You are here

Maior produção agrícola sem afectar o ambiente

Olivier de Schutter, relator da ONU sobre o Direito à Alimentação, diz nesta entrevista que não é utopia alimentar os nove mil milhões de pessoas que habitarão o planeta em meados deste século. Por David Cronin, da IPS.
Com a agroecologia pode-se aumentar a produção, em média, 70%. Foto de Sam Beebe / Ecotrust, FlickR

Bruxelas - Para muitos especialistas, pode ser uma utopia alimentar os nove mil milhões de pessoas que, se presume, habitarão o planeta em meados deste século, mas não para o relator da Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação, Olivier de Schutter.

Este professor belga dedica-se à agroecologia, especialidade que considera as plantas e o seu ecossistema, em lugar de conquistar a natureza e substituí-la por uma tecnologia de laboratório.

O armazenamento de água e a rotação de cultivos são recursos da agroecologia para evitar o emprego de “insumos externos”, como o uso de pesticidas. Além disso, é muito menos prejudicial do que a agricultura intensiva, que prevalece no mundo, e tem maior rendimento, segundo os seus defensores. A estratégia sustentável pode oferecer quase 80% mais de alimentos do que a agricultura “convencional”, afirma uma investigação feita pela Universidade de Essex, na Grã-Bretanha.

A agroecologia pode acabar com a fome no mundo?

Olivier de Schutter: Não se trata de não se beneficiar de avanços modernos, mas de adoptar a melhor tecnologia que os agricultores tenham desenvolvido, produzir no âmbito local os insumos necessários para fertilizar o solo e incentivar as culturas, o que aumenta muito a produção. Com a agroecologia pode-se aumentar a produção, em média, 70%, concluiu o estudo feito em 57 países por Jules Pretty e sua equipe da Universidade de Essex.

A produção de alimentos concentra-se em poucas empresas. O que pode ser feito para reverter a situação?

Foi um erro ter levado técnicas de laboratório para o terreno, sem considerar as necessidades dos agricultores. São necessárias decisões políticas muito mais transparentes e democráticas. As autoridades não devem ser tão influenciadas pelos interesses corporativos.

Há lugar para fertilizantes químicos e transgénicos na agroecologia?

Não se deve demonizar os fertilizantes. A agroecologia utiliza adubos orgânicos, embora seja possível o uso de insumos como os fosfatos para revitalizar o solo. Mas a ideia é que a agricultura seja auto-sustentável. A agroecologia concentra-se na planta no seu meio ambiente. Os transgénicos basicamente dissociam um elemento do outro. Com os transgénicos, os agricultores dependem muito de sementes protegidas por direitos de propriedade intelectual, pertencentes a umas poucas empresas, sendo de facto a Monsanto a principal. É uma enorme desvantagem para eles, que podem ficar endividados.

O seu antecessor, Jean Ziegler, disse que, cada vez que morre uma criança, é cometido um assassinato. Concorda com ele?

Na essência, sim. Três milhões de crianças desnutridas morrem todos os anos. Além disso, uma em cada três nasceu num país em desenvolvimento de mãe anímica. Quando é analisada a sucessão de factos, descobre-se que na origem há decisões políticas erradas. Sempre se deve olhar além da questão técnica de “por que há fome?” e chegar à explicação política. Como isso pode ocorrer? O meu papel é rastrear as causas.

O bloqueio económico imposto por Israel a Gaza fez disparar a desnutrição. É um caso de violação do direito à alimentação?

Definitivamente. É óbvio que ao impedir o desenvolvimento económico, Israel comete uma grave violação a esse direito. Os agricultores não têm insumos nem possibilidades de vender, e 80% da população não tem emprego, o que destrói totalmente essa comunidade.

O Programa Mundial de Alimentos, entre outras agências, afirma que a iniciativa da União Europeia (UE) de promover o uso de biocombustíveis piora a situação, mas esta nega-se a mudar de política. O que pensa a respeito?

A principal consequência do maior uso de biocombustíveis é a concentração da terra e a especulação que expulsa a comunidade indígena e pequenos agricultores que vivem da sua produção e que não necessariamente têm títulos de propriedade. Todos os agricultores dos países em desenvolvimento que visitei, e estive em muitos nos últimos anos, se queixam do mesmo. Temem ser expulsos de suas terras e a única razão é a produção de biocombustíveis. O critério de certificação apresentado pela Comissão Europeia, órgão executivo da UE, para garantir que a produção de biocombustível seja sustentada, não leva em conta essa situação. Um dos elementos que a Comissão desconhece é a equidade e a inequidade em áreas rurais. Estou convencido de que, na maioria dos casos, se não em todos, os cultivos para produzir combustíveis beneficiam uns poucos, e não os mais pobres, que são os mais prejudicados.

29/6/2010

Termos relacionados Ambiente
(...)