Na madrugada de 31 de Maio uma frota de ajuda humanitária, acompanhada por uma comitiva internacional, foi atacada em águas internacionais por um grupo armado que a tomou e assassinou vários dos seus elementos. Este grupo armado não é um bando de terroristas ou de piratas. É o exército de um país. E se a comunidade internacional não age já é cúmplice deste crime e dos que inevitavelmente se seguirão.
A Frota da Liberdade transportava 10 toneladas de ajuda humanitária para Gaza e cerca de 700 activistas pelos direitos humanos oriundos de 40 países, incluindo palestinianos e israelitas, representantes eleitos de diversos países e uma Prémio Nobel da Paz. Transportavam alimentos, cimento, brinquedos para a população de Gaza. E foram atacados em águas internacionais, com gás e tiros de metralhadora, pelo exército israelita, um dos exércitos mais poderosos do mundo.
Na base de tudo está a defesa ao cerco a Gaza que esta Frota procurava furar; um certo contraproducente e inaceitável. Israel mantém um bloqueio injusto e cruel à população de Gaza, mantendo um milhão e meio de pessoas, homens, mulheres e crianças, prisioneiros no seu próprio país e privados dos mais básicos bens e direitos. Israel impede a circulação de pessoas e proíbe entrada em Gaza de bens alimentares, medicamentos, cimento, brinquedos, instrumentos musicais, num inaceitável instrumento de punição colectiva de todo um povo. Quatro em cada cinco habitantes dependem da ajuda humanitária para sobreviver por causa do bloqueio imposto por Israel.
O ataque mortal de Israel à frota de barcos humanitários que iam em direcção a Gaza chocou o mundo. As Nações Unidas, a União Europeia e quase todos os governos e organizações multilaterais condenaram o ataque e pedem a Israel para acabar com o bloqueio e para lançar uma profunda investigação sobre o ataque à frota. Tristemente o Governo português nada mais fez do que lamentar. Enquanto o Parlamento Europeu foi claro nas sua crítica e nas suas exigências e Espanha, França e Brasil chamaram os embaixadores de Israel para consulta, Luís Amado repudiou, envergonhadamente, o sucedido e passou em frente.
O embaixador israelita em Portugal já comentou o sucedido: “preferimos vozes de condenação à apresentação de condolências”. Ou seja, Israel pratica e defende uma política de dispara primeiro e pergunta depois; não importa quantas vidas se perdem desde que sejam as vidas dos “outros”. Nada vale; leis internacionais, direitos humanos, vidas humanas. O Estado de Israel vive numa situação de excepção e impunidade inaceitável e crescente.
Com o ataque à frota liberdade, Israel subiu mais um patamar na provocação à comunidade internacional. Atacou um país membro da NATO e com quem mantinha relações diplomáticas; as embarcações são da Turquia. O estatuto de inimputabilidade de que o Estado de Israel goza há décadas só o poderia levar até aqui.
Este ataque revela ainda a estupidez de uma aliança – a NATO – que se mostra inútil e incapaz, e cúmplice da política externa de um dos seus membros – Israel - mesmo contra os outros membros da aliança.
A maior parte das pessoas em qualquer lugar ainda partilha o mesmo sonho: dois Estados livres e viáveis, Israel e Palestina, que possam viver em paz lado a lado. Mas o bloqueio, e a violência usada para defendê-lo, envenenam este sonho. O jornal de referência Israelita Ha’aretz afirma “Nós já não estamos a defender Israel. Nós estamos agora defender o bloqueio (a Gaza).”
É tempo de responsabilizar Israel pelas suas acções. É tempo de Israel respeitar o direito internacional e acabar com o bloqueio a Gaza. A comunidade internacional tem sido cúmplice do bloqueio a Gaza, cúmplice da tolerância para com as acções desproporcionadas, cúmplice da situação de excepção.
Não chega reiterar declarações de condenação ou muito menos de lamento. É preciso agir. Ontem um grupo de eurodeputados que visitou a Gaza reuniu-se em conferência de imprensa para exigir que a União Europeia suspenda o estatuto de associação com Israel, alegando a violação da cláusula de respeito pelos direitos humanos, e imponha sanções a Israel que acabem com a situação de impunidade e tornem consequente a exigência de respeito pelas leis internacionais e pelo fim do bloqueio a Gaza.
E é também esse o caminho que Portugal deve seguir. Como Estado soberano, nas suas relações bilaterais com Israel, e como membro de organizações internacionais; temos de ter uma posição clara de defesa do direitos internacional e dos direitos humanos, de sanção aos ataques israelitas, seja na União Europeia, na Nato ou nas Nações Unidas. É inaceitável que Portugal continue a ser cúmplice dos crimes de Israel e que o Governo português, entre todos os governos europeus, seja o mais reservado na condenação neste ataque à margem de todas as leis internacionais.
Declaração Política na sessão plenária da Assembleia da República de 2 de Junho de 2010