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Política de saúde: 2009, a gripe A contagiou o governo
Ao longo de 2009, a gripe A concentrou a atenção dos portugueses e dos noticiários sobre saúde. A ministra da saúde e, de uma forma geral, todos os restantes responsáveis do ministério, cavalgaram tanto quanto puderam as múltiplas incidências da gripe A.
Períodos houve em que, diariamente, os portugueses ouviram a ministra a discorrer sobre os mais variados pormenores em torno da gripe e que, hoje, passados alguns meses e com a epidemia instalada, se revelam exactamente naquilo que eram: informações irrelevantes, minudências que nada trouxeram à pedagogia necessária para a prevenção e combate à gripe. As taxas de vacinação, abaixo das previsões e necessidades, revelam o insucesso de uma política que se fixou excessivamente na super mediatização televisiva.
Enquanto ministra e gripe A caminhavam como um par de namorados, os problemas do SNS e da saúde dos portugueses passaram para um segundo plano, desvalorização muito vantajosa em ano de tantas eleições.
Por isso escolho como acontecimento do ano o enceramento pela segurança social de um lar para onde tinham sido transferidos mais de quarenta doentes mentais, há muitos anos internados nos dois hospitais psiquiátricos de Lisboa e que uma precipitada reforma da saúde mental "atirou" (desinstitucionalizou, dirão os mandantes dessa reforma) para condições infra-humanas de existência.
Este caso, reúne tudo o que de pior existe na política de saúde actual: insensibilidade, desumanização, degradação da qualidade, gestão pelos custos e não pelos resultados para os doentes. E, claro, muita irresponsabilidade dos responsáveis, mais preocupados com a promoção publicitária das suas reformas do que em trabalhar para vencer as exigências e dificuldades próprias de qualquer mudança nos serviços de saúde. E, tudo isto, sem que se tivesse ouvido uma só palavra da ministra da saúde... Aliás, ainda há dias, a ministra confessava desconhecer para onde foram enviados esses doentes quando fecharam o lar.
Em 2009, a política de saúde foi mais do mesmo: sub-financiamento, baixos orçamentos, cortes sem critério nas despesas, menos qualidade, falta de profissionais, acesso mais difícil. O SNS continuou a perder capacidade de resposta às necessidades da população.
A reforma dos cuidados primários abrandou e burocratizou-se com o agrupamento dos centros de saúde, continuando a existir mais de meio milhão de portugueses sem médico de família. O governo mais uma vez falhou a meta anunciada de 250 USF até ao fim do ano. E, em vez de reconhecer que a reforma estagnou e tomar medidas para que ela avance, o governo refugia-se em novas metas e promessas, desta vez, USF em todo o país mas em... 2013.
A rede de cuidados continuados - absolutamente indispensável ao país, cresce em camas mas desce em qualidade, o acesso é difícil e burocratizado, as unidades não se diferenciam em função dos diferentes doentes que as procuram. Os cuidados paliativos continuam esquecidos como parentes pobres da rede. As unidades para doentes mentais não saíram do papel.
2009, um ano de estagnação. E, não só nos cuidados primários e continuados: PMA, reforma da saúde mental, reorganização da rede oncológica, centro materno-infantil do norte, novos hospitais, promoção dos genéricos, medicamentos mais baratos, medicinas não convencionais, listas de espera, acesso a tempo e horas, fixação e atracção de médicos e outros profissionais do SNS - o que sobrou em propaganda faltou em resultados.
O que não deixou de avançar foram os negócios, as PPP (parcerias público-privadas). Nisso, o governo foi atento, pronto e generoso e não deixou de fora nenhum grande grupo financeiro. Houve e há parcerias para todos: para o BES, para os Mellos e até para a CGD. Não fosse ter falido e, também, o BPN teria sido contemplado. Cascais e Braga em construção, Loures e Vila Franca a começar. 2009 foi um grande ano para aqueles bancos. Deve ter sido para os compensar da crise financeira internacional...
2009 foi também o ano de entrada em vigor da Carta dos direitos dos utentes do SNS, projecto do BE aprovado pelo parlamento. Entrou em vigor mas pouco se deu por isso: hospitais e centros de saúde, na maior parte dos casos, não definiram nem cumprem os tempos máximos para marcação e realização de consultas, exames e cirurgias, perante a passividade e desinteresse do governo.
O mesmo aconteceu com outro projecto do Bloco, igualmente aprovado pela Assembleia da República: o acompanhamento dos doentes nos serviços de urgência.
Ambos são importantes instrumentos de mudança na vida e na forma de funcionar dos serviços de saúde, no sentido de uma gestão mais centrada no respeito pelos utentes, pelos seus direitos e necessidades, pela qualidade e a humanização.
Contra a estagnação da política governamental, 2010 pode ser o ano de alcançar e consolidar essa mudança. Cabe aos cidadãos lutar por ela. E, nesse combate, o Bloco tem uma palavra a dizer.
Dezembro de 2009
João Semedo
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