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A guerra da NATO

No início de Novembro, depois de um ataque que matou cinco funcionários, foi decidida a retirada do Afeganistão de 600 pessoas, quase metade dos funcionários não-afegãos da ONU. Mas a "retirada" das Nações Unidas não começou agora.

O ataque ao Afeganistão foi decidido pelo Conselho de Segurança em Dezembro de 2001, no balanço dos ataques de 11 de Setembro. Mas o estatuto de missão da ONU só se manteve até Agosto de 2003. A NATO anunciou então ter "assumido a liderança da ISAF, força com mandato da ONU". O facto consumou-se e as 100 mil tropas ocupantes, dois terços norte-americanas, integraram a cadeia de comando do Pentágono. Ao longo de oito anos no Afeganistão, a ONU perdeu o único papel que tinha, o de chancela multilateral da ocupação militar norte-americana.

A NATO quis ser a dona desta guerra por uma razão estratégica: desde o final dos anos 90, vem afirmando o seu "novo conceito" e superando a identidade da guerra fria (bloco militar para a defesa dos territórios e populações dos países-membros). A NATO impõe-se hoje como força de alinhamento com os EUA, operando a nível global, sem restrições geográficas ou políticas, deixando à ONU eventuais relações públicas. Nos comunicados das cimeiras, poucas são as questões que a NATO não assuma como suas. A aliança pronuncia-se sobre mudanças climáticas, segurança alimentar, combate à pobreza, socorro a civis... Nessa linha, alarga-se a 28 membros, actua em três continentes - Europa (Balcãs), Ásia (Afeganistão) e África (Sudão e Somália). E também formaliza parcerias fora das suas áreas tradicionais, desde logo no Mediterrâneo: três semanas antes do início do ataque a Gaza, há um ano, era assinado o programa de cooperação específica com Israel. Este é o novo conceito estratégico predominante na NATO: uma força de intervenção global orientada pelos interesses dos Estados Unidos.

Ora, o Afeganistão - guerra de ofensiva travada fora do eixo atlântico - em vez de relançar a NATO, deixa os Estados Unidos cada vez mais sozinhos e cria uma crise de orientação na aliança. Richard Holbrook, chefe da zona Afeganistão-Paquistão declarava há dois anos que este é "o teste final" para a aliança. Mas o teste está a correr pior que mal. Depois de oito anos de destruição e reconstrução (38 mil milhões de dólares de assistência económica), o falhanço é completo na criação de consenso social, na economia (regresso em força da produção de heroína, corrupção generalizada), no desenvolvimento de Forças Armadas afegãs e de instituições credíveis (Karzai acabou por manter-se presidente através da fraude eleitoral, cabendo à ONU perder a face em explicações). É neste quadro desmoralizador que as tropas de ocupação sofrem as suas maiores perdas de sempre e que o conflito alastra ao Paquistão.

Pelo seu lado, a NATO mostra paralisia. Os seus membros retiram-se do Afeganistão ou recusam o envio de mais tropas (os trabalhistas ingleses parecem ser excepção) e Barack Obama está ainda muito condicionado pela maioria que o elegeu. Os secretários da Defesa e dos Negócios Estrangeiros exigem o envio de mais 30 mil soldados, mas o presidente sabe que não pode assumir a continuação da escalada de perdas de soldados norte-americanos. Assim, intensifica a guerra asséptica e os bombardeamentos aéreos: com Obama, há mais ataques com aviões não-pilotados do que com Bush, aumentando com eles o número de vítimas de "acidentes" criminosos, centenas de civis afegãos. Por outro lado, Obama aproxima-se da táctica iraquiana de George Bush, comprando grupos de talibãs "moderados" (assumindo afinal que não são o mesmo que a al-Qaeda, como se dizia aos incautos há oito anos).

A história desta guerra é já longa e não falta na esquerda europeia quem tenha pago o preço da falta de clareza sobre ela. Em 2001, quando a França alinhou na missão "Liberdade Duradoura", o PCF estava no governo com Jospin. Em 2007, a Refundação Comunista italiana desintegrou-se depois de ter votado, como parte do governo Prodi, a favor da participação nesta ocupação. O Bloco de Esquerda disse sempre a mesma palavra: não. Sem "ses" e sem "mas". Desde 2001, o Bloco é a defesa da retirada portuguesa de uma guerra que aproveitou um crime, o 11 de Setembro, para justificar outro. Hoje, a derrota da NATO no Afeganistão, a sua retirada, é também um golpe importante numa organização baseada na força e na ordem imperial. Uma organização para onde Salazar levou Portugal e que devíamos abandonar desde já.

Quando se reunir por cá, na cimeira prevista para 2010, a NATO saberá que aqui existe uma esquerda anti-militarista preparada para a enfrentar.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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