Na semana passada, na Assembleia da República, foram aprovadas na generalidade as propostas relativas aos regimes laboral e social dos profissionais das artes do espectáculo e do audiovisual. Começa portanto agora uma nova oportunidade para garantir direitos básicos a estes profissionais. Na anterior legislatura o Governo do PS aprovou sozinho a Lei 4/2008, uma lei contestada por todos e de tal forma afastada da realidade que nunca foi aplicada. É imperativo que não se repita o erro.
Estes profissionais - criadores, técnicos, intérpretes das mais diversas disciplinas artísticas - não têm, na sua grande maioria, acesso a protecção na doença ou no desemprego ou sequer direito a férias. E não têm, no fim de uma carreira tão dura e exigente, acesso a pensões de reforma condignas. Trabalham projecto a projecto, espectáculo a espectáculo, filme a filme, telenovela a telenovela. Muitas vezes a recibo verde. Sem regras, sem protecção. Mas estão integrados em equipas, obedecem a uma hierarquia, têm local e horário de trabalho determinado pelo empregador. Têm também de ter um contrato.
Um contrato que tenha em conta a intermitência própria de grande parte da actividade: períodos de grande intensidade seguidos de períodos de pausa; um profissional, depois de meses de 12 horas de trabalho por dia em filmagens, fica sem trabalho durante o período essencial ao repouso, à formação e à procura de um novo trabalho. Com a actual lei estes trabalhadores e trabalhadoras nunca conseguem ter sequer um dia de férias pagas. E não têm acesso ao subsídio de desemprego entre um trabalho e o seguinte. Os contratos de trabalho terão também de ter em conta a especificidade da própria profissão: não esquecemos que para dar o espectáculo do fim-de-semana o pianista, como o bailarino, obedece à rotina de 8 horas de prática diárias ao longo de toda a semana. A lei tem ainda de reconhecer que um trabalhador pode ter simultaneamente diversos empregadores: como o actor que ensaia um espectáculo à tarde, está em cena à noite e faz dobragens de manhã. Mas existem também profissionais com actividade continuada e que têm direito a um contrato sem termo. Criar um regime que dê resposta aos intermitentes não pode nunca abrir a porta à perda de direitos destes trabalhadores e trabalhadoras.
Os projectos do Bloco de Esquerda – de protecção social, regime laboral, certificação profissional – dão resposta às necessidades concretas. Contratos a prazo sucessivos e sem limite para as actividades não contínuas, contratos sem termo para os postos de trabalho permanentes. Os projectos do BE são os únicos que garantem protecção da verdadeira intermitência com contagem intercalada dos prazos de garantia em situação de desemprego, a única forma de garantir que entre projectos, entre filmes, entre espectáculos, entre novelas, os profissionais têm acesso de facto ao subsídio de desemprego para o qual contribuem. E também são os únicos que prevêem contribuição sobre remunerações reais: descontar pelos vários contratos e receber prestações de acordo com os descontos efectuados. É isso que estes profissionais esperam: não uma esmola mas a possibilidade de contribuírem de forma justa para terem direitos justos também.
O BE apresentou ainda um projecto de lei sobre os bailarinos de bailado clássico e contemporâneo e que responde totalmente às reivindicações destes profissionais; o trabalho físico intenso, desde tenra idade, que o bailado exige só se compara ao dos atletas de alta competição. Mas não é acompanhado do respectivo estatuto. Uma injustiça que urge reparar.
Muito se tem falado do impacto económico da cultura. Agora falamos dos direitos e dignidade dos seus profissionais. Que a decência não nos permita continuar a perorar sobre a importância da arte, cultura, indústrias criativas e simultaneamente negar aos profissionais que tornam tudo isso possível os direitos mais básicos. Continuaremos o trabalho e a luta, esperando que desta vez saia da AR uma Lei consequente com as soluções justas e inadiáveis.