You are here

Uma caixinha sem surpresas

A estratégia foi definida. Para reduzir o défice vale tudo – para o prego vão as empresas estratégicas do Estado, os trabalhadores, os pensionistas e os funcionários públicos. Vale tudo menos irritar o sector financeiro e o grande capital. Será que este Governo ainda acredita que quem nos colocou na crise nos vai tirar dela?

“Teixeira dos Santos considera que distribuiu de forma equilibrada o esforço que pede aos portugueses mas reconhece que pede pouco ao sistema financeiro”, afirma o Jornal de Negócios. O Ministro teme prejudicar a banca nacional e a actividade empresarial.

Pelos vistos nenhum contexto é bom para pedir seja o que for à finança. Mas então, se de fora fica o sector financeiro, o esforço de consolidação é equilibradamente partilhado entre quem?

Os desempregados vão ser obrigados a aceitar trabalhos mal pagos (valor do subsidio acrescido de 25% nos primeiros 6 meses e de 10% a partir do décimo mês). A relação entre o subsídio de desemprego e o último salário será também reduzida.

Os beneficiários do RSI enfrentarão regras mais rígidas de aceitação de novo emprego. A despesa total com o programa será também alvo de redução através do estabelecimento de tectos máximos. Paralelamente, as transferências do Orçamento para a Segurança Social (para prestações sociais não contributivas) sofrerão cortes nos próximos anos.

Na função pública, a regra de “dois por um” sairá reforçada, bem como a intenção de acelerar o aumento da idade da reforma e as reduções salariais.

O investimento público, essencial para a criação de emprego e dinamização da economia, também sofrerá cortes, os maiores desde há muito.

Ao nível fiscal, o Estado propõe-se eliminar os benefícios com seguros de acidentes pessoais e de vida (actualmente com um limite máximo de 128€), limitar globalmente os benefícios fiscais, as deduções à colecta e as deduções para rendimentos de pensões inferiores a 22500€. Será ainda aplicada, temporariamente, uma taxa de 45% em sede de IRS para os rendimentos acima de 150000€ (actualmente taxados a 42%).

É sabido que os benefícios fiscais devem ser limitados, mas fazê-lo de forma cega não é solução. Se faz sentido limitar as deduções nas áreas em que existe oferta publica de serviços (como os seguros de saúde ou os PPR), o mesmo não é verdade para os seguros de vida, por exemplo, obrigatórios para quem quer pedir um empréstimo à habitação. Quanto ao novo escalão de IRS, apesar de necessário, não é garante por si da justa distribuição do esforço de saneamento das contas públicas.

A taxação das mais-valias bolsistas, por sua vez, fica para mais tarde. Para quando o “quadro financeiro estiver relativamente estabilizado”, diz o Ministro.

Para último fica o melhor. Ao mesmo tempo que reforça a fiscalização sobre a atribuição de prestações sociais, que aperta as condições de acesso ao subsídio de desemprego e rendimento social de inserção, o Estado vai seguir em frente com um perdão fiscal para todos aqueles, indivíduos ou empresas, que fugiram ao fisco através de offshores. A troco do pagamento de 5% sobre os capitais em situação irregular, o Estado português vai esquecer as enormes dívidas fiscais dos infractores e ignorar todos os crimes fiscais a elas associados.

Não nos deixemos enganar. Os sacrifícios que nos pedem não são partilhados por todos. Aqueles que enriqueceram à custa da especulação, da fraude e da exploração continuarão a fazê-lo, sem sacrifícios. Quem nos trouxe a crise não vai pagar por ela, sairá reforçado, munido de novos argumentos e factores de chantagem sobre o Estado Social, os serviços públicos, os salários e as nossas vidas.

Para manter as taxas de lucro, garantir condições económicas favoráveis ao sector financeiro e acalmar os mercados internacionais, não são só as empresas públicas que vão para o prego, são os nossos direitos, conquistados a pulso nos últimos trinta anos.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
(...)