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O professor desregulador

O Bloco de Esquerda inaugurou em Março a sua nova sede nacional. Durante cerca de doze meses, o antigo palacete da Rua da Palma com mais de 130 anos de existência, sofreu obras profundas de remodelação. A intervenção de reabilitação teve como preocupação fundamental a adaptação do espaço às necessidades funcionais de uma sede, mantendo as características arquitectónicas do edifício, melhorando o seu desempenho energético e o conforto dos que lá trabalham e militam.

Mas a preocupação ambiental foi de facto um dos pontos principais nesta operação de reabilitação. Ao nível dos sistemas passivos de conservação de energia, o trabalho essencial foi realizado na melhoria das condições térmicas da envolvente. Ao nível da iluminação, que normalmente em edifícios com este tipo de utilização é responsável por cerca de 20% do consumo total de energia eléctrica, foram adoptadas medidas para reduzir a factura energética através da montagem de lâmpadas de baixo consumo.

Por outro lado, a nova sede produz energia solar. Na cobertura foram instalados sistemas de dois tipos, colectores térmicos e painéis fotovoltaicos. Os térmicos permitem a produção de 1200 kWh anuais para o aquecimento de água. Os painéis fotovoltaicos convertem directamente a energia solar em energia eléctrica. A microprodução de energia eléctrica tem também a vantagem de evitar perdas provocadas pelo transporte de energia em longas distâncias contribuindo para uma maior eficiência energética de toda a rede.

A microprodução de energia está abrangida por um programa que bonifica o preço de venda, com o objectivo de promover este tipo de solução energética de origem renovável. Este regime bonificado é aplicado durante um período de 15 anos, o que permite a amortização do investimento nesta tecnologia relativamente nova.

Mas o recurso a fontes de energia renovável não é consensual e esta semana surgiu o "Manifesto por uma Nova Política Energética em Portugal" assinado por vários opositores às renováveis, incluindo alguns apoiantes da energia nuclear, entre eles Francisco Van Zeller, Mira Amaral, Horta e Costa e João Salgueiro. Estes signatários apresentam-se muito preocupados porque, dizem, a aposta nas energias renováveis será paga pelos contribuintes. Exigem uma avaliação de outras alternativas. Não dizem quais são essas alternativas, mas certamente a energia nuclear voltará a ser proposta como energia limpa e barata.

Outra individualidade que está contra o apoio à microgeração é o Prof. João Santana, do I.S.Técnico. Conhecido o investimento feito pelo Bloco nos painéis solares da sua nova sede, João Santana  (que também é autarca do PS em Nisa) dedicou-lhes um artigo no Expresso (27 de Março): "o preço de venda de energia eléctrica produzida pelo sistema fotovoltaico do BE é superior 10 a 15 vezes ao preço do mercado ibérico da electricidade, onde participa a EDP. Esta empresa, na lógica económica, nunca compraria aquela energia a um preço tão elevado". O professor colunista rejeita qualquer critério (por exemplo, ambiental) que escape àquilo que chama "lógica económica".

Mas o mais curioso é que estes pontos de vista vêm de um agente regulador que defende... o fim da regulação: João Santana é vogal da administração da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, mas tem defendido a transformação do monopólio regulado num mercado "puro" - onde a garantia mínima de um serviço público de energia, através da tarifa regulada, seria eliminada e o comércio de energia se faria de forma idêntica ao telefone: "o consumidor pode escolher o seu fornecedor e o agente, produtor ou comercializador, pode assumir o seu objectivo empresarial sem o constrangimento da regulação (...) Com a reestruturação em curso nalguns países, pretende-se passar do monopólio regulado ao mercado concorrencial. Se este funciona na maior parte dos sectores económicos, porque razão não há-de funcionar na produção e comercialização da energia eléctrica?".

A resposta é que a concorrência precisa de preços altos (para garantir os lucros para EDP e de outros agentes, e os milhões pagos a gestores e accionistas). Ora, a electricidade deve ser assegurada como um bem essencial, cujo acesso deve ser assegurado sem penalizar mais quem menos tem.

Da defesa da liberalização total do mercado de electricidade à sede do Bloco, é um passo. Porque o Bloco tem uma posição clara sobre a necessidade de controlo público dos sectores estratégicos da economia e em particular do sector energético. Em nome do serviço público e da defesa do ambiente: a "lógica económica" de João Santana e da EDP fez com que 90% da energia consumida em Portugal provenha de combustíveis fósseis importados. Portugal é o país com mais sol da União Europeia, mas é também o segundo mais dependente do petróleo, só ultrapassado pelo Luxemburgo. Por isso o Bloco propôs garantir, até 2015, a instalação do solar térmico em 10% dos edifícios e assegurar que todos os edifícios públicos onde seja viável tenham painéis térmicos e fotovoltaicos, dando prioridade a escolas e hospitais. Os grandes projectos urbanísticos, turísticos e industriais devem cumprir uma percentagem de produção renovável para auto-consumo, assim como os grandes pólos urbanos.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro civil.
Termos relacionados Energia nuclear
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