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2010: o ano do princípio do fim
A primeira década do século XXI ficará indelevelmente marcada pelo brutal aumento da precariedade laboral sob as mais diversas formas mas também, sobretudo nos últimos três anos, pelo surgimento de alguns movimentos organizados que se propõem lutar contra uma das faces mais evidentes do retrocesso histórico a que vimos assistindo à medida que avança a famigerada globalização.
Assim, o ano de 2007 viu nascer em Portugal o movimento FERVE (Fartos d’Estes Recibos Verdes) e os Precários-Inflexíveis, ambos simultaneamente fruto e raiz da primeira edição do MayDay, a parada de trabalhadores precários que vem juntando todos os dias 1° de Maio cada vez mais gente em cada vez mais cidades do mundo. Em 2006 havia surgido a plataforma dos Intermitentes do Espectáculo. Também os bolseiros de investigação formaram uma associação, a ABIC, especialmente vocacionada para defender os interesses daqueles que no nosso país asseguram o progresso da ciência mas não são considerados como trabalhadores de plenos direitos.
Aliás, bem feitas as contas, 2 milhões de pessoas em Portugal trabalharão actualmente com vínculos precários. Neste números estão incluídos os cerca de 900 mil contratados a prazo e outros tantos falsos recibos verdes, mas os restantes 200 mil representam evidentemente um cálculo muito por baixo da soma do emprego não declarado, estágios não remunerados, e outras formas de subemprego. O subcontrato através da praga que constituem as empresas de trabalho temporário é também uma realidade difícil de contabilizar, devido às mil e uma roupagens que enverga: a exploração é mãe de todos os disfarces...
2009 foi o ano em que o desemprego ultrapassou a barreira psicológica (oficial) do meio-milhão, embora toda a gente saiba que o numero de desempregados fora das estatísticas é incalculavelmente superior. E não se pense que existe neste advérbio ponta de demagogia: em meados do ano que agora termina descobriu-se que num mês apenas a manipulação dos números oficiais atingia a ordem das varias dezenas de milhar. Quanto dará isto num ano? Em dois? Em cinco?
Se pensarmos bem chegaremos à conclusão que em Portugal, em 2010, excepcional é mesmo trabalhar com um vinculo estável e com os direitos que foram conquistados pelas gerações anteriores: protecção social, períodos de descanso, tempo para a família... No fundo, condições de dignidade para poder contribuir para o desenvolvimento humano, social, económico de uma sociedade adulta, aquilo para que julgamos um dia tender...
Contudo, um olhar sobre o ano de 2009 permite-nos ousar olhar para a frente com alguma esperança pois esta viragem da década parece sê-lo também em termos do combate à precariedade: em 2009, realizámos a terceira ediçao do MayDay, que chegou pela primeira vez ao Porto, onde está a nascer um novo movimento, o APRE! (Activistas Precários). Os Intermitentes do Espectáculo estão num momento de reorganização: daqui poderá nascer uma nova forma de organização sindical. Por falar em sindicatos, o diálogo entre estes e os movimentos tem vindo a intensificar-se, contrariando algumas teses que sustentavam que as organizações de precários e movimento sindical andavam de costas voltadas. Os professores das Actividades de Enriquecimento Curricular, os trabalhadores a recibos verdes em numerosos organismos e institutos do Estado (incluindo a própria Autoridade para as Condições do Trabalho) despertam a pouco e pouco para o combate às suas inaceitáveis condições.
A petição “Antes da Dívida Temos Direitos”, que Precários-Inflexíveis, FERVE, Intermitentes do Espectaculo e do Audiovisual e APRE! estão prestes a apresentar na Assembleia da República é talvez o sinal mais evidente de que algo terá de mudar. Duas décadas de injustiças no acesso aos direitos assegurados pelo Estado Providência culminaram numa geração inteira - em duas até - que diz basta! Não aceitamos mais este estado de coisas. 2010 prepara-se para ser o ano da grande batalha contra a precariedade. O ano do principio do fim.
Myriam Zaluar, movimento Precários-Inflexíveis.
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