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Qual é o limiar para os António Mexia deste país?

António Mexia recebeu no ano de 2009 - 3 milhões e 100 mil euros em salários e prémios.

Os membros da sua administração receberam 17 milhões de euros.

Zeinal Bava, da PT, recebeu 2 milhões e 500 mil euros, como Rui Pedro Soares.

Os da sua administração receberam 8 milhões de euros.

E a lista continua.

Ana Maria Fernandes, da EDP Renováveis, 2 milhões e 300 mil euros.

Ferreira de Oliveira, da GALP, 1milhão e 600 mil euros.

Rodrigo Costa, da Zon, 1 milhão.

Em todas estas empresas, há administradores que representam o Estado e que aprovaram estes pagamentos.

"Desigualdade", diz Vieira da Silva. "Escândalo", dizem vozes mais afoitas próximas do governo. A verdade é esta: o governo aceitou e aprovou.

Há dois dias, lá estava o Primeiro-Ministro ao lado de Mexia a elogiar o seu sucesso.

O seu sucesso são 3 milhões e 100 mil euros.

Neste Portugal dos bónus milionários, há 200 mil desempregados que não têm qualquer apoio. Os beneficiários do Rendimento Social de Inserção recebem, em média, 84 euros e 93 cêntimos por mês.

Oitenta e poucos euros que permitem que se viva naquilo que alguns decidiram ser o limiar da pobreza. Limiar na habitação, na educação, no vestuário, nos medicamentos. Qual é o limiar para os António Mexia deste país?

Já temos a resposta: o seu limiar é dez vezes o salário de Barack Obama. Três vezes o salário do Presidente da Microsoft.

Mexia recebe por semana o que o nosso Presidente da República não recebe num ano inteiro.

O Bloco de Esquerda traz hoje a debate de urgência a escandalosa e crescente desigualdade de rendimentos porque esta é a realidade que insulta o país. Mas também convocamos este debate porque o Governo tem como objectivo agravar esta desigualdade.

O Programa de Estabilidade e Crescimento é a política da desigualdade.

Procurem lá, uma taxazinha especial sobre os bónus dos gestores.

Não encontram.

As empresas pagarão um pouco mais de IRC se houver bónus milionários.

Mas os milionários pagarão o mesmo IRS de sempre, porque sobre os milhões não se paga mais.

E, mesmo assim, o governo ensinou as empresas a pouparem essa taxazinha, se pagarem os bónus só dentro de algum tempo. Já sabemos que os bancos aproveitaram a oferta.

Mas o que, isso sim, está mesmo no PEC é o tecto imposto às despesas com prestações sociais não contributivas. O Governo não verificou nada, não identificou fraudes, não impôs novas regras de controlo, cortou simplesmente, porque o pobre é suspeito. O Governo impõe ainda um tecto às outras prestações, e diminui em 600 milhões de euros a dotação orçamental para a Segurança Social.

A pergunta deste debate é esta: o primeiro-ministro que elogia Mexia e o seu sucesso, o que tem a dizer do insucesso dos desempregados e dos pobres?

A imposição deste tecto com a diminuição efectiva do apoio social até 2013 está em contra-mão com todas as políticas de combate à pobreza e à exclusão, e é um retrocesso reaccionário em relação ao que foi conseguido nos últimos anos.

A existência de um tecto significa uma política burocrática, cega, surda e muda. Aliás, sabemos de onde vem esta política: o Governo segue fielmente a proposta do CDS, cortando 130 milhões de euros no apoio social aos mais pobres.

Ora, não foi por ter aumentado o número de preguiçosos que o número de beneficiários do RSI aumentou nos últimos anos.

O número aumentou porque o apoio social é a única resposta à pobreza extrema e há hoje mais pobres. O RSI é já hoje o complemento para muitas famílias que vivem dos rendimentos do trabalho. Trabalham, recebem salário mas vivem abaixo do limiar da pobreza.

O Governo não consegue contraditar o enorme aumento do desemprego. A Ministra irrita-se, evita o assunto, mas em cada trimestre as várias fontes estatísticas confirmam. A linha do desemprego continua a subir.

Todas as previsões mesmo as mais optimistas indicam que o desemprego se manterá num recorde histórico durante anos. Essa é a projecção do governo, que nos garante que não haverá diminuição do desemprego até 2013.

Mesmo assim, a resposta do Governo é limitar e diminuir o apoio aos desempregados e desempregadas. Menos tempo a receber subsídio, valores mais baixos, piores condições para ter acesso.

2010 é o Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e Exclusão Social e é o ano da ofensiva mais agressiva do Governo PS contra os mais desfavorecidos.

Sem subsídio de desemprego, sem rendimento social de inserção, qual vai ser a solução para os milhares de pobres? Resta-lhes o desemprego e a pobreza.

O Governo não decide tudo o que se passa na economia. Mas decide a gestão orçamental e a sua escolha é o agravar desta fractura social.

Com este tecto, os apoios para a pobreza deixam de depender das necessidades, passam a depender da vontade de um PEC que só sabe ser generoso no adiamento da taxa sobre as mais-valias bolsistas ou na protecção dos bónus milionários.

Estamos de regresso à política assistencialista pura e dura. O tecto nas prestações sociais é o limite da responsabilidade do Estado o resto fica nas mãos da caridade.

Esta política é o oposto de uma política pública de combate pela erradicação da pobreza, repito erradicação da pobreza. Não pode haver qualquer dúvida: o PS já abandonou este objectivo.

O PEC é o caminho da desistência, da caridade que deixou em "estado de choque" muitos militantes socialistas. Esta é a opção que marca a política deste Governo.

Apertar, reduzir, penalizar os pobres, condenados à pobreza, e contemporizar com a isenção fiscal para a riqueza, essa tornou-se a marca social deste governo. Chamam-lhe austeridade e sacrifícios e dizem-nos que não há alternativa. Mas o país inteiro sabe do que se trata: de chantagem, de assalto, de desigualdade, de exclusão social.

A política decide-se hoje, como se verifica neste debate, entre a chantagem e a solidariedade responsável. Decide-se entre fechar os olhos aos bónus ou propor impostos justos e economia responsável. O governo escolheu a irresponsabilidade, a esquerda luta pela responsabilidade.

Helena Pinto, intervenção na Assembleia da República, no debate de urgência sobre Política de rendimentos, desigualdades e exclusão social em 8 de Abril de 2010

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Vereadora da Câmara de Torres Novas. Animadora social.
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