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Família

No dia 20, ao som improvável de um hino gay, a Plataforma Cidadania e Casamento, com o apoio do PNR, organizou uma manifestação que juntou em Lisboa uns poucos milhares de pessoas, número muito aquém dos 90 mil subscritores da petição a exigir o referendo ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O lado mais negro desta manifestação é o seu próprio propósito: quem se mobiliza para exigir a negação de direitos a outrem não está a lutar por nada, mas contra um grupo de pessoas. Isto é óbvio, e os cartazes de ódio do PNR, bem rodeados por uma dezena de cabeças rapadas sedentos de violência, bastariam para o provar. Mas terão todos os manifestantes, desde as velhinhas que se arrastavam de crucifixo na mão aos jovens com ar bem-intencionado, consciência de que o ódio que destilam não cai só sobre os homossexuais, mas sobre todas as famílias, e que as principais vítimas destas campanhas são, precisamente... as crianças?

Não falo só das crianças eternamente à espera de serem adoptadas, a quem o preconceito nega o direito a uma família, estigmatizando o amor entre duas pessoas como não estigmatiza o abandono; nem tão pouco apenas das crianças a cargo de casais homossexuais (sim, elas existem), a quem a lei nega a protecção legal decorrente da co-adopção. Falo também de todas as crianças nas mais variadas estruturas familiares não tradicionais (monoparentais, reconstruídas, alargadas, etc), que têm o direito a crescer sem serem catalogadas como anomalia e sem verem posta em causa a legitimidade do que as estrutura.

Defender um ranking de famílias, estabelecendo um modelo ideal que define todos os outros como degenerações é, antes de mais, fechar os olhos ao tecido social contemporâneo; mas é também defender que "a base da sociedade" se pode definir pela exclusão, regredindo até aos dias dos filhos de pai incógnito e das famílias não assumidas, e legitimando inclusive teses (absurdas) com a de que as famílias numerosas são aberrações por serem minoritárias.

Há famílias que se definem pelos laços que os membros estabelecem entre si e não por formatos abstractos, e que, comprovadamente, não são por isso nem menos nem mais funcionais que as outras. São aliás famílias que se mantêm como tal quando os formatos se alteram, estabelecendo redes de afecto e apoio muito mais fortes do que qualquer fórmula ideológica.

No fundo, tudo se resume a isto: as famílias funcionais não necessitam de passar atestados de menoridade às famílias dos outros. Defender a família é antes combater a exclusão, porque uma sociedade em que todos possam construir os seus núcleos de felicidade é sempre uma sociedade melhor.

Sobre o/a autor(a)

Asessora no pelouro da Educação na Câmara Municipal de Lisboa.
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