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Recibos verdes em Estado ilegal

A existência de trabalho a falsos recibos verdes no Estádio Universitário de Lisboa (EUL) e na Fundação de Serralves (FS), casos vindos a público recentemente, ilustram como prolifera na Administração Pública o recurso a formas ilegais e abusivas de recrutamento e relação de trabalho, com claro prejuízo para quem, com o seu empenho, assegura funções de interesse público, sob a responsabilidade directa do Estado.

Recordemos as situações concretas:

- No EUL, mais de uma centena de profissionais assegurou, de forma permanente e durante vários anos, as funções técnicas que, em grande medida, possibilitam o funcionamento daquela estrutura - sempre a recibos verdes, apesar de terem horários definidos, responderem por uma hierarquia clara e, imagine-se, serem até forçados a "picar ponto" e sujeitos a três avaliações obrigatórias por ano. Agora, uma empresa, com sede no próprio EUL, ficou com o negócio da exploração do trabalho destas pessoas. Um negócio oferecido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Resultado: a empresa, a "Fuga à rotina", recrutou as mesmas pessoas e... a recibos verdes, claro.

- Mais recentemente, ficámos a saber que na FS os recepcionistas, depois de anos a recibos verdes desempenhando funções obviamente permanentes, foram coagidos, sob ameaça de despedimento, a transformarem-se em "empresas". Ou sim ou sopas: quem não aceitar ser uma "empresa" para cumprir um trabalho assalariado, vai para a rua.

Em ambos os casos, vários anos de ilegalidades e afronta aos direitos de vários trabalhadores e trabalhadoras, culminaram em processos que visam uma ainda maior degradação das suas condições laborais. Em ambos os casos, em instituições tuteladas pelo Estado, não houve coragem para mais do que aprofundar a ilegalidade e a injustiça.

Estas ofensivas descaradas, infelizmente idênticas a tantas outras, não contavam com a divulgação: no EUL e na FS, os trabalhadores não se calaram e, apesar do medo e da chantagem, denunciaram a situação, contactaram os movimentos de trabalhadores precários e exigiram responsabilidades. É aqui que está a diferença - aliás, a única diferença que pode alterar esta nova e intolerável normalidade.

As respostas ainda revelam o hábito pela total impunidade. O ministro Mariano Gago, como bem explicou aqui o José Soeiro, prefere a indignação vazia contra si próprio do que assumir as suas responsabilidades. De Serralves, chegam ainda palavras mais surpreendentes: o FERVE divulga a resposta, em que os responsáveis da Fundação consideram estar a "promover o empreendedorismo" - estamos já para lá de tudo o que achávamos possível.

Além do terrorismo sobre os trabalhadores, que começa, embora ainda lentamente, a transpor o biombo do medo, estes casos demonstram também a intenção de alterar as formas de exploração laboral no Estado. O abuso dos recibos verdes, pelo escândalo e pela visibilidade que vem tendo, está a ser gradualmente substituído por outros expedientes, quase sempre correspondendo à externalização do "problema". O "problema" - os trabalhadores - transforma-se frequentemente em negócio para empresas de trabalho temporário ou, quando é possível, as funções do Estado são delegadas integralmente em privados.

Enquanto congela os salários na Administração Pública, sob a acusação de "todos terem que contribuir" para os esforços da crise, procurando dividir para reinar e ameaçando os rendimentos e direitos de toda a gente, o Governo congela também a vida de muitos milhares de trabalhadores que, desempenhando funções públicas, não têm sequer o direito a um contrato de trabalho - basta ver como são assegurados programas governamentais, centrais na propaganda de Sócrates, como as Actividades de Enriquecimento Curricular ou as Novas Oportunidades, em que milhares de pessoas agonizam com os falsos recibos verdes.

É assim que quem nos governa imagina um futuro com um mínimo de funcionários de facto afectos ao Estado, remetendo o máximo de pessoas para a subcontratação - um negócio de milhões para meia dúzia, que permite lavar as mãos a governantes e legitimar o discurso da "redução de funcionários públicos", talvez popular enquanto a degradação dos serviços públicos não se revelar brutalmente.

Está tudo à vista e não nos vamos deixar enganar. Sabemos muito bem o que significa a conversa do "combate aos recibos verdes no Estado". E entretanto, mantém-se a exigência e a atenção pelo desfecho destes e outros casos que se vão conhecendo.

Sobre o/a autor(a)

Ativista da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis
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