralela dos movimentos sociais, onde apresentará uma conferência sobre alternativas não-capitalistas às alterações climáticas. Nesta entrevista à newsletter do Gabinete do PE em Portugal, Marisa Matias defendeu que no combate às alterações climáticas "não podemos andar sempre a fingir que partimos da 'hora zero' da história".

A Ordem dos Cavaleiros do Carbono

A publicação na internet de milhares de emails internos roubados aos servidores da Unidade de Investigação Climática da Universidade de East Anglia mostraram a animosidade de alguns cientistas em relação aos "cépticos" do aquecimento global. Nos dias que se seguiram, tornaram-se mesmo no principal argumento destes últimos para atacar as propostas que o movimento pela justiça climática leva a Copenhaga. Neste artigo, George Monbiot responde aos que vêem nas alterações climáticas uma conspiração global da comunidade científica.

Sentir a respiração do planeta

O site Breathing Earth dá-nos a oportunidade de assistir a uma simulação em tempo real das emissões de CO2 de cada país no mundo, bem como as suas taxas de nascimento e morte. Passe o rato sobre o mapa de cada país para conhecer os respectivos dados.

Copenhaga, 2049

A Rede Internacional Ecosocialista apanhou a máquina do tempo de H.G. Wells e relata-nos o diálogo à beira-mar entre uma avó e o seu neto, não muito longe da cidade submersa de Copenhaga...

Ecosocialismo e planeamento democrático

O que é o ecosocialismo? "Fundado nos argumentos básicos do movimento ecologista e da crítica marxista da economia política, esta síntese dialéctica - tentada por um vasto espectro de autores, de André Gorz (nos seus primeiros escritos) a Elmar Altvater, James O’Connor, Joel Kovel e John Bellamy Foster – é ao mesmo tempo uma crítica da “ecologia de mercado”, que não desafia o sistema capitalista, e do “socialismo produtivista”, que ignora a questão dos limites naturais". Artigo de Michael Löwy, publicado na revista Vírus.

Vídeos de combate às alterações climáticas

A caminho de Copenhaga, são muitas as organizações e colectivos que aproveitam a internet para passar a mensagem através de vídeos e spots de propaganda, simples e directos. Veja aqui a selecção do esquerda.net para este dossier.

Biblioteca do mercado de carbono

Estão disponíveis na internet alguns documentos interessantes que explicam o funcionamento e as consequências do mercado de carbono. O esquerda.net seleccionou para este dossier alguns e-books de referência (disponíveis apenas em inglês): "Mercado de carbono: Como funciona e porque não funciona", "A Verdade Mais Inconveniente de Todas", "Uma Obsessão Perigosa", "Contornos da Justiça Climática", "A economia política do mercado de carbono" e a banda desenhada "O Supermercado do Carbono - o teu futuro à venda".

Outros mundos são possíveis

Em vez duma grande solução global para as alterações climáticas, um relatório do International Institute for Environment and Development e da New Economics Foundation afirma que a saída está em projetos locais e em novos modelos de desenvolvimento, que valorizem mais as pessoas que o crescimento económico. Artigo Envolverde/Carbono Brasil

De Copenhaga a Yasuní

Como já se previra, a próxima Conferência da ONU sobre a Mudança Climática, a realizar em Copenhaga de 7 a 18 de Dezembro, será um fracasso que os políticos irão tentar disfarçar com recurso a vários códigos semânticos como “acordo político”, “passo importante na direcção certa”. O fracasso reside em que, ao contrário dos compromissos assumidos nas reuniões anteriores, não serão adoptadas em Copenhaga metas legalmente obrigatórias para a redução das emissões dos gases responsáveis pelo aquecimento global cujos perigos para a sobrevivência do planeta estão hoje suficientemente demonstrados para que o princípio da precaução deva ser accionado. Artigo de Boaventura de Sousa Santos

Copenhaga: Seattle está a crescer

Há dias, recebi uma cópia de pré-publicação de A Batalha da História da Batalha de Seattle, de David Solnit e Rebecca Solnit. Deve sair do prelo dez anos após uma coligação histórica de activistas ter impedido a cimeira da Organização Mundial do Comercio em Seattle, tendo sido a faísca que deu início a um movimento global anti- corporativo. Artigo de Naomi Klein

China: compromisso pouco ambicioso, porém seguro

China e Estados Unidos lutam para ter um papel protagonista na cimeira sobre mudança climática que acontecerá em menos de duas semanas em Copenhaga mediante anúncios de redução de emissões contaminantes que para esses países será um grande desafio. Artigo de Antoaneta Bezlova, da IPS News.

Documentário: Quem fica a perder na compensação de emissões

Para compreender melhor alguns dos efeitos perversos do mercado de emissões de carbono, nada melhor que ver as consequências no terreno de alguns projectos de compensação de emissões. Os dois documentários que seleccionámos, legendados em português, mostram dois casos concretos, no Uganda e no Brasil. Veja também a animação "A História do Mercado de Emissões", dos mesmos autores do popular vídeo "The Story of Stuff". 

Entrevista a Cristian Dominguez, representante da Bolívia na COP-15

A Bolívia faz questão de levar a Copenhaga uma agenda ambiental de ruptura com o modelo dominante. Evo Morales propõe um tribunal para a justiça climática e os direitos indígenas e os nove países da ALBA apelam aos países desenvolvidos para que reconheçam a "dívida climática" acumulada pelo seu historial de emissões de carbono. A Bristol Indymedia entrevistou o representante boliviano à cimeira de Copenhaga, Cristian Dominguez, da Confederação dos Camponeses Bolivianos.  

Parem as Alterações Climáticas! Justiça Ambiental e Social Já!

Além da crise económica, financeira e social, existe ainda um outra que estamos a viver: a crise ecológica. O Partido da Esquerda Europeia (PEE) sublinha que a crise ecológica tem já um impacto dramático hoje em dia e que, provavelmente, adquirirá uma dimensão catastrófica num futuro próximo. Declaração do Partido da Esquerda Europeia.

Carbono: democracia ou mercado?

Nas vésperas da Cimeira do Clima de Copenhaga é necessário perceber o que ganhou a Humanidade e o Planeta com o comércio de emissões instituído em Quioto. Artigo de Nelson Peralta

A irresponsabilidade climática dos Governos de Sócrates

Dados oficiais dizem-nos aquilo que já há muito tempo sabemos: Portugal está acima da meta a que se comprometeu no âmbito do Protocolo de Quioto. Artigo de Rita Calvário

Os movimentos sociais rumo a Copenhaga

Na cimeira de Copenhaga, espera-se que milhares de activistas de todo o mundo se juntem em torno de um turbilhão de actividades paralelas. Enquanto os líderes dos governos de todo o mundo discutem um acordo para substituir Quioto, os movimentos sociais vão marcar a sua presença, ocupando as ruas com protestos ou pressionando directamente os negociadores. Mas o que são estes movimentos, de onde vêem e o que defendem? Podemos começar por responder a esta questão vendo o que os une. Artigo de Ricardo Coelho

Obama leva pouca coisa a Copenhaga

A redução de emissões contaminantes que vai propor na cimeira sobre alterações climáticas será inferior à recomendada por especialistas. Artigo de Matthew Berger, da IPS