Autarquia não é connosco?

porJorge Costa

14 de October 2009 - 0:00
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O aumento de votos e mandatos foi pequeno, contrastando com os recentes resultados de europeias e legislativas. O Bloco sempre disse que não se podem comparar eleições, mas ainda assim esperou-se mais.

Lisboa

Luís Fazenda enfrentou em Lisboa o quadro político mais adverso que algum candidato bloquista teve pela frente até agora.

O Bloco acabava de sair da sua primeira e única experiência de vereação na capital, vivida com o independente José Sá Fernandes e fracassada como projecto autónomo a partir do abandono do programa pelo vereador eleito. Ao longo dos meses que antecederam as eleições, a dinâmica do "mal menor" foi ganhando espaço à esquerda, sobrepondo-se às diferenças de programa e à avaliação concreta do executivo de António Costa. Foi assim que Helena Roseta integrou a candidatura do PS.

O Bloco fez outra opção. Assumiu a responsabilidade de uma oposição construtiva, disponível para participar em políticas novas mas sem acordos cegos com um executivo cujo percurso, até hoje, é uma revisão sempre em baixa de compromissos eleitorais. Fez uma campanha forte, profunda e militante, pensada na continuidade do programa "Lisboa é Gente" - a defesa da zona ribeirinha contra os contentores, a recusa da mercadorização do espaço público, a defesa da habitação social e do privilégio à reabilitação sobre a nova construção, etc.

Fizemos em Lisboa o que tínhamos a fazer: o Bloco restabeleceu a coerência entre o seu programa e a sua presença política e avançou para pesar em medidas de esquerda na autarquia. Assim nascemos: como recusa da bipolarização, do "voto útil" e da alternância sem verdadeira alternativa. Do lado dos cidadãos, esta campanha foi leal a esse projecto e assim será a sua futura bancada municipal. Podemos ganhar ou perder e estamos preparados para a coerência na luta política. Assim foi em Lisboa: o Bloco ficou a 1% da eleição de um vereador e o "voto útil" deu à luz uma maioria absoluta.

Populismo

Vencedores ou derrotados, independentes ou em listas partidárias, muitos autarcas a braços com a justiça ou já cadastrados - alguns deles verdadeiros ícones do triângulo autarquias-construção-futebol - continuam a alcançar enormes votações. Esta versão portuguesa do "rouba mas faz" constitui um sinal muito expressivo da crise da política, do descrédito da representação e do peso eleitoral das redes de influência local, da distribuição de fundos municipais, da empregabilidade autárquica (muitas câmaras são os maiores patrões dos respectivos concelhos) e de todo o tipo de promoção simbólica local.

Muitos destes candidatos terão reforma, por virtude da lei de limitação de mandatos, daqui a quatro anos. Mas a cultura que os viabiliza só pode ser combatida pelo Bloco de Esquerda com mandatos autárquicos abertos e militantes, que passam pelas assembleias autárquicas mas que se concentram na devolução da política aos cidadãos, com iniciativas abertas e de divulgação, saindo das actas para as comunidades. Sem isso, continuarão dificuldades como as vividas por muitas candidaturas bloquistas com "obra feita" nos últimos quatro anos em mandatos combativos mas fechados em assembleias municipais e de freguesia.

Implantação

Não vale a pena procurar a fórmula mágica que transformará o Bloco numa potência autárquica. As escolhas eleitorais para o poder local são feitas (ainda e cada vez mais) a partir de relações de confiança e reconhecimento pouco politizadas. Por exemplo, é sabido que, depois de autárquicas, grande parte dos votantes do PCP migra para outras preferências eleitorais. Em concelhos como Gaia, o vencedor absoluto das legislativas no concelho é varrido pelo candidato social-democrata. Abundam os exemplos de diferenças com as legislativas muito mais impressionantes que as registadas pelo Bloco.

A modéstia com que assumimos os resultados destas eleições não é falsa: somos um partido que dá primeiros passos perante um campo autárquico profundamente estruturado e estabilizado, onde os impactos da disputa nacional não repercutem directamente. 

O Bloco tem muito para crescer em número e capacidade de envolvimento político e social. Afirmado nacionalmente a partir da convergência de algumas centenas e depois milhares de militantes anti-capitalistas, partidários ou não, jovens ou mais experientes, o Bloco tornou-se um terceiro campo na esquerda para disputar a hegemonia popular do PS. A presença territorial do Bloco, que se alargou muito significativamente nos últimos anos - como atesta o número de candidatas e candidatos apresentados nestas autárquicas - torna o partido numa realidade sem comparação com aqueles primeiros anos. Porém, o que ficou à vista nestas autárquicas é que o Bloco está ainda longe de ser em cada concelho o que já é a nível nacional, uma alternativa e um programa, uma comunidade política e um diálogo social capazes de começar a romper as referências tradicionais e a submissão à alternância.

Nas autarquias, o Bloco só terá espaço e sentido como intransigência com os pequenos e grandes poderes municipais, ruptura com os compromissos despolitizados e com uma "política de proximidade" que pode ser afinal uma miniatura do pior que há no regime político da alternância.

O Bloco não fará esse caminho sozinho, mas deve fazê-lo sabendo que as autárquicas serão por muito tempo uma aferição do enraizamento social desta esquerda. Os próximos quatro anos, dentro de cada autarquia mas sobretudo fora delas - na vida comunitária, nos movimentos sociais -, são o tempo de transformar a enorme força revelada pelas legislativas num tecido político mais resistente, mais envolvente e mais amplo. É esse o mandato recebido por todos os bloquistas nestas autárquicas.

Jorge Costa
Sobre o/a autor(a)

Jorge Costa

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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