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O cheque europeu

Não é hora para desistir nem da Europa dos filósofos nem da Europa do movimento operário. Não podemos desistir do que sobra das conquistas do estado social nem das suas aprendizagens europeias da República.

Na hora em que os mercados deixam de ser vistos como uma espécie de sequela do El Niño, e nos confrontamos com os ganhos dos bancos nesta crise, em particular dos alemães, os banqueiros portugueses vão a Bruxelas falar com o comissário das finanças. Sob a batuta de Merkel, o violento consenso sobre o aumento das transferências do trabalho para o capital é um banquete, pois claro, e os abutres juntam-se para trinchar as pensões, os salários, as leis laborais.

Por mais que Vieira da Silva desminta, está escrito nas conclusões do Eurogrupo que as reformas estruturais são para continuar, nomeadamente pensões e leis do trabalho. E o presidente do Conselho Europeu, Van Rompuy, já disse e reafirmará no próximo Conselho Europeu: os orçamentos nacionais terão visto prévio, níveis de crescimento, inflação, endividamento, tudo passado a pente fino, porque o “sincronismo” e o reforço das sanções são a chave. É este o cheque que se assina no próximo Conselho Europeu, cuja cobertura é a vida de cada trabalhador, cada desempregado, cada pensionista.

Sob os novos palavrões de “regulação macro-económica” e de “governação económica”, os patrões da Europa afinam no combate aos rendimentos do trabalho e ao corte dos gastos públicos como solução da crise, que, aliás, conduzirá a Europa para o abismo. E a austeridade é o nome da recomposição dos lucros da banca, da desregulação das relações do trabalho e do que sobra do estado social.

Tempos difíceis que se reivindicam, simultaneamente, da exigência de democracia europeia e de democracia nacional. O despotismo da austeridade não pode esmagar a soberania dos estados, convertendo-os em seus vassalos. Nem podemos desistir de uma Europa que devia ter um orçamento europeu, centrado na protecção do emprego e nas políticas sociais, que devia intervir e regular os mercados financeiros e aplicar impostos sobre as transacções financeiras, com um banco central que não fosse uma capacho da banca privada dos mais poderosos e que, ao menos, se aproximasse da reserva federal americana, capaz de, a taxas baixas, fazer empréstimos directos aos Estados.

Não é hora para desistir nem da Europa dos filósofos nem da Europa do movimento operário. Não podemos desistir do que sobra das conquistas do estado social nem das suas aprendizagens europeias da República, em que, à revelia dos Estados Unidos, por exemplo, o apetite pela supremacia do poder legislativo sobre o executivo foi sempre visto como garantia da liberdade pública e do papel dos parlamentos nacionais.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professora.
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