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Uma nova era na forma de encarar o parto e os cuidados a ter
Na segunda metade do século XX e em Portugal, após a constituição do Serviço Nacional de Saúde, foram pensadas medidas no sentido de reduzir a elevada taxa de mortalidade materna e perinatal que se verificava então.
Isso implicou o estabelecimento de padrões de vigilância nos cuidados primários de saúde e de limitação de locais de nascimento para o parto a hospitais com equipamento e profissionais adequados.
A medicalização do parto foi uma consequência destas medidas, é necessária nalgumas situações de doença materna ou fetal, mas não se revela adequada para todas as situações, não sendo necessário que haja medidas estandardizadas ou generalizações, devendo antes ser adaptadas aos diferentes contextos de normalidade ou anormalidade.
Conquistada esta situação de estabilidade nos resultados maternos e fetais, que vivemos hoje, com grande orgulho em Portugal e que é fruto de medidas pensadas para abranger cuidados até aí inexistentes, coloca-se agora a situação de saber se algo pode mudar, com e para as mulheres .
Qual é o melhor parto para as mulheres? Aquele que as satisfaz mais, dentro do contexto que elas planearam ou pensaram, não ultrapassando a sua segurança ou a do seu filho, mas que garanta a melhor interação mãe-filho e a presença da pessoa que ela considera significativa.
Em Portugal tem-se vindo a assistir a um movimento crescente no sentido de alertar/despertar as mulheres grávidas para os seus direitos durante a gravidez e o parto, chamando particularmente a atenção para as situações em que esses direitos não são respeitados, podendo configurar situações de eventual abuso ou até da chamada ‘violência obstétrica’.
Muitas mulheres manifestam tristeza ou demonstram estado emocional depressivo após o nascimento dos seus bebés, tendo muita dificuldade em expressar esses sentimentos, ou até reprimindo-os, pois acreditam que não é “correto” uma mãe demonstrar outros sentimentos que não os de total felicidade e encantamento com o seu novo bebé. Algumas dessas mulheres manifestam até sintomas de stress pós-traumático, não conseguindo identificar o atendimento no seu parto como a fonte desse intenso mal-estar que sentem.
A quem cabe este papel de preparar as mulheres e alertá-las para o respeito pelos seus direitos, e para o que podem realisticamente esperar durante a sua gravidez e parto?
Muitas não sabem sequer que têm o direito “à informação, ao consentimento informado, ou à recusa informada, e ao respeito pelas suas escolhas e preferências”. Isto significa que deve ser obtido o seu consentimento para todos os procedimentos realizados durante a assistência na gravidez e no parto. Aceitam sem questionar todos os procedimentos praticados pela equipa de saúde, aceitam a presença de todas as pessoas que entendam estar presentes e a quem é proporcionado acesso ao gabinete de consulta médica, ao quarto de dilatação durante o trabalho de parto, ou à sala de partos ou bloco operatório durante o parto, não protestando ou não entendendo sequer que tal viola o seu “direito à confidencialidade e à privacidade”, bem como o “direito a serem tratadas com dignidade e com respeito”. Todas estas situações colocam em causa o seu “direito de serem bem tratadas e a estarem livres de qualquer forma de violência”.
No entanto, ainda hoje a maior parte das mulheres acredita que, se é assim o atendimento nos hospitais/maternidades, tal se deve às melhores práticas, baseadas na melhor evidência disponível. Para muitas, é inconcebível que as coisas pudessem ser feitas de outra maneira, aceitando tudo como uma inevitabilidade que, acreditam, é no seu melhor interesse.
E aquelas grávidas, ainda uma pequena percentagem, que elaboram um Plano de Parto e o apresentam à direção do hospital/maternidade ou à equipa de serviço quando são admitidas, já em trabalho de parto, são frequentemente confrontadas com a recusa perentória de ver esse plano de parto apreciado ou discutido, sendo muitas vezes alvo de piadas, comentários ofensivos e até coagidas a procedimentos desnecessários, contrários às preferências que manifestam no referido plano. Estas situações são claramente lesivas do seu “direito à igualdade no tratamento que recebem, e a não serem descriminadas”.
A frequência mais generalizada de Cursos de Preparação para a Parentalidade e Nascimento poderá ser a resposta para dotar estas mulheres/casais da informação necessária para compreender o processo de gravidez e trabalho de parto e se prepararem de forma realista para o nascimento dos seus filhos, compreendendo que têm direitos, (entre os quais o direito a exigir que esses direitos sejam respeitados), sem recear ofender as suscetibilidades dos membros da equipa, ou virem a ser eventualmente vítimas de represálias.
Devem compreender também que, em caso de emergência, poderá a equipa ser chamada a tomar decisões, eventualmente contrárias ao exposto no seu plano de parto, de modo a preservar acima de tudo a segurança da mãe e do filho. Por essa razão, a mulher (casal) deve escolher cuidadosamente o local onde pretende que a sua gravidez seja vigiada bem como o local onde pretende que nasça o seu bebé, estando convicta de que a equipa presente respeitará em todo o momento as suas preferências, (desde que, obviamente, sejam razoáveis e não a coloquem ou ao bebé em risco), e que as decisões tomadas em situação de emergência serão baseadas na melhor evidência científica. Essas escolhas devem também constar do seu plano de parto, e para o elaborar, a mulher (casal) deve ter acesso aos números, estatísticas, etc., que são difíceis de obter, não possuindo geralmente os conhecimentos necessários para saber interpretar os dados que são públicos e aos quais podem ter acesso.
Os referidos cursos de preparação para o nascimento, embora já muito divulgados e frequentados por uma parte significativa da população grávida, em centros privados ou no SNS (maternidades ou centros de saúde), não estão ainda ao alcance de todos, principalmente os que não têm meios para o pagar e não têm vaga no serviço público. E quando os frequentam, não podem ter a certeza de que o que vão aprender é o mais correto e adequado à sua situação pois não há uma regulamentação dos conteúdos desses cursos, mas apenas uma Recomendação da Ordem dos Enfermeiros, de 2012, e uma ‘sugestão’ incluída no Manual para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco da Direção Geral de Saúde, publicado em 2015. As temáticas sugeridas em ambos os documentos são bastante sobreponíveis, mas não há nenhum organismo responsável pela certificação dos centros onde esses cursos são ministrados.
Cabe aos profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros parteiros e médicos obstetras, criar espaço nas maternidades e hospitais para um atendimento seguro a todas as grávidas e casais durante a gravidez e o nascimento, baseado na melhor evidência disponível e no respeito pelos direitos das mulheres, dos bebés, das famílias.
Nas situações em que não está à partida presente nem compromisso materno nem fetal, uma prática atendendo aquilo que serão as opções das mulheres, exige profissionais e espaços adequados, com treino e respeitando as opções e a multiculturalidade, com presença da pessoa significativa no parto. É importante ter sempre em conta que um parto simples pode de repente tornar-se complicado e por isso os profissionais devem ser treinados para as diferentes respostas.
Esta mudança, que não é fácil para quem a deseja, vai continuar a manter situações, bastante tradicionais e muito próximas das que existem atualmente, também por vontade e desejo das mulheres. Mas é necessária uma modificação na formação de profissionais que devem ser sensibilizados para novas práticas de parto, diferentes das que aprenderam e as escolas de ensino e de prática, devem refletir a importância da técnica. Mas também da humanização e respeito inter-pessoal
Caberá ao Governo produzir legislação que salvaguarde esses direitos, e garantir o seu cumprimento.
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