You are here

A Justiça Poética de Dennis Brutus

Curiosamente, para este mágico poeta e intelectual, foi o rugby que, ainda jovem, lhe revelou a injustiça racial na sua pátria. Brutus sempre recordou que um homem branco o chamou de forma sarcástica de «futuro Springbok».

«Os Springboks» eram a equipa nacional de rugby, e Brutus sabia que quem não era branco nunca poderia entrar na equipa. Escreveu «Isso ficou-me gravado até anos mais tarde, quando comecei a questionar a barreira racial no seu conjunto, a questionar por que é que os negros não podiam entrar na equipa». Este tema aparece no novo filme de Clint Eastwood, «Invictus». O Presidente Mandela, representado por Morgan Freeman, apoia os Springboks durante a Taça Mundial de 1995, reconhecendo que até então os negros sempre souberam quem apoiar: qualquer equipa que jogasse contra os Springboks.

No final da década de 50, Brutus escrevia uma crónica de desportos com o pseudónimo «A. De Bruin», que em afrikaans significa «um negro». Brutus escreveu: «A crónica...era aparentemente sobre resultados desportivos, mas também sobre a política racial e o desporto». Foi excluído pela prática do apartheid que impunha, entre outras coisas, restrições de movimento, de direito de reunião e de publicação. Em 1963, ao tentar fugir da custódia policial, foi alvejado. Esteve à beira da morte numa rua de Joanesburgo enquanto esperava por uma ambulância especial para negros.

Brutus passou 18 meses na prisão, na mesma secção que Nelson Mandela na ilha Robben. Aí escreveu o seu primeiro conjunto de poemas, "Sirens, Knuckles, Boots". O seu poema "Sharpeville" descreve o massacre de 21 de Março de 1960 em que a polícia sul-africana abriu fogo e matou 69 civis, um facto que o tornou radical.

Escreveu:

Remember Sharpeville
bullet-in-the-back day
Because it epitomized oppression
and the nature of society
more clearly than anything else;
it was the classic event

Recordem Sharpeville
no dia das balas pelas costas
porque encarnou a opressão
e a natureza da sociedade
mais claramente que nenhuma outra coisa:
foi o feito exemplar

Ao sair do cárcere, Brutus iniciou a sua vida de refugiado político. Formou o Comité Olímpico Não Racial Sul-africano para incluir os desportos numa campanha mundial de grande envergadura contra o apartheid. Conseguiu que a África do Sul fosse proibida de participar nos Jogos Olímpicos de 1970. Brutus mudou-se para os Estados Unidos, onde viveu como professor universitário e líder contra o apartheid, apesar dos esforços do governo de Reagan de impedir que mantivesse a sua condição de refugiado e das tentativas para o deportar.

Depois da queda do apartheid e a ascensão ao poder do Congresso Nacional Africano, Brutus manteve-se fiel aos seus princípios. Disse-me: "Quando se privatiza a água, como se privatiza a electricidade e as pessoas são desalojadas das suas barracas porque não conseguem pagar o aluguer, a situação piora... O governo sul-africano, liderado pelo Congresso Nacional Africano decidiu adoptar a solução empresarial".

Continuou dizendo: "Saímos do apartheid para passar ao apartheid da globalização. Estamos num mundo onde, de facto, a riqueza está concentrada nas mãos de uns quantos; a maioria das pessoas ainda é pobre... uma sociedade que está desenhada para proteger os ricos e as empresas e que, de facto, está a prejudicar os pobres, aumentando a sua dependência, isto é o contrário do que pensávamos que sucederia no governo do Congresso Nacional Africano".

Muitos jovens activistas conhecem Dennis Brutus não pela sua militância contra o apartheid, mas pelo seu activismo a favor da justiça global, por sua participação em todas as grandes mobilizações contra a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. E, mais recentemente, ainda que não estivesse presente, inspirou os manifestantes que protestaram em Copenhaga durante os dias da cimeira da ONU sobre a mudança climática. No seu 85º aniversário, dias antes do início das negociações sobre o clima, disse: "O planeta inteiro tem graves problemas. Vamos dizer ao mundo: há demasiados lucros, demasiada ganância, demasiado sofrimento dos pobres. Todos os habitantes do planeta devem agir".

31 de Dezembro de 2009

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

Tradução de Ana da Palma 

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
(...)