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Fundação das Comunicações Móveis: Clima de favorecimento

Os trabalhos desta Comissão Inquérito permitiram identificar a ligeireza com que as contrapartidas do concurso UMTS foram consideradas. Essa ligeireza é bem visível quando nenhuma entidade, em todas as audições que realizamos, foi capaz de indicar o valor total que foi considerado no concurso. Apenas se conclui que seria superior a 1.300 milhões de euros. Estes 1.300 milhões deveriam ser usados em projectos em prol da Sociedade da Informação. Nas audições desencadeadas, constatamos como é incompreensível a forma como são avaliadas as contrapartidas no concurso UMTS, dado os elevados montantes que estão envolvidos e a falta de rigor da avaliação. Se juntarmos a este facto, um perdão de 300 milhões de euros às operadoras do então ministro Carlos Tavares, percebemos que esta matéria deveria ter ficado cabalmente esclarecida.

A primeira nota que realço é a da coligação negativa que PS e PSD criaram para impedir que a Comissão de Inquérito averiguasse a execução da totalidade das contrapartidas. Este era um dos pontos referidos no documento de criação da Comissão de Inquérito, aprovada neste plenário, também por estes partidos. O seu não cumprimento impediu que fosse analisada a execução de cerca de 900 milhões de euros.

A segunda nota é referente à gestão do programa e.escola. Desde o seu início em 2007, permite identificar muitas más práticas que deveriam ser corrigidas na acção do Estado. O início deste programa impediu a criação de ambiente de igualdade entre todos os fornecedores. Aliás, esta desigualdade dificultou a presença de empresas nacionais entre os fornecedores, com a consequente perda de valor para a nossa economia.

A gestão de todo o programa é outra das questões que merecem enormes críticas. Estamos perante todo um império da informalidade, onde os diversos programas que constituem o e.escola são colocados em acção sem que os contractos que os balizam tenham sido assinados. São distribuídos computadores nas escolas sem qualquer clarificação contratual das obrigações do Estado e das operadoras. Aliás, até à criação da Fundação para as Comunicações Móveis, todo o processo do e.escola é gerido pela Entidade Gestora do Fundo para a Sociedade de Informação, fundo este que nunca foi activado nem capitalizado.

A prática é que ditava as regras que posteriormente eram convertidas para contracto, ilustrando uma forma de trabalho completamente discricionária e potencialmente lesiva dos interesses públicos.

A terceira nota decorre desta prática, que potenciou a criação de novos espaços de dominação da Microsoft. Contra todas as práticas que até à altura existiam no Ministério da Educação, os programas dos primeiros computadores distribuídos não incluíram software livre. Este foi um enorme negócio para a Microsoft, que conseguiu, sem qualquer concurso público, um encaixe financeiro superior a 8 milhões de euros. Acresce que não foi por acaso que tal aconteceu, dado que foi o próprio Governo quem entrou em contacto com a Microsoft, como foi reconhecido pelo Eng. Mário Lino.

A formalização de acordos com a Intel também reflecte a situação privilegiada desta empresa face aos outros fornecedores. Não será de estranhar, por isso, que todos os computadores do programa e.escola tenham tecnologia da Intel.

Uma quarta nota é a inoperância da Fundação para as Comunicações Móveis (FCM). O insistente atraso na publicação e aprovação dos seus documentos oficiais (planos de actividades, relatórios de contas, etc.) ilustram a desadequação dos processos de funcionamento da Fundação. A incapacidade de validar em tempo útil a informação indicada pelas operadoras reforça esta opinião.

A FCM foi criada por iniciativa governamental e é gerida sob a alçada do Ministério das Obras Públicas. O Governo é, portanto, o principal responsável pela inadequação do modelo de funcionamento adoptado e pelos consecutivos atrasos.

É responsável, também, pela criação de um clima de favorecimento à J. P. Sá Couto. Esta empresa criou um computador destinado a crianças depois de reuniões informais com responsáveis ministeriais, onde foi avançada a hipótese de ser criado um programa de distribuição de computadores pelos alunos do 1º ciclo do ensino básico; O Governo preparou um programa de distribuição de computadores pelos alunos do 1º ciclo (e.escolinha); E a apresentação de computador e programa decorre no mesmo espaço, que tinha sido alugado pelo Governo.

Foi o próprio Governo quem convidou as operadoras a estarem presentes e a assinatura do Acordo de Princípios para a criação do programa e.escolinha ocorreu no púlpito onde o computador Magalhães estava exposto!

Um programa governamental, um computador, uma empresa: o sonho de qualquer empresário.

Acresce que foi o Governo a custear mais de 60% do programa e.escolinha (cerca de 50 milhões de euros), através da Acção Social Escolar.

Esta é uma história de informalidade e de incumprimento para com os preceitos da contratação pública. Quando não se seguem as regras, criam-se climas de favorecimento. E essa foi a prática do Governo, que esta Comissão de Inquérito apurou, e que o Bloco de Esquerda condena.

Declaração em plenário da Assembleia da República em 14 de Julho de 2010

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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