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Avaliação: formar ou punir os professores?

Como pode um governo do país que tem um dos sistemas de ensino mais deficiente e injusto, campeão dos repetentes e excluídos, tentar transferir a responsabilidade deste pesado défice social para cima dos seus empregados, os professores, acusando-os de serem eles os responsáveis pelas políticas que conduziram a esta situação?

Como é possível pretender que se recupere o atraso nesta área social decisiva para o presente e o futuro começando precisamente por atacar os profissionais?

Se for por diante o novo sistema de avaliação, a grande maioria dos professores verá reduzido em cerca de um terço o tecto salarial que pode atingir ao longo de toda uma carreira de quarenta anos de trabalho. Dois em cada três professores ficarão nessa situação, porque só um terá hipótese de chegar à categoria de professor titular, sujeita a "numerus clausus". Os outros serão professores de segunda categoria, administrativamente considerados como maus professores, ou pelo menos deficientes.

Logo para entrar na carreira, os jovens professores saídos das faculdades serão sujeitos a um exame "probatório", em que os conhecimentos aprendidos nas universidades serão de novo postos à prova, lançando assim uma insuportável suspeita sobre o esforço, os custos e o sucesso conseguido numa licenciatura inteira e dezenas de cadeiras feitas. Por isso, é justa a crítica dos sindicatos, quando dizem que se o ministério desconfia da qualidade das licenciaturas, é sobre as escolas de ensino superior que deveria actuar. Do que se trata, neste caso, é de aliviar as estatísticas do desemprego docente, eliminando à partida uma larga percentagem de pessoas que fizeram cursos para a docência.

O novo sistema de avaliação pretende pura e simplesmente dividir em duas categorias os que já estão na carreira, hierarquizar, criar a concorrência em vez da cooperação, e simultaneamente controlar e "punir". Isto é, fazê-los pagar pela incapacidade e incompetência de todo um sistema de carências, pobreza e exclusão social, que o sistema económico e o poder político produziram e intensificam, de um sistema de ensino cheio de falhas e atrasos imputáveis aos sucessivos governos e ministros da educação.

A avaliação punitiva, que enforma o modelo que a ministra quer impor, é socialmente inaceitável. Não é possível admitir que uma grande parte dos alunos do sistema de ensino seja sujeita ao trabalho de profissionais considerados "maus" ou de segunda e terceira categoria. Imaginem o que seria estender este "dogma" (de que é fatal haver maus e bons profissionais) a outros sectores, por exemplo os pilotos de aviões? Pilotos maus profissionais? Para transportar quais passageiros? Do mesmo modo: professores "maus" para crianças, adolescentes e jovens? A ministra afirma que se pretende "reconhecer o mérito e a excelência", "diferenciar e premiar os melhores". Premiar? Ou antes castigar salarial e estatutariamente dois terços dos profissionais, com quotas decretadas arbitrariamente para o grau de titulares? Como é possível decretar quotas de "muito bons" e "excelentes" professores, mediante despacho governamental anual?

A avaliação de que precisamos como de pão para a boca é, antes, a avaliação formativa: avaliar para melhorar o trabalho, para compreender os pontos fortes e fracos, para potenciar o trabalho em equipa, para poder corrigir falhas, para acompanhar a evolução dos tempos.

Convém que se saiba como o ministério trata o assunto da formação: os professores serão obrigados a frequentar acções de formação profissional todos os anos até à reforma. E como serão garantidos cursos de formação para 150.000 professores, anualmente? Os custos dessas tenderão a ser suportados pelos profissionais. Decorrerão em horário pós-laboral. Muitos estão já a acorrer às escassas ofertas de formação, muitas vezes a dezenas de quilómetros da sua residência. Tudo saído do seu bolso e do seu tempo de lazer.

Como observa José Ribeiro (Jornal de Letras, 13/2/2008), o governo e o seu sistema de avaliação roça o desumano: em vez do apoio profissional e pessoal que é tão necessário e urgente, ameaça-se com a porta da rua, agravando o stress nestes profissionais que são já campeões das consultas de psiquiatria.

Como refere Sérgio Niza no mesmo jornal, o novo sistema de avaliação constitui "um programa de vigilância e controle em vez de valorizar os professores e proporcionar estímulos para o seu aperfeiçoamento".

Por este andar, o atraso do sistema de ensino básico e secundário português, que nos envergonha e que ficou refém de alguns preconceitos salazarentos, corre o sério risco de se prolongar por este novo século adentro.

A população escolar é constituída pelos alunos e pela "tripulação" - os professores. Estamos no mesmo barco. Só juntos e com respeito pela nossa dignidade poderemos chegar a bom porto. Esta tentativa de virar uns contra os outros, num momento de grave crise, é o pior que se poderia fazer.

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Professor
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