Curiosamente, VPV já repetiu isto, urbi et orbi, nos últimos anos. Todos os seus prognósticos fracassaram, se bem que isso não o incomode muito. E o Bloco lá tem crescido em vez de minguar e lá tem criado força social em vez de estiolar. Na organização dos trabalhadores da maior fábrica portuguesa como no referendo pela descriminalização do aborto, ou como na proposta de políticas sociais alternativas, o Bloco é uma referência. No que conta para o país, o ex-deputado do PSD pode comparar o seu próprio contributo intelectual com o do Bloco para determinar quem está "gordo, careca, velho, respeitável e oco".
Mas assinalo desde já que não é a idade que qualifica ou desqualifica a opinião. A opinião vale sempre. E o único argumento substancial de VPV, aliás repetido de Marcelo Rebelo de Sousa, é que o acordo entre Costa e Sá Fernandes na Câmara de Lisboa inaugura a passadeira para o governo. E esse argumento merece ser discutido. Sobretudo porque é fantasioso.
É errado por dois motivos. O acordo de Lisboa é um caso único na vida autárquica: é um acordo só sobre algumas políticas concretas essenciais (combate à corrupção, plano verde, construção de habitação a custos controlados e outras), que preserva a total liberdade de voto das partes. Não é portanto um acordo de coligação para a governação. Os construtores e a direita responderam aliás com o sinal de classe mais clarificador, chorando que estas políticas transformarão Lisboa em "Havana". Grotesco, mas indicativo: vai haver regras na cidade e não beneficiam os de sempre.
Mas este acordo nasce de uma situação institucional igualmente única: nas Câmaras (mas não no Parlamento) os eleitores escolhem directamente todos os membros do governo da cidade, que são os vereadores. Todos estão no governo. Todos votam as decisões do governo. Podem ou não ter pelouros e dirigir políticas. Sá Fernandes escolheu dirigir políticas e mantém a sua capacidade de crítica e de recusa de políticas.
O segundo motivo pelo qual o prognóstico de VPV é um embuste é que, nas eleições nacionais, os eleitores não determinam um governo repartido entre representantes eleitos de partidos diferentes. Os votos dão o poder a um partido e a uma única política. A política do PS no governo é e será a ofensiva liberal contra a segurança social e o serviço nacional de saúde ou a escola pública, ou contra o emprego com a flexigurança. Toda a contradição entre o governo Sócrates e a esquerda socialista, o Bloco, é sobre o papel da responsabilidade das políticas sociais e dos serviços públicos. E é por causa dessa diferença fundamental que o Bloco não estará num governo com o PS.
Pelo contrário. VPV fará o favor de se habituar, mas o Bloco quer destruir o mapa partidário actual, que assenta no rotativismo e no liberalismo agressivo. À esquerda, o Bloco quer acabar com a hegemonia do PS na política. Faço por isso um outro prognóstico para contrariar o de VPV: no dia de prestar contas, haverá uma alternativa ao governo Sócrates, e essa alternativa contará com o Bloco e com muitos votantes socialistas que defendem as políticas socialistas. Essa alternativa é irredutível e não se coligará com o PS, porque se compromete com as políticas que contrariam o desvario liberal deste governo.
Sei que esse prognóstico e esse compromisso não agradarão a VPV. Afinal, é política com programa, que responde por uma estratégia e uma visão. Essa política não cabe no género "respeitável e oco". Deixo isso para VPV, que, afinal, é um especialista.
(publicado originalmente no jornal Público, 15 de Agosto)