A política britânica pode estar a mudar e isto está a incomodar algumas pessoas. A exprimir esta inquietação esteve Peter Hain, o antigo secretário de estado de Gales. A 23 de Setembro disse num encontro marginal do Unir Contra o Fascismo (UAF) na conferência do Partido Trabalhista que o Partido de Independência britânico (UKIP) pode ficar em primeiro nas eleições europeias do próximo ano, tendo ficado em segundo depois dos conservadores em 2009 com 16.5 % dos votos. Hain avisou que a organização representava “uma forma muito perigosa da política populista” que “permitiu o fanatismo”, dizendo que muitos apoiantes do Partido Nacional Britânico (BNP) tinham encontrado o seu lugar no UKIP.
Em resposta, o líder do UKIP Nigel Farage disse que era o "desprezo" dos partidos tradicionais para com os "desejos e medos" das pessoas comuns que tinha atiçado o "extremismo político". Afinal, fez notar, o Partido Trabalhista pensa que os seus próprios partidários são fanáticos - uma referência cortante, claro, ao encontro de Gordon Brown de 2010 em Rochdale com Gillian Duffy, aquela “mulher fanática", uma apoiante trabalhista de há muito, que demonstrou alarme a propósito dos europeus de leste a "entrar em bando" no Reino Unido. Farage também alegou que o UKIP é ativamente anti-racista e que é o único partido que proíbe ex-membros do BNP de aderir.
A troca de palavras acima condensa o consenso nacional chauvinista, que combina o anti-racismo burguês ou institucional e o nacionalismo britânico - e na realidade é algo que Hain e Farage têm em comum. Ambos subscrevem a mitologia dominante, reconfigurada, do pós Segunda Guerra Mundial do valente pobretanas britânico batendo-se numa cruzada democrática contra o fascismo/nazismo sob a liderança do maior britânico de todos, Winston Churchill.
Ambos consideram o BNP e o fascismo em geral, como um fenómeno completamente 'não-britânico' que precisa de ser erradicado. Ambos concordam que Sr. Smith e a Sra. Patel devem trabalhar em conjunto para o 'interesse nacional' contra todos os concorrentes e rivais na corrida global implacável - sejam eles polacos, romenos, búlgaros, somalis, chineses, afegãos, iranianos, etc. Precisamos de proteger 'os nossos' e acenar com a bandeira nacional. Um número de britânicos asiáticos falou na conferência partidária da semana passada do UKIP e eles dão sabor ao seu braço juvenil, Independência Jovem.
Há uma certa ironia no facto de Hain ter dirigido as suas observações ao UAF dominado pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP). Sim, não sendo um idiota, advertiu contra a tentação de "rotular" o UKIP como racista ou fascista, porque "é um ataque demasiado simples e direto de fazer" e se torna portanto "fácil de rechaçar". Mas, lá no coração, todo o projeto político do UAF/SWP tem sido adotar um anti-racismo "simples" e frontista-popular, tal como estimular as pessoas nas eleições a que "não votem nos nazis", ou seja, no BNP. Isso implicava que era bom para os trabalhadores votar nos conservadores e nos liberais democratas. Agora, em termos semelhantes, o UKIP é classificado como organização racista pura e simples e, portanto como o BNP, para além dos limites.
Mas a questão básica é que a mensagem anti-imigrantes que cada vez forte do UKIP, feitas as contas, não é diferente em qualquer forma essencial do nacional-chauvinismo do sistema – tanto como os comentários de Gillian Duffy sobre "bandos" não era muito diferente dos "empregos britânicos para trabalhadores britânicos" do próprio Gordon Brown, como disse ao falar para o Sindicato geral GMB em 2007. Que por sua vez não estava distante da notória entrevistade Margaret Thatcher ao World in Action em janeiro de 1978, em que falou sobre como os povos britânicos sentem "medo" de o país poder estar "ocupado por pessoas com uma cultura diferente" – minando assim o apoio eleitoral à Frente Nacional então ressurgente. Ao longo dos anos temos assistido a uma venda ao desbarato com os políticos burgueses a competirem nos lances por controles cada vez mais mais rigorosos sobre a imigração.
Também não se dá o caso de o UKIP estar recheado de antigos membros do BNP e apoiantes. Por exemplo, uma tiragem à sorte de 50 delegados na conferência do UKIP encontrou 26 anteriores membros do Partido Conservador. No entanto, seria também incorreto pensar que UKIP só está a pegar em eleitores conservadores descontentes - como Farage argumentou aquando da eleição intercalar de Eastleigh em maio, apenas um terço dos votos veio realmente UKIP de conservadores descontentes. A maior parte dos outros dois terços, ao que parece, veio de pessoas que nunca se tinham incomodado antes em votar e dum grupo menor de velhos votantes Trabalhistas desiludidos.
Outra possível ironia, embora talvez não inteiramente ao gosto de Peter Hain, é que a vaga crescente do UKIP - se disso se trata - pode muito bem acabar por beneficiar os trabalhistas. A razão para isso é não é exatamente difícil de descortinar. O UKIP está a contrair o voto conservador em muitas votações marginais chave. Numa inquirição substancial e muito informativa aos 40 assentos conservadores com as maiorias mais débeis, o empresário bilionário Lord Ashcroft concluiu que o apoio do UKIP era de dois dígitos, o que mais do que triplica os 3% ganhos pelo partido de Nigel Farage nas eleições de 2010[1].
O efeito seria dividir os votos da direita e dar uma vantagem de 14 pontos aos Trabalhistas (de 43% para 29%) nos 32 assentos onde os representantes conservadores têm as maiorias mais estreitas em relação aos Trabalhistas - uma vantagem que quase triplica os cinco pontos de vantagem trabalhistas de toda a Grã-Bretanha. Se a sondagem de Ashcroft for exata, isso daria aos Trabalhistas uma maioria de 60 lugares nos Comuns se uma eleição se realizasse amanhã. Olhando para os resultados, Ashcroft concluiu: "Se o UKIP conseguir tão bons resultados na eleição geral, como sugere esta sondagem, Ed Miliband poderia tornar-se primeiro-ministro com uma maioria confortável".
Farage declarou no seu discurso principal na conferência do UKIP em 21 de setembro que o seu partido está a "mudar a cara" da política britânica e que poderia causar um "terremoto" ao ganhar as eleições europeias - que ele esperava transformar num "referendo" sobre a adesão da Grã-Bretanha à UE. Como prova disso, lembrou-nos que ninguém havia previsto os excelente resultados locais do UKIP desse ano, ao conseguiu 23% de todos os votos expressos - então por que a história não se repetiria? Foi ao ponto de dizer que o UKIP ganharia "centenas e centenas e centenas" de lugares no Conselho no ano seguinte e que a filiação partidária num futuro próximo ultrapassaria a dos LibDem - agora atingindo os 42.501, com o UKIP a alegar 30.000 membros a partir de 31 de julho. O UKIP, por outras palavras, tornar-se-ia o terceiro maior partido do país.
De facto, prosseguiu, nas próximas eleições gerais o seu partido colocaria candidatos em cada círculo eleitoral, incluindo a Irlanda do Norte e poderia até encontrar-se em situação para "manter o equilíbrio de poder" num Parlamento dividido, embora isto pareça uma treta implausível. Embora se possa perfeitamente conceber que o UKIP ganhe as eleições europeias, ainda terá um trabalho extremamente duro para conseguir um único parlamentar, dado o sistema de eescrutinio maioritáriouninominal para as eleições de Westminster - uma democracia muito antidemocrática.
Segundo o Electoral Calculus, a posição atual de 13% do UKIP não lhe dará nenhum lugar[2]. Mesmo com um nível de apoio de 18%, "dificilmente conseguirá algum" assento em Westminster e só começará a ganhar mais do que um punhado de representantes se o seu apoio nacional suporte for acima dos 20%[3]. Dado que Farage mais ou menos excluiu qualquer forma de pacto eleitoral com David Cameron, é abusar da imaginação ver o UKIP a agir como fiel da balança nas próximas eleições - exceto no sentido negativo de permitir a entrada dos trabalhistas ao dividir os votos.
Especulações de análises eleitorais à parte, o resto do discurso de Farage na conferência foi um lance nu e cru pelo voto populista: sim, ele certamente quer sair-se bem nas próximas eleições gerais. Chame o Daily Mail para a sua beira. Disseram-nos que a imigração era o "grande verdadeiro problema deste país", alegando mesmo que mais pessoas entraram no Reino Unido em 2010 do que "nos milhares de anos anteriores"! Emitiu ainda avisos sombrios sobre uma iminente "vaga de crimes" se aos romenos e búlgaros fosse concedido o direito a se estabelecerem no Reino Unido a partir de 1 de janeiro: "92% dos assaltos aos multibancos" na Grã-Bretanha são cometidos por romenos, declarou.
Esta exibição revoltante de xenofobia seguiu-se à declaração política de pré-preferência do UKIP para que fosse dada prioridade nas listas de espera a candidatos a habitação municipal apenas àqueles cujos pais ou avós "tinham nascido localmente" e de que o chamado «turismo de saúde» deveria terminar, as pessoas sem seguro de saúde deviam ser impedidas de entrar na Grã-Bretanha.
Naturalmente, a conferência do UKIP foi ofuscada em certa medida pelo escândalo na comunicação social gerado em torno do idiota Godfrey Bloom, representante do partido por Yorkshire e Humber - já famoso pelo comentário absolutamente hilariante de julho sobre ajuda externa da Grã-Bretanha ir para países na "Terra do Bongo Bongo". Desta vez, que fez uma piada sobre as mulheres membros do UKIP serem umas "vadias" por nunca limparem atrás dos frigoríficos – só estando lá, imagino eu. Farage admitiu estar "muito atingido" pelas "graçolas" de Bloom por isso ter distraído a atenção da mensagem "principal" do partido - há pelos vistos uma diferença do tamanho do mundo entre "alargar as fronteiras do debate" sobre questões como a imigração e a ajuda externa e o que Bloom fez (que posteriormente se demitiu da bancada UKIP e se senta agora como independente).
De agora em diante, prometeu Farage, haverá mudança de regime dentro UKIP. Haverá um processo de seleção "muito duro" para os candidatos com potencial e em geral vai ser um "partido mais disciplinado".
Embora as setores da esquerda possam roboticamente insistir que o UKIP é um partido racista, é na verdade parte de um fenómeno mais amplo, tanto na Europa como nos Estados Unidos: o surgimento de grandes partidos e movimentos de direita populista: Frente Nacional, Vlaams Belang, Parrtido para a Liberdade de Geert Wilders , Movimento 5 Estrelas, Tea Party, etc. Dadas todas as suas diferenças óbvias e os desacordos sobre praticamente tudo o que se possa mencionar, estes partidos existem para dar vazão a preconceitos da pequena-burguesia de forma primitiva: um virulento chauvinismo nacional, aliado a um desprezo visceral para com os migrantes e para com a elite liberal 'politicamente correta' que ela imagina formar o núcleo do sistema político.
Tradução de Paula Sequeiros para esquerda.net
Artigo publicado em Weekly Worker.
[1]The Sunday Telegraph 15 de setembro.