You are here

O negócio da saúde e a saúde do negócio

A política do medicamento dos governos do PS é de sentido único: poupar à custa do bolso do cidadão. Foi assim com Correia de Campos, continua a ser assim com Ana Jorge. Nestes cinco anos, os medicamentos ficaram mais caros, as comparticipações do estado baixaram e os portugueses viram crescer a parte que lhes cabe pagar sempre que compram um remédio na farmácia. E, claro, nem a indústria nem as farmácias se queixam: para uns e para outros, o negócio continua apetecível. É assim a política do PS.

Os responsáveis do ministério da saúde não param de falar nos genéricos, medicamentos mais baratos que os de marca mas que produzem exactamente os mesmos efeitos e resultados terapêuticos. Falam, falam mas pouco têm feito para aumentar a sua venda. O crescimento da quantidade e do valor dos genéricos vendidos é essencial para diminuir significativamente a despesa quer do estado quer dos utentes. Quanto mais genéricos se venderem, maior é a poupança do estado e dos cidadãos.

O governo continua a impedir que seja quem compra e quem paga os medicamentos a escolher o que adquire: genérico ou de marca. Os médicos continuam a poder proibir a substituição do medicamento de marca pelo respectivo genérico e, nas farmácias, quanto maior for a factura paga pelo doente maior é o lucro do seu proprietário. Não é difícil perceber por que razão não se vendem mais genéricos...

Podia e devia haver muitos mais genéricos à venda em Portugal. Mas o governo cruzou os braços perante as tentativas - bem sucedidas, das grandes empresas farmacêuticas bloquearem a entrada de novos genéricos no mercado português, recorrendo sistematicamente a providências cautelares junto dos tribunais administrativos para conseguirem esse objectivo.

Este estratagema das grandes multinacionais da indústria farmacêutica assumiu, nos últimos dois anos, proporções avassaladoras e exclusivas de Portugal, no contexto da União Europeia: mais de 200 providências cautelares foram interpostas, impedindo assim a venda de outros tantos genéricos.

Em Março foram suspensos 12 genéricos do medicamento mais vendido em Portugal. Em 2009, esse medicamento de marca vendeu 56 milhões de euros! Apenas em três meses - antes de ser impedida a sua venda, os genéricos equivalentes fizeram baixar para metade a venda do medicamento de marca. Apenas em três meses! Num ano, o estado e os utentes poderiam poupar 20 milhões de euros.

O governo sabe que não é difícil ultrapassar este boicote aos genéricos por via judicial. Basta transpor para a legislação nacional um artigo de uma directiva europeia - já parcialmente transcrita, e exigir que o Infarmed se comporte como autoridade do medicamento, isto é, se imponha aos truques dos interesses dominantes na política e no mercado do medicamento.

O governo continua sem nada fazer. A propósito do OE e do PEC muito se tem falado na necessidade de reduzir a despesa pública: cortam-se os salários na função pública, baixam-se as reformas, acabam-se os apoios sociais, reduzem-se os orçamentos dos serviços públicos. Tudo se faz em nome do equilíbrio das contas públicas mas desde que não se belisquem os lucros dos poderosos. O caso dos genéricos é exemplar: o governo não poupa na despesa pública apenas por que não quer pôr um travão ao negócio da saúde. Afinal de contas, o que preocupa José Sócrates é mesmo a saúde do negócio.

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
(...)