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Ali Babá e os quarenta ladrões

O parlamento discute hoje um projecto de lei do Bloco de Esquerda para impedir aumentos das tarifas da electricidade acima da inflação, nomeadamente para impedir o aumento de 6% que entrará em vigor dia 1 de Janeiro.

Ao mesmo tempo, o Bloco está a fazer uma campanha em todo o país contra este aumento, com a distribuição de um comunicado à população (ver aqui o comunicado).
Esta iniciativa tem suscitado muito nervosismo da parte do governo. Numa manobra extravagante, o ministro da economia publicou na segunda feira um despacho que tem como único efeito prático impedir o então demissionário presidente da Entidade Reguladora de apresentar o seu ponto de vista na comissão parlamentar no dia seguinte, onde ia ser discutido o projecto de lei do Bloco. A proposta de convite ao regulador tinha sido aprovada por unanimidade, e causou a maior estranheza esta intervenção do governo, tanto mais que é inédita e é um precedente gravíssimo. Ora, o regulador tinha mesmo proposto um aumento de 15,7%, enquanto o governo impõe agora um aumento de 6%. Porque razão quer então o governo impedir que o demissionário presidente da ERSE seja ouvido neste debate? Vingança pela sua demissão? Prepotência patronal? Arbítrio governamental? De tudo um pouco.

De facto, o ex-presidente da ERSE defende a mesma política que o governo sustenta. Numa palavra, que os consumidores têm de pagar às empresas do sector todos os seus custos recentes - e a isso chama "défice tarifário". Nesse "défice" cabem por exemplo os custos da EDP com a compra de terrenos para a instalação de infra-estruturas para distribuir electricidade, ou seja, para vender mais.

Assim, estas empresas têm o melhor negócio que se pode imaginar. Usam os poderes de um serviço público, vendem um produto que as pessoas são obrigadas a comprar, têm lucros fabulosos (a EDP tem este ano os maiores lucros da sua história) e ainda conseguem ser pagos por todos os custos que vão tendo. O lucro dá lucro, os custos dão lucros. É, metaforicamente, como a história de Ali Babá e os quarenta ladrões: um abre as portas e os outros entram dentro de casa.

Em nome deste alegado "défice", fazem-se os aumentos deste ano. O problema é que as empresas querem mais e dizem que o "défice" é o dobro: mais de 800 milhões de euros. Portanto, no próximo ano, os aumentos vão ser muito mais acentuados, e é dessa revelação que o governo tem medo acima de tudo.

Convenhamos então: interromper este negócio, como pretende o Bloco, é muito desagradável para o governo e para as empresas, que são das mais poderosas do país. E ainda por cima, prejudicaria a privatização da Rede Eléctrica Nacional, o grande negócio para 2007, a que o Bloco se opõe. Tudo boas razões para esta grande campanha de oposição que marca os últimos dias de 2006.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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