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Proibir os homossexuais masculinos de dar sangue é uma discriminação
Em primeiro lugar, todas as colheitas devem ser analisadas, porque não existe outro método de identificar rigorosamente sangue contaminado. Mas há que ter em conta que no caso do VIH/Sida existe um intervalo de tempo (6 meses) em que o vírus, estando presente, não é detectável através das técnicas laboratoriais actuais. À falta de melhor, confia-se nas respostas dadas pelos potenciais dadores a um questionário que visa filtrar os candidatos com maiores probabilidades de estarem infectados. O facto de esta estratégia não ter a fiabilidade de um teste de laboratório não a torna isenta do mesmo princípio de rigor e evidência científica, nomeadamente ao nível dos critérios seleccionados para excluir dadores. E o mínimo que se pode exigir é que esses critérios estejam em consonância com as linhas gerais das campanhas de prevenção das doenças cujo contágio se tenta evitar.
À luz destes pressupostos, importa analisar se a exclusão de homossexuais masculinos é ou não aceitável. Ora, a ênfase na prevenção do VIH/Sida é, desde há muito, nos comportamentos de risco - a noção de "grupo de risco" passou a ser obsoleta quando os estudos epidemiológicos demonstraram que os homossexuais não têm um taxa de VIH superior aos heterossexuais e que os factores de risco, nomeadamente as práticas sexuais com parceiros múltiplos e/ou desprotegidas, não são agravados pela orientação sexual.
Nesta discussão, é comum alegar factos supostamente estatísticos sem se apresentarem dados que os sustentem. Por exemplo, dizer que os homossexuais masculinos são mais promíscuos ou têm mais relações desprotegidas não é uma evidência científica - e, mesmo se fosse, o mesmo critério que exclui heterossexuais com comportamentos de risco serve para excluir os homossexuais, mantendo-se em ambos os casos os dadores que não se sujeitaram ao risco de contaminação. Aliás, antes de brandir a estatística como argumento, seria conveniente definir com rigor, por exemplo, se os valores a ter em conta são a percentagem absoluta de contaminados por "grupo" ou o número de novas contaminações, uma vez que o período crítico são os 6 meses anteriores à colheita. E mesmo assim, quaisquer que fossem os resultados, estaríamos a apostar numa roleta russa. Excluir por comportamento, pelo contrário, tem uma base factual e será sempre mais eficaz.
Não nos iludamos, porém: é impossível despistar completamente o risco por via de questionários. Porque não há como detectar a mentira, e porque pode haver desconhecimento das práticas do/a companheira/o estável. Ou ainda porque nem toda a gente tem plena consciência do que é um comportamento de risco. Introduzir critérios de exclusão que se baseiam apenas no preconceito é alimentar a ignorância, que é sempre o principal factor de risco. E exige-se aos responsáveis pelas políticas de saúde que tomem decisões informadas e cientificamente legitimadas.
Por tudo isto, proibir os homossexuais masculinos de dar sangue é uma discriminação que não protege ninguém e nos ofende a todos.
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