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Somos todos terroristas

Desde o 11 de Setembro que grandes mudanças têm sido operadas nos sistemas de segurança interna. A pretexto do combate ao terrorismo, em muitos países ocidentais foram aprovadas leis que retiram o direito à privacidade e ameaçam liberdades básicas, ao mesmo tempo que foram criados organismos especializados de vigilância cujo objectivo é, basicamente, a perseguição de movimentos sociais. Os movimentos ecologistas e de libertação animal têm sido especialmente visados nesta campanha persecutória, que atingiu já proporções kafkianas nos EUA e no Reino Unido.

Já em 2008, quando o acampamento pelo clima britânico se realizou perto da central a carvão de Kingsnorth, se tornou claro de que lado estava o poder policial. Sabendo de antemão que os 1500 activistas que se encontravam acampados iriam juntar-se para invadir a central, a Polícia cercou o acampamento, tendo apreendido todo o tipo de materiais indispensáveis ao seu funcionamento (como sabão ou papel higiénico), rebocado carros e até perseguido os jornalistas com agentes à paisana munidos de câmaras ocultas. A mesma Polícia conspirou com os donos da central para proteger os interesses da mega-poluidora E.ON e colocou carros de som nas imediações do acampamento durante a noite para prejudicar o descanso dos activistas.

Este foi apenas um dos momentos mais visíveis da perseguição aos movimentos ecologistas que confrontam os interesses dos grandes poluidores, recorrendo à desobediência civil. Uma parte da comunicação social entretanto foi denunciando a infiltração destes movimentos por agentes à paisana e o suborno de activistas para obtenção de informações. As leis anti-terrorismo permitem tudo isto, assim como a detenção sem acusação.

A repressão atingiu outro pico na recente cimeira climática em Copenhaga. O governo fez aprovar uma lei que permitia a detenção arbitrária de pessoas durante 12 horas e a Polícia usou este novo poder extensamente, tendo detido quase 3000 activistas. Desta fúria repressiva sobram agora duas acusações: Tash e Noah, activistas da Climate Justice Now, enfrentam acusações de terrorismo cuja pena de prisão pode ir até 12 anos. O seu crime, evidentemente, foi o de organizar manifestações pacíficas que punham em causa o poder daqueles que lucram com a crise climática.

A primeira sessão do julgamento foi uma tragicomédia. Tash e Noah foram detidos antes das manifestações por polícias à paisana, em diferentes locais da cidade, na sequência de escutas telefónicas que supostamente indicariam um plano para atacar a Polícia. A procuradora da Polícia defende-se então em tribunal dizendo que só não houve violência porque agiram a tempo, detendo os líderes do perigoso movimento. Quando o advogado de defesa argumenta que a Polícia não tem qualquer prova de que alguma acção violenta estivesse a ser preparada, a procuradora reage defendendo que precisamente por não saberem exactamente o que se iria passar viram-se forçados a deter preventivamente os activistas. Vale tudo, portanto.

O melhor vem quando as "provas" de que algo de mau iria acontecer em Copenhaga são apresentadas. A certa altura, a Polícia apresenta como prova um apontamento encontrada num bloco de notas de Tash, que refere um corta-arames. Uma arma perigosa, argumenta a Polícia. Mas Tash explica que se tratava de um adereço para a manifestação "clima sem fronteiras", simbolizando a vontade de quebrar as vedações que separam os povos do mundo. A acusação insiste, pelo que um grupo de activistas vai buscar o corta-alicates feito de papier-mâché ao centro social. Quando entram na sala com o adereço, toda a gente se ri, incluindo o juiz.

Estes são apenas alguns exemplos de situações de repressão policial apoiada por leis anti-terrorismo e inserida numa lógica de perseguição dos movimentos sociais mais radicais. As vitórias alcançadas por estes movimentos mostram porque é que os governos dos países capitalistas os temem: em pouco tempo, os projectos para a central de carvão de Kingsnorth e para a terceira pista do aeroporto de Heathrow foram cancelados, depois de uma série de protestos nos quais activistas perturbavam o funcionamento dos negócios visados. Como sempre, a verdadeira mudança vem de quem confronta os poderes instituídos e constrói a acção emancipatória.

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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